quarta-feira, 30 de abril de 2008

Mais um de meus nobres vícios


A Cultura Urguiana

Acho engraçado como dentro de uma mesma cidade, por divisões meramente burocráticas, criam-se subculturas diferenciadas. A UFRGS é um caso típico deste fenômeno. Como muitas pessoas, sejam elas funcionários, estudantes ou professores, passam longos períodos de tempo dentro da universidade (como eu, que tenho dias que entro às 9 da manhã e saio às 19:10), acaba-se criando um dialeto, um folclore e práticas próprias.

A prática mais visível é a de descascar laranja com a colher no RU. Ninguém sabe quem inventou essa prática nem quando, mas sabe-se que foi por causa das facas ruins do amado bistrô, que mal e parcamente cortam a carne oferecida (1). Outro hábito comum a todos os estudantes da UFRGS é falar mal do RU – pode ser que não exista comida mais deliciosa no mundo que a comida subsidiada que comemos, mas mesmo assim, xingamo-la sem dó (talvez seja aí que resida todo o seu sabor). Comparar a comida dos 4 restaurantes que temos por aí é outra prática comum, e nunca se chega a um consenso de qual restaurante é o melhor (falei mais disso num post mais antigo). Mas há outros hábitos mais sutis.

Um desses hábitos é a nomenclatura. Dentro da UFRGS, há muitas unidades orgânicas e departamentos diferentes. Como vários tem nomes compridos demais, é comum falar apenas suas siglas. A Faculdade de Medicina vira a FAMED, a Faculdade de Educação vira FACED, e a Faculdade de Farmácia vira FACFAR. O Instituto de Ciências Básicas da Saúde é chamado apenas de ICBS, e o Instituto de Biociências vira o Biociências, ou simplesmente o “Bio” (2). E vai mais longe do que isso: lembro-me do meu colega Filósofo (assim chamado por ser formado em Filosofia), quando falávamos das loucuras que tínhamos que ver em aula, falar que os facedianos faziam a mesma coisa.

Estes nomes e siglas são óbvios para quem está dentro da UFRGS, mas para pessoas externas, devemos ter um pouco de senso comum, e falar o nome por extenso dos locais e das unidades. Em certos casos, devemos ser ainda mais específicos, e falar o que o tal departamento faz. Quando falo na Faculdade de Medicina, fica bem claro o que quero dizer. Mas quando falo no Instituto de Ciências Básicas da Saúde não. Nesse caso, eu preciso dizer “o instituto onde temos aulas práticas de anatomia e fisiologia” para que tudo fique claro. O próprio RU precisa ser explicado às vezes como sendo o Restaurante Universitário. O RU!

Há diferenças entre os diversos campi da universidade, tanto que é possível dizer que existem pelo menos 4 universidades diferentes dentro da própria UFRGS, sem contar o Instituto de Artes (devidamente chamado de IA), a Escola de Administração, as Faculdades de Agronomia e Veterinária, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (mais conhecido como IPH) e o Ceclimar em Imbé. Contando todos estes, temos 10 UFRGS diferentes.

Já falei dessas diferenças de maneira jocosa anteriormente, mas não me aprofundei muito (até por que meu intuito era avacalhar, não fazer uma análise sociológica). Não posso afirmar nada, até por que o que sei é baseado no senso comum dos estudantes e no que pude observar de forma não sistemática, mas algumas diferenciações são possíveis de serem feitas. Por exemplo, os estudantes dos cursos do Campus do Vale são muito mais sociáveis e metidos em revoluções semanais do que os estudantes do Campus Saúde (meu campus), devido à configuração geográfica dos prédios – no Vale, os prédios dos diferentes cursos são próximos, enquanto que no Saúde tem grade para tudo quanto é lado. Mesmo entre cursos no mesmo campus as diferenças existem. Uma das mais gritantes que vejo é entre a Psicologia e os estudantes da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação – FABICO, de agora em diante chamados de Fabicanos. Nós na Psicologia somos muito mais propensos a refletir sobre as questões que nos envolvem, enquanto que os fabicanos têm uma tendência muito maior de fazer passeatas e invadir reitorias (especialmente os da Comunicação, que dominam a atual gestão do DCE). Não estou dizendo que isto é bom ou ruim, apenas que é diferente.

Também cria-se um folclore diferente de acordo com o campus. No Vale, há o infame Tio da Pastilha, que aborda todos os que ali estudam, dizendo “vai uma balinha pra ajudar o amigo?” (nem eu escapei de ouvir essa infame questão). Tão famoso é o cidadão que fizeram uma camiseta com os dizeres “EU NÃO QUERO A DROGA DA PASTILHA!” (3). Na Escola de Engenharia, há a lenda viva de Klaus, o viking, que há mais de 12 anos faz as cadeiras de cálculo, e suas eventuais incursões por outros cursos da UFRGS (ano passado ele começou a vir para as aulas de Fisiologia da Psicologia. Sim, foi meu colega, e é uma figura).

A maior diferença entre o Vale e o Saúde é em relação aos cachorros. Enquanto que no Vale tem cachorro pra todo lado, e frequentemente ocorrem uns genocídios caninos por parte da prefeitura do campus, no Saúde os cachorros Folha e Bolinha, que vivem do lado da guarita dos seguranças do Instituto de Psicologia, quando ameaçados de remoção, são protegidos por vigorosa reação dos estudantes, seguranças e demais funcionários, contando com cartazes plastificados (4) pelo campus e até abaixo-assinado (sim, eu assinei essa porcaria).

Também há a prática comum a todos os estudantes e professores, e talvez a todos os gaúchos, de achar que a UFRGS é o centro do universo, ou, na melhor das hipóteses, querer saber quão perto a UFRGS está do centro do universo (5)

Não pretendo agora fazer um estudo detalhado dos hábitos peculiares dos Urguianos, até por que não tenho tempo para isso. Entretanto, esse é um assunto que me fascina, essa diversidade comportamental e cultural que se cria dentro de uma única universidade. Talvez um dia eu possa falar mais disso, seja aqui, ou num mestrado ou doutorado.







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(1) O que não é grande coisa, já que os bifes são bem nervosos. Nem as facas novas que servem até pra sangrar porco dão conta do recado.

(2) Também é comum abreviar o nome dos cursos, como Psicologia para Psico, Biologia para Bio e Jornalismo para Jornal. Mas isso acontece em qualquer faculdade do Brasil.

(3) E logo surgiram lendas de como aqueles que compraram essa camiseta morreram de forma misteriosamente dolorosa.

(4) Os cartazes eram tão bem feitos que pensamos seriamente em roubar um e expô-lo em um Salão de Iniciação Científica para ver no que daria.

(5) O centro do universo é a USP. A UFRGS está logo ali do lado, contudo.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Viver e Morrer

Recentemente, a mãe de uma colega minha faleceu. Esta tarde seu corpo foi velado e enterrado. Em solidariedade a nossa colega, muitos de nós comparecemos ao ritual e prestamos nossas condolências. Eu estava entre os que fizeram isto.

Não foi uma atividade agradável em absoluto, mas tudo parece menos pesado quando quem morre não é seu conhecido direto. Justamente por isso, não sentimo-nos obrigados a permanecer no velório, e fomos fazer um “passeio turístico” pelo cemitério.

O cemitério em questão é o da Irmandade Arcanjo São Miguel e Almas, o segundo mais antigo da cidade de Porto Alegre e seguramente o maior. Lembro-me do vestibular, quando todos os dias, quando ia para meu local de prova eu passava do lado do imponente lugar, com seus quatro ou cinco andares de colunas gregas, e me impressionava pensando em quantos poderiam ali estar enterrados. Eu e dois colegas meus decidimos olhar os jazigos e os nomes dos ali sepultados.

Demoramos um pouco até chegarmos à parte “nobre” do cemitério, onde apenas as famílias mais ricas e tradicionais de Porto Alegre, e por extensão, do estado, repousam eternamente. Meus colegas discutiam ativamente os dotes artísticos dos mausoléus, com suas estátuas, entalhes e detalhes. Por mais que este tipo de atividade me interesse, não conseguia deixar de pensar como gastamos preciosos recursos para tornar nossa morte mais aceitável, tornando-a esteticamente agradável. Aposto que os moradores do cemitério não se importam com o aspecto de suas casas. Isso não se restringe a construir belas pirâmides não-triangulares, mas nos leva a fabricar caixões extremamente adornados, e a sacrificar milhares de flores para enfeitarem nosso pós-vida, tal e qual faraós latino-americanos. “Deixem que os mortos enterrem seus mortos” disse certa vez Jesus, mas parece que este conselho, junto com tantos outros que ele dera, foi ignorado sumariamente.

Mais do que pensar no dinheiro gasto inutilmente, fiquei pensando em como quero morrer – devo ser cremado, sepultado sobre a terra ou devo construir um pequeno Taj Mahal para mim e minha família?

Mas mais do que como morrer, fiquei pensando em como viver. Não posso escolher quanto tempo viverei, mas posso decidir como viverei o tempo que me é dado, seja por Deus, pela natureza ou pelo acaso. Meu colega, na hora do sepultamento, contemplando toda a triste cena, fez um comentário extremamente sagaz. “Engraçado como as pessoas esquecem que vão morrer” ele disse. Assenti. E pensei em quantas pessoas passam suas existências num estado de olvidada sobrevida, nunca chegando a de fato viver, por que esquecem-se que irão morrer. A lembrança da morte é poderosa, e não raro motivou pessoas a tomarem um rumo em suas vidas. Algumas, caindo em triste nihilismo, entregaram-se ao hedonismo desmedido, ao jogo, à bebida e às drogas. Outras preferiram dedicar seu tempo de existência a algo maior que elas – a família, a pátria, a humanidade.

Tenho crenças pessoais sobre o que irá acontecer quando morrer. Entretanto, estas crenças são irrelevantes diante da tarefa de viver. Até que se prove o contrário, tenho apenas uma vida para viver, apenas um corpo para me locomover, e nenhuma bússola para guiar meus passos em rumo à um sentido – o que torna tanto o nihilismo quanto a esperança vias igualmente aceitáveis para se seguir. E apesar de preferir fortemente a segunda opção, não raro penso em qual sentido de viver de tal forma que tudo que eu fizer torne-se nada mais do que um mausoléu fora do cemitério.

sábado, 26 de abril de 2008

Sono, Cansaço e Outras Paradas Muito Loucas

Passei essa noite em claro para fazer o trabalho requerido para o curso de extensão sobre Intervenção Social de que tenho tanto reclamado. Por mais frustrante que ele tenha sido até agora (e aposto que hoje é ladeira abaixo de ruim), foi produtivo fazer este trabalho e ler os artigos.

Fiquei procrastinando ontem (1) o dia inteiro a respeito deste trabalho, e sempre que começava a ler, arrumava outra coisa para fazer. No caso, eu fui escrever para o blog. É um comportamento louvável, que muito enriquece minha vida intelectual, mas na dada ocasião não só era desnecessário como era absolutamente inútil, e estava me atrapalhando. Pode parecer uma atitude um tanto quanto esquizo pôr a culpa em um comportamento próprio ao invés de culpar a si mesmo. E é. Relevem.

Entretanto, uma certa hora da noite, depois de comer um pouco, comecei a jogar um joguinho que tenho instalado no computador: Little Fighter II. Grosso modo, é um jogo de luta de anões (2). Acredito que esta descrição deixe claro a inutilidade que era ficar jogando aquilo (3). Então, subitamente lembrei-me que tinha um trabalho por fazer. Não, “lembrar” não exprime o impacto que senti. Foi como se um tijolo tivesse sido jogado no poço de minha consciência, agitando as águas anteriormente tranqüilas. Tive um choque de realidade, não por causa do trabalho, mas por causa de minha atitude – passou por minha mente que comportamentos recorrentes são neurologicamente “marcados”, e tornam-se cada vez mais fáceis de se repetirem. “É assim que quero viver o resto de minha vida?” perguntei para mim mesmo. Respondi que “não” da forma mais enérgica possível, e pus-me a trabalhar novamente.

Foquei-me na leitura dos artigos recomendados (que até pareciam mais legíveis) e em escrever minha resenha de uma maneira que não lembro ter conseguido anteriormente. Fiz vários intervalos, mas nenhum maior que 45 minutos. Trabalhei por muito tempo.

E senti diferenças fisiológicas. Ao contrário do que ocorreu em situações passadas em que tentei permanecer acordado para estudar, não senti sono algum. Pelo contrário, fiquei mais desperto do que de costume; focava minha atenção com facilidade, e podia tranquilamente alternar as janelas do Windows entre um texto e outro, e depois para meu trabalho (4). O único comportamento disfuncional era minha leve falta de controle sobre minhas pernas. Quanto ao resto, meu maquinário mental funcionava a pleno vapor. Agora que terminei o trabalho, contudo, minha vigília e minha atenção esmaecem e desaparecem. Este estado de fraqueza que sinto agora lembra-me vagamente do acampamento de sobrevivência do qual participei quando era escoteiro sênior. Depois de dois dias apenas comendo pinhão e tomando água, não sentia fome, mas uma leve e persistente canseira.

Sei que, em situações extremas de privação ou esforço físico, as pessoas começam a delirar, como os corredores de longa distância que sentem uma estranha euforia após uma corrida especialmente dura, ou religiosos que sentem-se em êxtase religioso após uma semana ou mais de jejum. Neuroquimicamente falando, estes fenômenos são devidos aos neurotransmissores serotonina e dopamina (ou algum outro que eu não saiba. Não vou culpar meu cansaço pela minha ignorância), responsáveis por ativar as vias e centros relacionados ao prazer. Seria uma resposta adaptativa do corpo para “motivar” o pobre coitado correndo do leão há 4 horas e sem comer há 48 a seguir em frente ao invés de desmaiar por exaustão. Acho que o mesmo deve acontecer depois de muito tempo sem dormir (não é meu caso. Foram só 8 horas).

Bem, com licença. Vou dormir.




1. Ou hoje. Essa questão temporal fica bem bagunçada quando se vê o sol nascer e não se dorme.
2. Na verdade, desenhinhos cuticuti. Se cagando a pau, mas cuticuti ainda assim.
3. Mas anões se sovando é divertido, nonetheless.
4. Estou vendo gnomos agora.

Meu trabalho

Passei a noite em claro escrevendo este trabalho para o curso de Intervenção Social. Acho que cometi falhas que normalmente não cometeria, devido ao cansaço (que, aliás, nem é tão grande assim). Entretanto, acho que está bom o bastante para ser entregue. E mesmo que não estivesse, eu entregaria da mesma forma, por que não é uma disciplina, é só um curso, portanto o máximo que pode acontecer é eu não receber o certificado de participação. Enfim, gostaria de um feedback, se possível. E trabalho meu tem mais referência ao Maslow do que cerca tem chuchu.

Intervenção Social: Riscos, cuidados e possibilidades

Pode parecer redundante, ou até mesmo desnecessário para um trabalho final de curso, começar falando dos objetivos que foram perseguidos desde o começo até esta dissertação. “Intervenção Social: Promovendo protagonismo e bem-estar na juventude” é um título muito claro: buscamos, através de intervenções sociais, promover entre jovens (crianças e adolescentes) a prática de comportamentos assertivos, e que se alcance um bem-estar, seja físico ou psicológico, através de tais atos. Logo nas primeiras aulas, ficou claro que as referidas intervenções aconteceriam em um contexto bem diverso da universidade – em comunidades populares, com jovens provavelmente estigmatizados por sua classe social e cor de pele, e que alguns destes jovens talvez já tenham entrado em conflito com a lei. Os repertórios automáticos que nós, estudantes de graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul possuímos e aplicamos para as situações talvez não sejam apropriados neste meio ambiente. Para trabalhar em tal local e com estes jovens, é necessária uma atitude diferenciada e cuidadosa, tanto intrapessoal e teórica quanto interpessoal e prática.

Primeiramente, há que se considerar que são jovens. Mas o que isto significa? Pensando de forma objetiva, pode-se dizer que são jovens por que tem idades entre 10 e 16 anos, que isso significa que não são “senhores de si” perante a lei e que provavelmente são dependentes de alguém. Estas informações são úteis, e nos permitem observar a postura dominante em relação à juventude, de classificá-la segundo sua negatividade, o que ainda não chegou a ser: adulto, senhor de si, independente (Dayrell, 2003). Entretanto, elaborar um plano de intervenção social utilizando apenas estes dados como base teórica pode ser contraproducente, pois ao partir de dados que são comuns a maioria dos jovens brasileiros, deixa-se de lado as diferenças. Um garoto de 11 anos que mora em um bairro de baixa renda tem muito em comum com outro garoto da mesma idade que mora em um condomínio privado de classe média alta. Entretanto, as diferenças que existem entre os são provavelmente a parte mais importante de uma pesquisa em psicologia social. Relevá-las seria ignorar todo o contexto onde este menino foi criado, seu ambiente, sua cultura, seu espaço físico e seu tempo. Fazendo isto, corre-se o risco da intervenção ser mal-planejada, e de não conseguir apreender os modos pelos quais os jovens constroem suas experiências, fazendo com que todo o trabalho seja inutilizado.

Devido a limitação informativa dos dados quantitativos, os pesquisadores da área do desenvolvimento que lidam com intervenção social tem buscado metodologias mais qualitativas de pesquisa, que permitem a apreensão dos modos pelos quais as pessoas, no caso jovens, constroem suas experiências (Dayrell, 2003). Cada vez mais, a inserção ecológica (Cecconello & Koller, 2003) tem sido utilizada por pesquisadores que buscam uma maior inserção e compreensão dos contextos que estudam. O modelo bioecológico de Bronfenbrenner, que sustenta teoricamente a inserção ecológica, propõe que o desenvolvimento humano seja estudado através da interação de quatro núcleos inter-relacionados: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo. Neste modelo, o processo é destacado como o principal mecanismo responsável pelo desenvolvimento, que é visto através de processos de interação recíproca progressivamente mais complexa de um ser humano ativo, biopsicologicamente em evolução, com as pessoas, objetos e símbolos presentes no seu ambiente imediato (Bronfenbrenner & Ceci, 1994; citado por Cecconello & Koller, 2003), sendo um modelo eficiente para realização de pesquisas contextuais, pois permite a integração das muitas variáveis inter-relacionadas no desenvolvimento humano. A inserção ecológica, como método de pesquisa, consiste na inserção no ambiente ecológico a ser estudado, com o objetivo de conhecer sua realidade e investigar as variáveis que ali atuam. Visitas freqüentes, observações, conversas informais e entrevistas são todos métodos válidos de coleta de dados. O ponto forte desta metodologia é sua alta validade ecológica, decorrente desta análise rigorosa dos dados.

Também deve-se levar em consideração que não existe apenas uma juventude monolítica, mas muitas juventudes, diversas entre si (Dayrell, 2003). Em contextos de pobreza material, também é possível que o pesquisador, de sua posição de sujeito suposto saber, considere que os jovens com quem irá trabalhar sejam “pobres coitados” dignos de pena, ou que são incapazes de uma independência maior (e seria irônico se tal erro fosse cometido por alguém interessado em promover o protagonismo juvenil), criminosos sem esperança de recuperação, ou, utilizando-se de uma visão demasiada otimista, esqueça que o contexto em que ele intervém envolve os participantes de seu projeto em crimes, e que talvez alguns deles tenham entrado em contato com a lei.

O último fator teórico que deve ser abordado é o conceito de protagonismo. Ao nos voltarmos para a etmologia deste termo, verificamos que protagnistés era o nome dado ao ator principal do teatro grego, ou aquele que ocupava o lugar principal em um acontecimento (Ferreti; Zibas; Tartuce, 2004). Com base nestas informações, podemos supor que uma intervenção que objetiva incentivar o protagonismo juvenil busca, em última análise, incentivar que os jovens apropriem-se e que sejam os personagens principais de seu próprio desenvolvimento. Este processo aconteceria nos diversos microssistemas em que o jovem vive, seja na família, na escola ou qualquer outro grupo social. Correndo o risco de dizer o óbvio, se há programas que visam estimular os jovens a serem assertivos, a tomarem em suas próprias mãos o seu crescimento, é razoável supor que eles não fazem isto naturalmente, pelo menos nas condições de vida próprias de seu contexto. Acredito que, se quem estiver fazendo esta intervenção não for sensível para as demandas das crianças e dos adolescentes envolvidos, o que acontecerá será a criação de uma nova relação de dependência do jovem, só que ao invés de ser dependente dos pais, dos professores ou do grupo de amigos, será dependente do programa ou do interventor.

Por fim, tal e qual um bom psicoterapeuta, o interventor deve sempre partir do pressuposto que o jovem tem um potencial para o crescimento saudável, mas não deve esquecer-se que a possibilidade de patologia e violência são reais (Maslow, 1968). Sem esta visão realista e crítica, todo o trabalho pode ser em vão.


Referências:
Cecconello, A. M. & Koller, S. H. (2003). Inserção ecológica na comunidade: uma proposta metodológica para o estudo de famílias em situação de risco. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(3), 515-524.

Dayrell, J. (2003). O Jovem como Sujeito Social. Revista Brasileira de Educação, No 24, 40-52.

Ferreti, C.J.; Zibas, D.M.L; Tartuce, G.L.B.P. (2004). Protagonismo Juvenil na Literatura Especializada e na Reforma do Ensino Médio. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 122, p. 411-423

Maslow, A.H. (1968) Introdução à Psicologia do Ser (2ª Edição). Rio de Janeiro: Eldorado.

Melhores Músicas da História II

Hard Luck Woman - KISS

If never I met you
Id never have seen you cry
If not for our first hello
Wed never have to say goodbye
If never I held you
My feelins would never show
Its time I start walkin
But theres so much youll never know

I keep telling you hard luck woman
You aint a hard luck woman

Rags, the sailors only daughter
A child of the water
Too proud to be a queen

Rags, I really love you
I cant forget about you
Youll be a hard luck woman
Baby, till you find your man

Before I go let me kiss you
And wipe the tears from your eyes
I dont wanna hurt you, girl
You know I could never lie

I keep telling you hard luck woman
You aint a hard luck woman
Youll be a hard luck woman
Baby, till you find your man

Rags, the sailors only daughter
A child of the water
Too proud to be a queen

Rags, I really love you
I cant forget about you
Youll be a hard luck woman
Baby, till you find your man
Youll be a hard luck woman
Baby, till you find your man

Oh yeah, bye bye, so long, dont cry
Im just packin my bags, whoo, leavin you
Bye bye, bye bye, bye bye, baby, dont cry
I gotta keep on movin, yeah movin
Bye, bye my baby
Ooh, dont cry, lady, oh
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A música é boa, apesar da única coisa que apareça no vídeo seja as caras pintadas dos velhos do KISS. Mas eles cantam pra caralho.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Eu e as Neurociências

Se aplicarmos um teste de associação de palavras para uma pessoa qualquer, e o termo “Psicologia” aparecer, a resposta muito provavelmente será “Freud”, ou algo relacionado com um teórico clínico relativamente famoso.

Freud tornou-se famoso e importante por que, em sua época, a Psicologia e a Psiquiatria eram ciências com pressupostos epistemológicos e experimentais muito frágeis, e a prática de pesquisa consistia basicamente em observações e entrevistas – havia tentativas de pesquisas neuropsicológicas, tentando associar comportamentos com características fisiológicas, como a frenologia, mas pouco progresso se obteve por esta via.

Na época de Freud, devido a esta fragilidade científica, para que se obtivesse algum progresso, era necessário que algumas pessoas, baseadas em seus insights, formulassem teorias sobre o comportamento humano e as testassem, para ver se eram verdadeiras ou não. Como os métodos para verificar se as teorias eram falsas ou verdadeiras(1) naquela época não eram lá tão eficazes, muitas teorias opostas conviviam como igualmente corretas. Isso ocorre em menor grau até hoje(2), e explica em parte por que até hoje ainda estudamos a teoria freudiana clássica e outras similares.

Porém, mais de 100 anos após o nascimento da Psicanálise, a situação é bem diferente. Com os progressos das ciências, seja da Física, da Química, da Matemática, seja da Psicologia, da Farmácia e da Medicina, hoje existem métodos de pesquisa muito mais eficientes, e que produzem conhecimentos relevantes(3) de forma cada vez mais acelerada, para áreas distintas como psicoterapia, lingüística, políticas públicas e ciência básica(4). A intersecção destas disciplinas chama-se comumente de Neurociências.

Temos na faculdade pelo menos duas disciplinas sobre Neurociências logo nos dois primeiros semestres: Neuroanatomia Funcional Aplicada à Psicologia, e Fisiologia Geral Aplicada à Psicologia. Sinceramente, foi horror à primeira vista, pois não entendia nada do que os professores diziam, e quando estudava em casa, não era capaz de memorizar nenhum dos termos que lia (Córtex Órbito-frontal? Quem lembra de um nome desses na hora da prova?). Entretanto, no final da cadeira de Fisiologia, quando realmente vimos as relações entre o cérebro e os órgãos internos com os comportamentos humanos, percebi como o assunto era fascinante.

Meus conhecimentos do assunto ainda são bem rudimentares (não sei o que o Córtex Órbito-frontal faz), mas estou lendo o que posso da maneira que consigo sobre o assunto. Digo da maneira que consigo por que, como não tenho mais nenhuma cadeira para tirar notas boas, não preciso me forçar a entender o assunto, então, leio com calma, não entendo nada, mas vou lendo outros textos sobre o mesmo assunto, até que uma hora eu me sinta confortável o bastante para dizer que entendo.

Tenho um acesso relativamente fácil aos livros deste assunto. O Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS mantém um curso de pós-graduação em Neurociências, e no Instituto de Psicologia temos o Laboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento (LPNeC), e já tive aula com professores destes dois órgãos acadêmicos (que estão intimamente ligados).

Porém, encontro alguns obstáculos significativos no estudo destas disciplinas. O primeiro é a falta de tempo livre para ler livros que não os que tenho que ler para a faculdade. O segundo é a tacanhice de muitos de meus professores, que preferem que estudemos teorias do século XIX (uma professora nossa diz que nós fazemos faculdade de História da Psicologia. A Psicologia atual a gente estuda depois de formado, trabalhando ou fazendo pós-graduação). As duas estão intimamente ligadas, pois se nos fossem dadas mais disciplinas neurocientíficas, não precisaria ficar fazendo tempo para ler sobre o assunto. Não é, na minha humilde opinião, a situação ideal, já que, apesar de ler sobre um assunto interessante, eu seria obrigado a ler o que o professor quer, e não o que eu quero, mas seria um pequeno progresso. O problema maior vem de outro lado, da política intrainstitucional da faculdade. Há dois ou três anos, quando decidiu-se reformar o currículo do curso de graduação em Psicologia, os professores foram convidados a apresentarem projetos para a nova estrutura curricular. Dois professores apresentaram um projeto que mudaria radicalmente a forma como as aulas seriam dadas para nós: as aulas presenciais seriam cortadas pela metade, teríamos tempo abundante para estudar por conta própria e não existiriam “disciplinas” propriamente ditas – teríamos tópicos para pesquisar a respeito, e contaríamos com a ajuda dos professores para tanto. Mas como isso seria bom demais para ser verdade, os professores que idealizaram este modelo pertencem ao Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e Personalidade, e os professores dos outros departamentos, junto com os estudantes envolvidos no processo, vetaram esta idéia logo de cara. Como eu sei disso, e por que mataram uma idéia tão boa logo em sua concepção? Bem, conversei com um dos estudantes envolvidos. Segundo ele, o Desenvolvimento tem uma política de cooptação de graduandos tremenda, e que eles teriam mais poder de fogo ainda com este esquema. Isso é verdade? Infelizmente sim. Mas, para ser franco, todos os três departamentos do Instituto fazem isso – o Desenvolvimento é apenas o mais descarado. Os outros dois apenas fingem (mal e parcamente) que isso é eticamente errado, mas tentam cooptar estudantes pelegos para suas pesquisas igualmente. O cara que me contou isso está convicto de que fez o melhor para o curso – se mais alunos fossem para o lado do Desenvolvimento, haveria um desequilíbrio de forças dentro da unidade orgânica. Fico me perguntando se haveria mesmo. E se isso viesse a acontecer, por que os outros departamentos se importariam tanto? Talvez por que gostariam de que eles monopolizassem o Instituto (alguns professores já deixaram isso claro para nós), e preferiram manter-se presos ao passado, tentar fazer o galo parar de cantar do que correr o risco de perder poder. Mais uma vez, a política atrapalhou a ciência.

Mas, pelo o que sei, a história não parou por aí, já que os dois professores que falei continuaram envolvidos na reforma curricular. Um deles, meu amigo falou, só encheu o saco e barrou de todas as maneiras possíveis os trabalhos. O outro, pelo que percebo de suas atitudes, tentou salvar o que podia do projeto original. Propôs que as aulas presenciais ainda fossem reduzidas, e que mais tempo de biblioteca fosse disponibilizado, mas foi em vão. William James já falava sobre isso. Quando uma pessoa lhe falou sobre uma proposta de substituir as palestras na Escola de Medicina(5) por um “sistema de análise de casos”, ele disse: “Acho que você está inteiramente certo, mas seu sábio professor se rebelará. Ele sem dúvida prefere sentar-se e ouvir sua própria voz maravilhosa a guiar as inseguras mentes dos estudantes”. Dando um salto imaginativo não muito longo, aposto que foi isso que aconteceu aqui na gloriosa Universidade Federal do Rio Grande do Sul: a maioria dos professores prefere ficar se exibindo na frente da sala de aula, e a idéia de perder seu palco e seu publico cativo é aterrorizadora, e para que tal crime não seja cometido, dizem que “pelo bem dos estudantes” deve-se continuar dando horas intermináveis de aulas presenciais.

Mas devo dar o braço a torcer para estes professores: eles são bons no que fazem, pois conseguiram convencer quase todos os graduandos de Psicologia não só de que estão certos, mas que o departamento de Desenvolvimento e tudo o que fazem é coisa do “demônio” (que é comodamente chamado de “Lombroso”, considerando que luminares sapientíssimos como eles sabem que nem Deus nem o diabo existem). E as Neurociências em especial são o tridente do cramunhão para eles, por representarem um “retorno” à práticas de extermínio debaixo de uma roupagem moderna. Alguém lembra de uma certa nota de repúdio? E os professores conseguem fazer tudo isso sem perder a pose de tolerantes e progressistas. Fantástico.

Sinto que fugi um pouco do assunto, pois cai na enredada situação política da minha faculdade, que ligeiramente toca as Neurociências (não vai ser por causa dos meus professores que todas as máquinas de PET Scan do mundo vão ser destruídas). Mas o título desse post é “Eu e as Neurociências”, e estou diretamente implicado neste rolo que relatei. Portanto, tem tudo a ver com o post.

Sinto que as Neurociências, apesar da tacanhice de alguns, tem muito o que oferecer para a Psicologia. Ao contrário do que muitos temem, dificilmente a ressonância magnética irá substituir a psicoterapia – pois nada nunca irá substituir as relações humanas, nem a Psicologia se tornará uma “neurologia de segunda mão”. Como disse anteriormente, acredito que teremos cada vez mais Neurociências no currículo de Psicologia, mas este assunto não substituirá, apenas complementará e tornará mais rico o que aprendemos na faculdade. Acho que Freud aprovaria isto.






1. Relevem o “verdadeiro”, estudantes de Epistemologia e solipsistas.
2. Não é necessariamente negativo ou contraproducente. Bem pelo contrário, acredito que quando mais teorias diversas, maior número de pesquisas sobre assuntos diversos são realizadas, e maior progresso se alcança.
3. Em sua maioria. Não subestimem a capacidade dos cientistas de pesquisarem bobagens. Nunca.
4. Na visão tradicional de ciência, a pesquisa em ciência básica não tem um foco específico: pesquisa-se sobre um assunto por que pouco se sabe a seu respeito, não por que seja necessário fazer uma intervenção. Pesquisas em ciência aplicada, por outro lado, focam-se em problemas específicos, com o intuito de resolvê-los. A ciência básica fundamenta a ciência aplicada, e esta dá idéias de pesquisa para a primeira. Na realidade, não é bem assim que funciona, pois a coisa é muito mais complexa. Falarei disso outra hora (se me der na telha).
5. Lembre-se que a formação de William James foi toda na área da Medicina, já que em sua época não existiam departamentos de Psicologia nas universidades dos Estados Unidos.

Eu posso sonhar, né?

Eu devia ganhar créditos complementares por este blog.

Primeiros Erros

Encontro-me sentado defronte ao computador, lendo artigos que pouco me interessam, do curso de extensão em Intervenção Social em que de bom grado me inscrevi (era de graça). Estou lendo os artigos por que preciso fazer uma resenha, dissertação ou coisa do gênero de três a cinco páginas sobre pelo menos três artigos, e por mais que leia, nada entra em minha mente. E é para amanhã.

Inscrevi-me neste maldito curso na esperança de aprender mais sobre Psicologia Positiva, que constava como um dos assuntos a serem vistos na súmula. Realmente, tivemos uma aula de Psicologia Positiva, mas foi tão superficial que eu poderia ter dado uma aula melhor, sem necessidade de fazer mestrado e doutorado.

Tinha o resto do assunto, mas é muito chato, e as discussões a respeito dele foram, até o momento, igualmente maçantes. Talvez elas foram boas para os outros participantes, mas para mim não passaram de amontoados de lugares comuns e expressões indignadas sobre a situação social no Brasil (palmas para a mulher que comentou sobre o caso Isabella, dizendo que, para ela, a única solução era “matando”. Ainda bem que ela não é ministra da segurança). E a experiência me diz que amanhã a coisa vai ser pior ainda, pois serão as apresentações dos trabalhos dos alunos.

O que eu não faço por créditos complementares. Quem dera eu tivesse sido mais sábio, e tivesse me inscrito no curso de extensão que outros colegas meus estão fazendo, que é só assistir filminho e debater depois. Naturalmente eu me esquivaria dos debates, mas isso são outros quinhentos.

Constatações

Cada artigo científico que leio sedimenta minha crença de que a Academia é o penúltimo refúgio para aqueles que não sabem escrever direito.

O último refúgio é a poesia.

A Vontade para Acreditar

Em uma pesquisa realizada por cientistas do Instituto Max Planck, na Alemanha, foi constatado que muitas das decisões atribuídas ao livre arbítrio podem ser formadas vários segundos antes de o cérebro tomar consciência delas. No teste, elaborado por cientistas do Instituto Max Planck para Cognição Humana e Ciências Cerebrais, de Leipzig (Alemanha), pessoas tinham de decidir livremente por apertar um de dois botões em um controle. Ao mesmo tempo ficavam olhando uma seqüência de letras projetada numa tela, que não deveria influir na decisão. Os voluntários tinham apenas de dizer que letra estavam observando quando finalmente decidiam qual botão apertar. Comparando o momento em que as pessoas se diziam conscientes de suas decisões com padrões de atividade cerebral registrados no aparelho de ressonância magnética, os cientistas tiraram sua conclusão.

Fiquei pensando bastante a respeito desta pesquisa. O ser humano sempre se perguntou se ele seria livre, ou se suas ações fossem pré-determinadas por causas outras, sendo sua tomada de decisão mera ilusão. Será esta pesquisa a resposta definitiva para a questão? Acredito que não, pois que sua metodologia é bem questionável. Por exemplo, não é possível generalizar as conclusões desta pesquisa para comportamentos mais complexos, como o estilo de vida adotado, posto que o comportamento medido pode facilmente cair em um automatismo. Entretanto, não há nenhuma pesquisa que realmente confirme a existência da Vontade. Há munição dos dois lados do debate, experimentos solidamente desenvolvidos mas todos igualmente inconclusivos.

Fico então pensando se a auto-determinação não passar de um mito. Toda a história, todas as invenções, todas as vidas, todos os amores e ódios que existiram, todas as baladas heróicas, toda a humanidade: qual seria o sentido de tudo? Seria tudo mero efeito colateral de reações neuroquímicas extremamente bem sucedidas, que foram capazes de ditar o rumo da raça humana como a mais poderosa sob a face da Terra. Tudo é perfeitamente explicado, mas se não podemos decidir como vivemos, por que questionamos se realmente escolhemos? E por que nos sentimos indignados ou tristes quando nos dizem esta dura verdade, que não somos senhores de nós mesmos?

Da mesma forma que Viktor Frankl não viveu em função de seus mecanismos de defesa e reações de oxidação, não vivo em função de minhas sinapses e neurotransmissões. Pode ser que eu seja um autômato, movendo-se de forma errática e previsível pelo mundo, mas escolho acreditar que dentro de mim, há uma pequena centelha de fogo divino, de brilho fugaz, facilmente dominada pelo hábito e pelas pressões do mundo, mas sempre capaz de vencer no final, e que eu posso escolher meu destino.

Para não dizer que não falei de blogues

Mais uma vez, quebrei o recorde de negligência blogueira: 9 dias sem atualizações.

Justifico meu comportamento, pois estes nove dias foram bastante cheios de tarefas por fazer. Aliás, ainda tenho muito o que fazer. Tentarei, entretanto, equilibrar as atualizações com minhas tarefas cotidianas.

É um equilíbrio bem delicado.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

As Provações da Faculdade VI

Acabei de terminar o relatório de Processos Grupais. Isso quer dizer que por uma semana não terei que me preocupar com escrever relatórios. Ah sim, a próxima observação de grupo é amanhã.

Fiquei satisfeito com o trabalho que fiz, de um modo geral. Entretanto, fico com a sensação de que algo está faltando, que deveria ter posto mais alguma coisa. Como sempre tenho essa sensação, mesmo antes de publicar alguma coisa aqui no blog, geralmente ignoro-a.

Como já disse, fiquei satisfeito com o relatório. Consegui, partindo dos fragmentos que anotei durante a observação, tecer uma trama coerente, e identifiquei padrões grupais observando apenas indivíduos. Não pretendo falar muito aqui sobre o grupo que observo, pois prometi o mais absoluto sigilo sobre as reuniões (fora do relatório, não posso dizer nada do que aconteceu lá. Não, não estou observando maçons e não, ninguém comeu a minha bunda). Entretanto, sinto-me receoso de não ser tão bem avaliado neste trabalho por que eu não me ative aos autores preferidos do professor.

Pelo o que entendi das aulas, e pelo o que os meus veteranos que já fizeram essa cadeira dizem, o professor quer que nos pautemos nas observações pelos autores dele (Lacolla, Lapassade, Bion, Pichon-Riviere), e, caso consigamos, podemos encaixar alguma coisa de um outro teórico que nos agrade, mas de preferência isso deve ser secundário.

O fato pelo qual meu relatório me agradou foi por ter sido coerente, tanto internamente quanto em relação a mim. Usei Lacolla e Bion como referência, além de um texto escrito pelo próprio professor, mas pautei-me principalmente por teóricos existencialistas, como Frankl e Maslow. Além disso, utilizei-me da filosofia e um pouco de teologia, citando epicuristas, filosofia budista e fazendo uma certa comparação de uma situação do encontro com a parábola do filho pródigo. Estas teorias que utilizei tem uma coisa em comum: são individualistas, ou em palavras mais exatas, focam-se mais em comportamentos individuais do que grupais. Consegui transformar os retalhos individuais em um trançado coerente do ponto de vista do grupo, e pessoalmente, achei isso bem legal. Mas não sei se o professor e os monitores irão gostar disso.

Um veterano meu disse que, em um relatório, ele fez uma análise dos fatos através da teoria de Foucault. Segundo ele ficou bem bacana. Mas o máximo que o monitor corrigindo fez foi notar que ele usou um teórico diferente. Como se apontasse um detalhe no bolso do meu casaco (como uma sujeira). De preferência, temos que usar aqueles autores, e quanto menos usarmos outros, melhor.

Uma outra veterana, incapaz ou pouco disposta a usar Lacolla para analisar por que Fulano coçou o nariz na hora que coçou, preferiu fazer uma análise behaviorista dos fatos. Tomou um D como nota final e repetiu. Devo admitir que corro o mesmo risco.

Fazer isso é o equivalente a uma castração intelectual - e por mais que os lacanianos ressaltem a importância da castração pelo pai da relação mãe e filho, ser obrigado a pensar como meu professor pensa não é nem produtivo, e nem muito menos bom. Claro, pode ter alguém que goste das teorias utilizadas (os monitores pelegos, por exemplo), mas isso não é válido para todos (minha veterana com certeza, e eu talvez). Tomar a atitude que o professor toma nessa aula equivale a dizer "vocês podem seguir qualquer teoria, desde que seja a mesma que a minha". Mas não deixa de ser hilário que são justamente os professores que mais criticam Henry Ford os que mais o imitam.


E eu não vou nem entrar no mérito do tempo que eu perco fazendo relatórios em que eu poderia estar lendo.

As Provações da Faculdade V

Quase acabando. Falta só fazer a síntese do relatório (a parte que o professor lê. O resto ele deixa pros monitores pelegos). Até já consegui encaixar uma citação "teacher-friendly"!

terça-feira, 15 de abril de 2008

As Provações da Faculdade IV

E recomeça o sofrimento.

As Provações da Faculdade III

All work and no play makes Sam a dull boy
All work and no play makes Sam a dull boy
All work and no play makes Sam a dull boy
All work and no play makes Sam a dull boy
All work and no play makes Sam a dull boy

segunda-feira, 14 de abril de 2008

As Provações da Faculdade II

Hoje eu só vou dormir depois de ter terminado o relatório. E tenho dito.

As Provações da Faculdade

Neste momento, estou escrevendo uma quantidade absurda de texto no meu relatório de Processos Grupais. Quero ver eu transformar esse amontoado de palavras em algo coerente.

domingo, 13 de abril de 2008

A História que não nos contam

Na escola, vemos um monte de História. Eu não tinha problemas com isso, já que História era minha matéria preferida, e eu ia muito bem nas provas e trabalhos. Mas a matéria que aprendíamos era, e ainda é, muito incompleta. Apesar de vivermos na América do Sul, quase nada vemos a respeito da história do nosso continente. Já sobre a Europa, vemos desde a pré-história até os dias modernos, de forma quase ininterrupta.

Quando eu estava no Ensino Fundamental, não ligava muito para isso, já que estava plenamente contente em ver a história do Império Romano ao invés do Império Maia, pois qualquer coisa estava boa para mim. No Ensino Médio, não me lembro de estar descontente com o conteúdo dado. Mas hoje sinto uma certa tristeza por não ter aprendido tanto quanto gostaria sobre os povos americanos de antigamente. Sinto-me triste não por que não posso mais estudar (a Wikipédia está aí para isso), mas por que grande parte do que os astecas, toltecas, olmecas, maias, incas, guaranis, apaches e outros povos que habitaram as Américas tinham para dizer foi perdido na colonização européia, por descuido ou preconceito.

E isso é uma pena. Os astecas desenvolveram um sistema filosófico que poderia ser comparado ao da Grécia Antiga de Platão e Aristóteles, e foram arquitetos tão habilidosos quanto os antigos egípcios. Sua mitologia é rica e cheia de símbolos, imagens e histórias. Não é possível estimar quanto disso tudo foi perdido, mas é bastante triste.

Admiro a cultura européia, mas ela está viva ainda hoje, e pode-se dizer que domina o mundo (já que os Estados Unidos, maior potência atual, é predominantemente de cultura européia). Nada foi perdido, ou pelo menos quase nada.

Comecei a pensar a respeito da cultura pré-colonial das Américas por dois motivos. O primeiro e mais visível deles é o webcomic Lords of Death and Life, que conta a história de um maia em sua jornada através do complexo mundo que era o seu mundo. Um mundo de impérios poderosos, cidades construídas através das trocas mercantis e três mil anos de história escrita, mas onde nem a roda existia. O segundo, mais teórico, é relacionado com a Psicologia. Por não pertencerem à família indo-européia, os povos americanos originais teriam origens diferenciadas, e portanto, suas estruturas de valores e da mitologia seriam muito distintas da européia e asiática. Conhecer mais profundamente estas estruturas permitiria descobrir se os mesmos valores identificados no resto do mundo pelos psicólogos positivos e compilados no livro “Character Strengths and Virtues: A Handbook and Classification” são também válidos nas culturas pré-colombianas. Além disso, seria possível comparar as histórias mitológicas, e buscar alguma semelhança fundamental (ou diferença) com as mitologias européias, asiáticas, africanas e aborígines, e aprofundar a teoria de Jung sobre os arquétipos ou refutá-la de vez.

Psicoterapia para todos

Como disse em um post anterior, bons psicoterapeutas empregam práticas durante o tratamento de seus pacientes, não importa sua vinculação teórica, e que estas “estratégias profundas” são utilizadas por pessoas comuns, mas com uma maior sensibilidade em suas vidas cotidianas. E que, muitas vezes, psicólogos tornam-se bons clínicos apesar da teoria que seguem, quando não se tornam clínicos ruins por aterem-se demais à ela. Foi provavelmente isso que levou Carl Rogers a dizer que seria mais proveitoso selecionar terapeutas ao invés de treiná-los. Neste post não pretendo falar mais a respeito da Psicologia Positiva, mas com sua ajuda teórica e prática, falar a respeito de um assunto que venho pensando a respeito faz um bom tempo.

Em uma reportagem do New York Times, foi mostrado um caso na Índia em que pessoas sem formação anterior em psicoterapia são educadas para identificar sintomas e indicadores de transtorno depressivo maior e transtorno de ansiedade em outros e em si mesmo. As formas como estas doenças se manifestam em países ocidentais e orientais é bastante diferente, especialmente no caso da depressão. Apesar das diferenças óbvias que existem entre países ocidentais e orientais na forma de expressar sentimentos (o que influencia a sintomatologia destas doenças nas duas culturas), o caso da Índia é excelente exemplo de política pública a ser implantada no Brasil. Aqui, os detentores do conhecimento de cura são os psiquiatras e psicólogos, que foram devidamente treinados para reconhecer indícios de que alguém padece de um transtorno mental. Mas não existem tantos psiquiatras por aí, e apesar de ter psicólogo se formando a bangu por aí, eles não são onipresentes e oniscientes, e muitas pessoas que sofrem neste exato momento por uma condição que poderia ser tratada não são diagnosticadas, e continuam sofrendo. Por que as faculdades de psicologia ao redor do Brasil e do mundo não seguem o exemplo deste psiquiatra de Goa, e oferecem cursos rápidos de capacitação em identificação de transtornos mentais como a depressão, a ansiedade e outros transtornos de humor e afeto?

Poderíamos começar modestamente e capacitar pessoas que lidam diretamente com o sofrimento alheio. Penso especificamente em líderes de congregações religiosas, como padres, que frequentemente são abordados por seus irmãos de fé em busca de conselhos e orientação. Padres católicos fazem isso com freqüência maior do que outros sacerdotes, por causa de sua obrigação de tomar confissões de qualquer um que entrar em sua paróquia. Além disso, acredito que pessoas que seguem a vida religiosa são em geral mais compassivas, e que seu posicionamento estratégico em comunidades beneficiaria muitos outros (a título de curiosidade, Rogers foi seminarista antes de entrar para a faculdade).

Por ser uma capacitação breve, não seria ensinado muita coisa, até por que existem pessoas que fazem faculdade especialmente para aprendê-las. Se fosse montar um currículo para um curso desses, daria rudimentos de diagnóstico ateórico, baseado no DSM, algumas técnicas e um pouco de teoria de Terapia Cognitivo-Comportamental e Logoterapia, além de um pouco de Psicologia Positiva. Seria superficial, mas seria o suficiente para melhorar a vida de quem está deprimido, ou pelo menos de conduzi-los a um psicoterapeuta. Além disso, as referências seriam fornecidas, permitindo aos interessados em se aprofundar no conteúdo buscar mais leituras e orientação.

Dependendo dos resultados obtidos, poderia se transformar o projeto temporário em algo mais definitivo, voltado para a população em geral.

Viktor Frankl, criador da Logoterapia, buscava tornar sua teoria mais conhecida e abrangente, de forma que mesmo leigos pudessem utilizá-la em suas vidas, tornando-as mais saudáveis e significativas. Entre os princípios da Terapia Cognitivo-Comportamental, está a psicoeducação do paciente a respeito de seu transtorno e do tratamento cognitivo, da mesma forma que projetos que poderiam ser considerados como parte do movimento da Psicologia Positiva tentam promover educação emocional e social em lugares chave, como escolas primárias. O problema metodológico mais óbvio de um experimento como esse seria a mensuração de sua eficiência: como é que eu vou saber se treinar os padres é mais eficiente que treinar as velhas carolas que vão colocar dinheiro na caixinha do altar, ou se não vale a pena perder tempo com isso? Afinal, dificilmente os beneficiados por este projeto vão se manifestar (seja por vergonha ou por não fazerem a menor idéia de tal experimento). Poderia se instruir o líder religioso a pedir feedback aos seus irmãos de fé, após dar-lhes conselhos, mas esta pode ser uma prática altamente reativa, e que poderia influenciar no resultado do experimento.

Em todo caso, é uma medida simples, mais barata do que 5 anos de faculdade de Psicologia (e 10 de faculdade de Medicina e residência em Psiquiatria), mais abrangente e que possibilitaria uma melhora na qualidade de vida de muitas pessoas. Vale a pena pôr em prática.

Melhores Músicas da História

Um pequeno combo com o post anterior. Vale a pena ouvir, apesar do vídeo ser só uma escadaria para o Céu.

Melhores Músicas da História

Stairway To Heaven
Led Zeppelin


There's a lady who's sure all that glitters is gold
And she's buying a stairway to heaven
When she gets there she knows if the stores are all closed
With a word she can get what she came for

Oooh... And she's buying a stairway to heaven

There's a sign on the wall but she wants to be sure
'Cause you know sometimes words have two meanings
In a tree by the brook there's a songbird who sings
Sometimes all of our thoughts are misgiven

Oooh… It makes me wonder
Oooh… It makes me wonder

There's a feeling I get when I look to the west
And my spirit is crying for leaving
In my thoughts I have seen rings of smoke through the trees
And the voices of those who stand looking

Oooh…It makes me wonder
Oooh…And it makes me wonder

And it's whispered that soon, if we all called the tune
Then the piper will lead us to reason
And a new day will dawn for those who stand long
And the forest will echo with laughter

Woe woe woe woe woe oh...

If there's a bustle in your hedgerow
Don't be alarmed now
It's just the spring clean for the May Queen
Yes there are two paths you can go by
but in the long run
There's still time to change the road you're on

And it makes me wonder…
ohhh ooh woe...

Your head is humming and it won't go – in case you don't know
The piper's calling you to join him
Dear lady can you hear the wind blow and did you know
Your stairway lies on the whispering wind

And as we wind on down the road
Our shadows taller than our souls
There walks a lady we all know
Who shines white light and wants to show
How everything still turns to gold
And if you listen very hard
The tune will come to you at last
When all are one and one is all, yeah
To be a rock and not to roll

Oooh...!And she's buying a stairway to heaven...

A Missão da Psicologia

Carl Rogers, o primeiro psicólogo de formação a formular uma teoria psicoterápica e brilhante expoente da Psicologia Humanista, dizia que seria muito mais produtivo e econômico pararmos de treinar psicoterapeutas e nos focarmos em identificá-los. Estaria Rogers sendo determinista, declarando que é inútil treinarmos pessoas que não nasceram terapeutas? Qualquer um que tenha lido algo escrito por ele dirá que não. O que Rogers quis dizer com isso é que a formação psicoterápica (pelo menos de seu tempo) era falha, e que bons psicólogos e psiquiatras clínicos eram bons apesar de seu treinamento, e graças aos seus talentos pessoais. Esta crença foi corroborada por pesquisas realizadas muito tempo depois de Rogers ter partido, em especial a análise feita por Martin Seligman baseado nos dados coletados pela revista Consumer Reports. Basicamente, os dados revelavam que não havia diferença palpável entre as escolas de terapia utilizadas. Ademais, a maioria dos psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais depois contatados definiram-se como sendo “ecléticos”, ao invés de presos por juramento a uma teoria específica. Com base nestes dados, podemos pensar que as teorias atuais de psicologia e psiquiatria diferem apenas em um nível muito superficial, e que todas sustentam-se sob uma base comum – coisas que todo bom psicoterapeuta faz em terapia, independente de sua filiação intelectual. Esses hábitos mais profundos são senso comum entre bons clínicos, mas não o é entre muitos professores universitários, que, pressionados pelo clima de guerra intelectual, focam-se em diferenças epistemológicas e ontológicas bobocas uns contra os outros, e que na melhor das hipóteses esquecem de ensinar o óbvio, e na pior, as abominam e repreendem estudantes que as buscam ou praticam (o que, mais uma vez, mostra que selecionar psicoterapeutas talvez fosse melhor do que treiná-los).

Mas o que são essas boas práticas comuns para os bons clínicos, que escapam a visão mais ampla dos acadêmicos? Coisas absolutamente bobas, que qualquer pessoa de bom coração já faz: demonstrar empatia, escutar com atenção, construir relações de confiança e honestidade, e reforçar as qualidades dos pacientes. Martin Seligman chama estas práticas “estratégias profundas”. Pode parecer bobice isso que eu disse, mas mais bobice ainda é o fato de que, por mais necessárias que estas qualidades sejam para um bom psicoterapeuta, os professores dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia as ignorem. Por que isso acontece? Basicamente, quando a Psicologia foi estabelecida como ciência da saúde, depois da Segunda Guerra Mundial, ela adotou o modelo médico-psiquiátrico de clínica e pesquisa – procure uma doença, encontre e cure. Este modelo funciona muito bem para doenças mais palpáveis, como cardiopatias e dores musculares, mas não é tão eficaz com os elusivos problemas do ramo da psicopatologia. Eu posso identificar a etiologia de um infarto (fumo, bebida, sedentarismo, propensão genética), mas eu posso fazer o mesmo com a depressão? O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) da American Psychiatric Association mostra que isso não é possível ainda, já que limita-se a descrever a sintomatologia. Esta lacuna dá espaço para muitas teorizações diversas e frequentemente conflitantes, o que permite que não exista contradição para um estudante de Psicologia ter na faculdade aulas de neurofisiologia, psicanálise lacaniana e análise experimental do comportamento. E aqui, volto para o problema das guerras teóricas entre acadêmicos, completando um ciclo.

Mas por que o modelo médico-psiquiátrico não obteve os mesmos progressos que obteve na cardiologia no campo da psicologia? Pega o DSM e lê algumas páginas. Além de ser surpreendentemente hilariante (como no caso do Transtorno de Pica), é possível perceber um padrão claro no que lá está escrito. Sendo meio ingênuo, só tem coisa ruim. O DSM é um manual incrivelmente útil e um progresso na prática diagnóstica, mas é severamente limitado por focar-se apenas em consertar o que está quebrado ao invés de fortalecer o que há de bom. E é esta a tese que Martin Seligman, ex-presidente da American Psychological Association e um dos precursores do movimento da Psicologia Positiva propõe. Segundo ele, e muitos outros pesquisadores importantes, a Psicologia obteve progressos consideráveis utilizando-se do modelo patológico (encontre o problema e o conserte), tanto que hoje em dia é possível atenuar enormemente os problemas de 14 transtornos mentais. Entretanto, esse modelo por si só está esgotado. A Psicologia tinha três missões antes da Segunda Guerra: curar as doenças mentais, fazer as vidas das pessoas mais felizes e estimular as habilidades de gênios e prodígios. Entretanto, pela doença ter se tornado o problema mais urgente naquela época, e o dinheiro de financiamento para pesquisas ter ido todo para quem buscava consertar doenças mentais, as outras duas foram sumariamente negligenciadas. Entretanto, os clínicos continuaram tacitamente a cultivar as virtudes dos pacientes, apesar de não o perceberem (ou aprovarem conscientemente tais práticas). O exemplo mais óbvio disto vem do próprio Freud. Em 1892, ele tratou e curou Elisabeth von R., uma jovem histérica que apaixonara-se pelo viúvo de sua irmã, e que por isso desenvolveu um problema psicogênico para caminhar. Freud originalmente concluiu que o êxito do tratamento devia-se a sua técnica psicanalítica, mas ao revisar suas anotações sobre o caso, percebeu que suas técnicas terapêuticas nada adicionaram de relevante ao tratamento, o que o levou a concluir que foi um “milagre”. Entretanto, se lermos o caso todo (como Irvin Yalom), veremos que Freud não se limitou ao seu consultório: falou com a mãe da paciente para que esta desse apoio emocional para a filha, constantemente tranqüilizou a paciente de que ela não era uma imoral, bem pelo contrário, que só uma pessoa muito honrada e nobre poderia sentir-se culpada por seus pensamentos, e quando Elisabeth estava curada, Freud foi vê-la dançar em um baile. O brilhante pai da psicanálise fez tudo o que um bom terapeuta faria: estabeleceu uma relação de confiança e honestidade com a paciente, foi um bom ouvinte e fortaleceu o que havia de bom em Elisabeth. Mas apesar de seu sucesso, ele foi incapaz de perceber a mágica que fizera, e preferiu ir chafurdar em sua nihilsta teoria da psicodinâmica e do Complexo de Édipo.

Durante quase todo o século XX, a Psicologia tentou imitar a Medicina, e deixou de lado as qualidades humanas, com as notáveis exceções dos psicólogos humanistas Carl Rogers, Abraham Maslow e William James, homens notáveis que cometeram o erro de nascerem em épocas em que suas teorias positivas a respeito da natureza humana não seriam valorizadas, preteridas em benefício de outras, que consideram as pessoas amontoados de emoções negativas e falsidade, ou o tracinho entre um estímulo e uma resposta. Mas suas obras estão sendo retomadas agora com grande ímpeto por milhares de pesquisadores, não só clínicos, mas também sociólogos, antropólogos, economistas e pesquisadores. Um dos mais notáveis esforços de pesquisa empreendidos até o momento foi a criação de um manual taxonômico de qualidades e valores, em moldes parecidos com o DSM.

Os proponentes da Psicologia Positiva não a imaginam como uma “revolução paradigmática” de que Thomas Kuhn falava (aliás, Seligman admite estar um pouco de saco cheio dessa abordagem histórica), pois não buscam destruir a antiga Psicologia “Negativa”. Na verdade, pretendem apenas complementá-la, e estudar o que até então fora negligenciado, utilizando-se das mesmas ferramentas metodológicas atualmente empregadas.

A Psicologia é ao mesmo tempo ciência da saúde e humana, o que implica que ela, ao mesmo tempo que busca tornar as vidas de todos os seres humanos mais saudáveis, também transcende o sistema de saúde, pois busca tornar nossas vidas mais do que meramente assintomáticas expressões de vida; até então, ela buscou apenas nos tirar de um nível -5 de felicidade para um nível 0. A Psicologia Positiva propõe irmos do 0 para o +5 em felicidade, e não só isso: que esta vida seja produtiva e que tenha um significado. Martin Seligman diz que, tornar a vida das pessoas melhor em todos os seus aspectos é o direito e a missão da Psicologia. Agora é a hora de tomá-la de volta em nossas mãos, e fazê-la acontecer.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Uma Guerra Antiga

Um de meus assuntos preferidos é falar de Ciência. Geralmente, falo de Ciências Humanas, defendendo-as e defendendo um maior rigor em seus métodos e uma eterna busca pela Verdade, mesmo que no fim ela seja uma farsa. Não falo com muita freqüência de Ciências Exatas como Física, Matemática e Química, mas geralmente as uso como exemplos positivos.

E de fato, as Ciências Exatas são, de longe, as que mais progrediram ao longo da história da humanidade, tanto que seu modelo foi adaptado (sem sucesso, admito) para o estudo das Ciências Humanas. Eu seria um tolo se dissesse que a Física apenas trouxe infortúnios como a Bomba Atômica, a Química o Napalm e a Matemática os professores da rede de Ensino Médio. Primeiro por que graças à estas três ciências é que eu posso agora digitar estas palavras no meu blog, confortavelmente sentado em minha poltrona.

Mas existe um terceiro ramo da ciência, que atualmente anda meio desacreditado. Ele tem muitos nomes, mas o chamarei de Ciências Místicas. Grosso modo, são as ciências (de sciencia, saber e conhecimento em latim) que estudam aquilo que está além do mundo material, a alma, a natureza de Deus e a natureza divina do ser humano. Mais do que desacreditada, a Ciência Mística está em conflito aberto com a Ciência Exata, e em menor grau, com a Ciência Humana.

Muitos físicos, químicos e matemáticos são paradoxalmente ateus praticantes: não só acreditam como tentam arrebanhar (in)fiéis. E é difícil não se converter para a Sociedade da Terra Redonda, tendo em vista as maravilhosas conquistas da ciência cética. O que a religião trouxe de bom, de palpável para nossa civilização? Guerras santas e dogmas imprestáveis, majoritariamente. O ceticismo e o materialismo estão derrotando a fé e a espiritualidade. Mas então, por que é tão fácil encontrar um ex-físico que largou toda sua promissora carreira no mundo acadêmico pesquisando sobre glúons e leptons para ser monge, seja budista ou beneditino, e tão difícil encontrar um ex-monge que largou tudo, renunciou a sua fé e virou ateu convicto? Até hoje, só sei de um caso, em que um ex-crente virou ateu e criou um blog chamado “Jesus, me chicoteia!” para avacalhar com a bíblia. E só (e eu tenho minhas reservas quanto à igreja de onde ele veio). São casos anedotais que conheço, não representam a média da população e portanto não podem ser generalizados, mas levantam a dúvida mesmo assim: por que, apesar de tanto progresso material, por que ainda nos voltamos para o espiritual, especialmente em nossos tempos?

Deve ser exasperante para um Terra Redonda constatar isso. “É irracionalidade pura” diria um, pois tudo que a ciência materialista não pode explicar é irracional, e portanto não deve ser levado em conta. Nunca lhes passaria pela cabeça que há coisas além da ciência, pós-racionais. Talvez, as Ciências Exatas estejam chegando ao seu limite: há não muito tempo atrás, a teoria materialista de Newton foi posta abaixo, quando se descobriu que os átomos não estão presos uns aos outros como uma malha, mas estão dispersos, tão distantes uns dos outros como eu estou proporcionalmente distante do estádio Olímpico Monumental (OK, admito que não sei a proporção correta, mas é algo assim mesmo, longe pra burro). Entre eles, o vazio. E as partículas subatômicas ficam sumindo e aparecendo em outros lugares, como em locais construídos especialmente para serem simples vácuo. Como se explica isso de uma posição materialista? Baseado em meus conhecimentos de discussões científicas, há três possibilidades: faz-se uma explicação ad hoc, um ajambrado teórico feito especialmente para aquele caso; foge-se do assunto de maneira habilidosa; ou o materialista ataca a pessoa que fez a pergunta e a chama de obscurantista ou ignorante. Também há aqueles que explicam que “não é bem isso o que a teoria quis dizer”, e te provam através de sofismas que é justamente o contrário. Nenhuma dessas alternativas é uma resposta decente. Aliás, nenhuma delas é uma resposta.

Milênios de progressos científicos não refutaram ou destruíram a espiritualidade, a Ciência Mística como chamei no início do texto. Bem pelo contrário, agora a ciência confirma teorias espirituais de que o mundo não é tão real quanto imaginávamos, tão sólido quanto parece. Talvez as coisas em ciência aconteçam como William James acreditava: não importa quem tem o melhor discurso, por que a teoria mais verdadeira será triunfante no final*. Quem sabe estejamos vendo isto acontecer com as Ciências Exatas.





*Provem que o James velho-de-guerra está errado, pós-modernistas!

Treinos

Fui treinar Kung Fu hoje na academia. Demorei esta semana para fazer isto, graças à minha necessidade de ter que ir fazer uma observação de grupos na quarta-feira (que vai durar mais quatro semanas no mínimo), Psico 8 e ½ e outras pendengas. Mas valeu a pena.

Há três ou quatro anos, quando recém tinha começado a treinar em Caxias, conversei com um cara com mais tempo de treino, que me disse que “só fico satisfeito com o treino quando acordo dolorido no outro dia. Daí eu sei que eu me puxei”. Achei uma definição de produtividade bastante impactante, mas só em Porto Alegre desenvolvi um parâmetro próprio similar: para mim, treino bom é aquele que me faz voltar arrastando as pernas para casa. E ultimamente, apesar sentir que estou treinando menos do que deveria (e gostaria), tenho tido poucos treinos assim – não por falta de freqüência em aula, mas proporcionalmente. Alguns meses atrás, era batata ir para a academia e voltar quase morrendo. Agora, faço o treino completo e não me sinto tão fatigado (com exceções). Consigo até caminhar reto!

Outro parâmetro de produtividade pessoal que criei é o de formas praticadas, com pontos extras para aprender formas novas. E hoje foi um dia duplamente produtivo, pois além de sofrer para chegar em casa, foi-me ensinada a primeira parte completa da forma Louva-Deus, depois de um mês sem aprender nada de novo. É uma forma bem complicada, cheia de movimentos rápidos e estranhos (exatamente como um louva-deus), mas o que foi especialmente gratificante disso não foi apenas sua dificuldade, mas o tempo que levou para que me ensinassem. Senti-me próximo dos grandes guerreiros de antigamente, que levavam anos para aprender uma forma básica. O pai do Karatê-Do moderno passou 10 anos com um mesmo mestre para aprender apenas 3 katas (formas em japonês. Em chinês é katy). Dá uma média de 3 anos para cada, e os dias que ficaram de fora ele provavelmente ficou rachando lenha no mato (ou apanhando do mestre. Ou os dois. Ao mesmo tempo).

Para um bom preguiçoso, isso soa como masoquismo puro e simples, e só um abobado louco como eu se sujeitaria a tais condições. Mas a sensação de paz que sinto toda vez que entro no solo sagrado de treinamento, de deixar todos os meus problemas mundanos do lado de fora de suas paredes, de estar em harmonia comigo mesmo e com o universo mais do que supera a dor que às vezes sinto, mas dá sentido para ela. Os samurais antigos chamam esse estado mental de satori, os monges budistas de nirvana, e os psicólogos positivos de flow – fluir, pois não pensamos muito, apenas fluímos com a corrente, e cada passo dado em uma corrida, cada golpe desferido em uma luta, cada movimento em um katy é a única coisa que fazemos, a única que percebemos e a única com que nos importamos naquele momento. É uma meditação em movimento. O mundo cessa. É apenas um momento efêmero, mas que muitas vezes fez dias deprimentes que vivi tornarem-se subitamente iluminados. A dor é apenas uma plataforma para um crescimento pessoal maior, uma transcendência de si. Cada instante na academia é um instante bem aproveitado, e hoje mais do que muitos outros dias.

terça-feira, 8 de abril de 2008

O Humano, Demasiado Humano Desejo de Humilhar

Não precisa procurar ou observar muito o comportamento alheio (ou o próprio) para perceber certas atitudes mesquinhas. Uma das primeiras que notei foi a necessidade humana de humilhar os outros. Exemplos há por todo lado. Mas o que é interessante a respeito desta “pulsão de morte”, como Freud diria, é que ela é revestida por um ideal elevado de justiça, pois geralmente o alvo de desprezo e repúdio é alguém que cometeu algo hediondo. Enquanto os Aliados tomaram a Itália durante a Segunda Guerra Mundial, Mussolini e sua mulher foram capturados por uma turba violenta, que os enforcou ali mesmo, sem julgamento. A acusação feita era de violação de direitos humanos e anos de ditadura, cuja sentença era a pena de morte imediata e humilhante. Os especialistas chamam isso de “Justiça Selvagem”.

No caso do Duce, havia motivos claros para sua execução, como toda a repressão que ele fez contra sua oposição, a guerra em si, as mortes que ele causou. Mas sinto-me seguro em dizer que só isto não era suficiente para uma justiça selvagem. Havia mais motivos, obscurecidos por estes que citei, para que sua morte fosse pela forca e seu corpo destinado ao ultraje.

Vejo mais casos semelhantes em dias mais atuais. Alguns anos atrás, o programa do Ratinho (que defende abertamente a “Justiça Selvagem”) exibiu um vídeo-denúncia em que uma babá aparecia espancando um bebê. Esta notícia causou indignação na população da cidade em que esta mulher vivia, e quando ela foi prestar depoimento na delegacia, foi atacada por uma turba selvagem. Não foi linchada, mas foi atacada por todos os lados, por todas as pessoas, verbal e fisicamente (aí nasceu a lenda de Lindomar, o Sub-Zero brasileiro, que lhe aplicou uma voadora).

Mais recentemente, uma jovem chamada Lúcia foi abandonada por seu noivo dois meses antes do casamento, depois de terem arranjado quase tudo. Cheia de ódio e indignação, ela criou um blog – Noiva Abandonada Quer Vingança. Graças às leis que regem a internet (e por ela ter saído com seu vestido de noiva na rua distribuindo panfletos falando mal do falecido), sua história ganhou eco e ela ficou famosa, tanto que o UOL Tablóide a entrevistou. No tal do blog, ela fala de como odeia o ex-noivo, que a abandonou depois de anos de namoro onde ela não podia nem ao menos ter um Orkut, e que quer se vingar saindo com tantos homens quanto puder. Quem quer que fale com Lúcia expressa sua empatia. Recentemente, o “fdp”, Ed, recriou sua conta no Orkut, entrou em contato com ela, e reclamou dessa situação toda. Agora, ele é alvo de scraps furiosos de pessoas do Brasil inteiro que ficaram sabendo dessa história.

E, por fim, há o recentíssimo caso da menina Isabella, que morreu após ter sido espancada e jogada da janela do sexto andar do prédio onde morava com a madrasta e o pai, prováveis responsáveis pelo crime. Num curso de extensão que faço, uma das participantes disse que “com gente assim só matando”. Não é necessário ter muita imaginação para pensar que os pais estão em celas especiais, separados do resto dos presidiários, grandes partidários da barbárie justa.

O que todos estes casos têm em comum é que o culpado é hostilizado, com freqüência de forma física, nos piores casos mortalmente, nos mais amenos, apenas ouve ameaças de morte e imprecações. Os acusadores nada têm a ver com a história: apenas ouviram o caso, e envoltas por uma capa de divina fúria, partiram para cima das bestas demoníacas que são estas pessoas. Sentem-se bem fazendo isso, pois acusando alguém realmente culpado, projetam todo mal que existe dentro delas nele, e o atacam com mais fúria ainda. Não gosto muito de Freud, mas ele acertou em cheio quando definiu a projeção como um mecanismo de defesa.

Mas há algo que estes paladinos da moral e dos bons costumes esquecem: que atacam um ser humano. Sim, apesar de ter ordenado a morte de milhares, Benito continuava sendo um homem de carne e osso. A babá que batia no bebê, o noivo que abandonou a noiva no altar e os pais de Isabella também – demasiadamente humanos, como dizia Nietzsche. Cheios de falhas, imperfeitos, cruéis, mesquinhos, impacientes. Mas seriam só isso, tão bidimensionais quanto os vilões de He-Man? Não, eles também são capazes de amar e serem amados, de exultar, sorrir, cantar e chorar. Tanto quanto as pessoas que feriram e quanto as pessoas que os atacaram e atacam. E ainda assim, apesar de tão parecidos conosco, foram condenados à pena pior que a morte: o ódio e a desumanidade. Dói demais a ferida em nosso eu pensar que podemos ser iguais à eles, portanto os isolamos de tal maneira que isto se torne impossível, ou pelo menos suma de nossa mente.

Não pretendo justificar o que aconteceu: Mussolini agiu corretamente quando governou a Itália? Acredito que não. A babá deveria ter batido no bebê? Certamente que não. Lúcia merecia ser abandonada por Ed? De forma alguma. Merecia Isabella morrer de forma tão cruel? Nunca. Mas o que pergunto é: merecem estas pessoas que erraram serem vistas como além da redenção, e tratadas pior do que o cão mais sarnento? Mais uma vez, digo que não. Mas isto não cabe a mim decidir – cabe ao resto do mundo.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Futuro Acadêmico

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domingo, 6 de abril de 2008

Alterações

Adicionei, no fim da página, duas listas novas: minhas Leituras Atuais e minhas Leituras Futuras. Em outras palavras, livros que estou lendo e livros que quero ler.

Não estou bem satisfeito ainda com a maneira que o layout ficou, e é bem provável que eu mude as listas de lugar ou até mesmo as exclua e relate minhas leituras mais informalmente. Até lá, deixo como está.

Epifania

Acabo de perceber que este blog se transformou num blog de ciência. Nada mais natural, já que considero todo o processo científico de busca rigorosa da verdade mais do que importante, mas essencial até mesmo para a vida pessoal. E mesmo assim, sinto como se tivesse deixado algo de importante pelo caminho. Tento sempre ser coerente com o que digo, e no subtítulo deste site está escrito que o assunto do Espadachim Cego é, entre outras coisas que não quero abordar aqui, “Ciência, Filosofia e Transcendência”. As duas primeiras estão fartamente presentes aqui. Mas e a última, por onde anda?

Lembro-me de um sonho que tive, em que uma dama vestida de vermelho entregava-me uma rosa rubra e uma espada para matar o mal que habitava um velho casarão, cujos portões abriam-se diante de mim. Tinha uma missão, e os meios para cumpri-la. Entretanto, havia o risco de desvirtuar-me, encantar-me com coisas outras belamente irrelevantes, e assim abandonar meu caminho. Quando penso em meu futuro, não penso em fazer especialização, mestrado, doutorado, post-doc, pois que não é meu caminho fazer ciência até o fim. Mas quando vejo o histórico do blog, percebo que tenho feito isso, justamente e apenas isto – ciência. E novamente a sensação de ter deixado algo importante para trás me assola. Sei o que deixei para trás, ou pelo menos o que deixei ignorado e sem cuidados: minha transcendência, meu crescimento pessoal mais profundo. O saber que a ciência pode me dar é para a transcendência apenas um meio, e não um fim em si mesmo. Mas posso me iludir e confundir tudo. Temo não ser honesto comigo mesmo e colocar no centro da minha existência algo que deveria ser apenas secundário. E este é um risco permanente.

Eis minha mais recente epifania.

A Arte do Diagnóstico na Saúde Mental

No post anterior, citei um texto que tratava dos perigos de fazer diagnósticos em psiquiatria e psicologia utilizando-se apenas do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), de ignorar o “sujeito do sintoma” e tratar apenas o “sintoma do sujeito”. Além disso, criticou o modelo positivista de fazer diagnóstico, que deixa de lado três importantes tradições psicopatológicas – a fenomenologia, a psicanálise a daseinanálise. Um palestrante de nosso seminário criticou o DSM por ser frio, e não possuir a beleza artística que um guia como “Psicopatologia Geral” de Karl Jaspers possui.

Graças à sincronia do universo, tive o prazer de ler para a cadeira de Psicologia Humanista um texto diagnóstico daseinanalítico, escrito pelo eminente psicanalista e analista existencial Medard Boss. Faz algum tempo que me interesso por Análise Existencial, mas nunca tive a oportunidade de entrar em contato com esta teoria. Enfim, o diagnóstico é parte de um estudo de caso conduzido por Boss, o caso Ellen:

Se tentarmos, então, sumarizar uma vez mais as características individuais e formas fenomenais do modo de (Ellen) ser-no-mundo dentro das várias regiões-do-mundo... será melhor começarmos pelo mundo da paisagem (Umwelt): o ser-limitado e o ser-oprimido expressam-se aqui no escurecimento, na escuridão, na noite, no frio, na maré-baixa; as fronteiras ou limites mostram-se como as paredes de névoa úmida, ou como as nuvens; o vazio, como o Mistério; o anseio de liberdade (libertar-se do mundo) como a elevação no ar; o eu como um pássaro emudecido. No mundo da vegetação, o ser-restrito e o ser-oprimido mostram-se no esmaecimento e as barreiras no ar sufocante; o vazio, nas sementes; o anseio de liberdade, na urgência de crescer; o eu, na planta seca. No mundo das coisas encontramos o ser-restrito no buraco, no sótão, no túmulo; as barreiras estão nas paredes, na alvenaria, nas correntes, nas redes; a ânsia de liberdade no vaso da fertilidade; o eu na casca jogada fora. No mundo animal o ser-restrito é visto como ser-esburacado por dentro; as barreiras, como a terra ou a noite escura; o eu como um verme incapaz de ainda ansiar por liberdade; o vazio como simples vegetar. No Mitwelt, o ser-restrito é visto como ser-subjugado, oprimido, prejudicado e perseguido; o vazio, como a falta de paz, a indiferença, a submissão infeliz, a reclusão, a solidão; as barreiras, como algemas ou as víboras de todo dia ou como o ar sufocante; o vazio em si mesmo como o pequeno mundo (dia-a-dia); o anseio por liberdade, como a necessidade de independência, de desafio, de insurreição, revolta; o eu como covarde, niilista e, mais tarde, covardemente comprometido. No Eigenwelt, o mundo-do-pensamento, reconhecemos o ser-restrito na covardia, na indlugência, no abandono dos planos a longo prazo; as barreiras, nos fantasmas ou espectros acusadores e zombeteiros que a rodeiam e invadem por todos os lados; o vazio, no ser-norteado por uma única idéia, como a do Nada; o eu, na minhoca tímida, no coração gelado; o anseio de liberdade, no desespero. Finalmente, no Eigenwelt, o mundo-corporal, encontramos o ser-restrito no ser gorda; as barreiras ou paredes, na camada de gordura em que a existência dá murros; o vazio, no ser tola, estúpida, velha, feia, e mesmo ser morta; o anseio de liberdade no desejo-de-emagrecer; o eu, como um mero tubo que se enche e se esvazia de matéria.

A primeira vez que li este texto pensei: “ou seja: bulimica, gravemente depressiva com tendências suicidas. Poderia ter me poupado trabalho.” Admito que o DSM é uma ferramenta bastante limitada para diagnosticar pacientes, já que apenas descreve os sintomas externos visíveis, e não dá uma etiologia (origem, causa) dos transtornos, e que estudos fenomenológicos de caso poderiam cobrir esta lacuna. Mas demora muito mais escrever um relato desses do que fazer um diagnóstico pelo DSM (só digitando demorou um monte, imagina inventando). Vale lembrar que Ellen se matou durante o tratamento. E por causa da depressão, que nem de longe é um bicho papão. Claro, na época do velho Boss a psicoterapia era muito rudimentar se comparada com as técnicas que temos atualmente, portanto dá para dar um desconto para o fracasso dele em tratar Ellen. Também temos de convir que, por mais que tenha escrito, Boss deve ter se dedicado ao caso, e que o que menos desejava era a morte de Ellen. E fico pensando como ele, um psiquiatra, teria reagido se um manual de diagnóstico tivesse sido criado em sua época. Prefiro imaginar que teria ficado feliz com a ajuda de mais uma ferramenta, e continuaria a daseinanalisar seus pacientes.

É irreconciliável a prática de um diagnóstico rápido e preciso com uma descrição qualitativa detalhada? Acredito que não. Apesar de não ser capaz de ver como um relato como o de Boss pode ser útil para o progresso da Psicologia e da Psiquiatria (prefiro o estilo do neurologista Oliver Sacks, que trata mais diretamente dos sentimentos e impressões dos pacientes e de todos em volta, inclusive o próprio médico), acredito que é uma prática salutar, pois leva o psicoterapeuta a pensar melhor a respeito da vida de seus pacientes, seus sentimentos e sua relação interpessoal. Mas negar-se a usar o DSM-IV ou o CID-10 por que “subjetivam” os pacientes é coisa de ideólogo ignorante.

sábado, 5 de abril de 2008

Neurociências e Ciência Humana

Nos últimos dez ou vinte anos, as Ciências Humanas e as Ciências Biológicas tem se unido cada vez mais, e esta união, as Neurociências, possibilitou muitos progressos científicos, que beneficiam tanto pesquisadores básicos, que fazem ciência por ciência, quanto pessoas trabalhando em áreas mais próximas da vida cotidiana, como psiquiatras, psicólogos e neurologistas. Entre os principais desenvolvimentos, cito a organização do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), o catálogo de transtornos mentais e comportamentais que permitiu uma unificação na linguagem do campo do psicodiagnóstico (um verdadeiro feito), a possibilidade de tratamento ou até mesmo cura de muitas doenças, e uma maior compreensão do ser humano como um todo.

Entretanto, apesar de todos estes progressos, parece existir medo por parte dos geisteswissenschaften, os cientistas humanos, a respeito disso tudo. Há a freqüente pergunta – para onde a ciência nos levará? – feita por muitos destes indivíduos, que temem que este conhecimento nos levará invariavelmente para uma ditadura eugenista, onde os “geneticamente ruins”, ou “neurologicamente ruins”, ou “bioquimicamente ruins”, serão excluídos da sociedade e tratados como sub-humanos. Sinceramente, acredito que os fatores que tornaram o Holocausto nazista possível não foram os avanços científicos, mas uma ideologia elitista e enviesada, e principalmente, falta de conhecimento empírico sólido. Sendo um pouco cínico, se Hitler soubesse que eliminar todas as pessoas com distúrbios mentais ou síndromes graves não faria a menor diferença, já que na próxima geração outros tomariam os lugares dos eliminados, ele teria poupado dinheiro com munição e câmaras de gás (com alguns pelo menos). Mas, se os cientistas sociais humanos da Alemanha nazista tivessem pesquisado com mais empenho (ou menos discurso), teriam chegado à conclusão que as diferenças de desempenho cognitivo entre raças era basicamente cultural (incluindo aqui o viés do examinador sobre o examinado), e que não há justificativa básica para extermínio sistemático destes indivíduos.

Outro exemplo de medo esdrúxulo que já ouvi a respeito dos perigos das Neurociências, é a possibilidade de no futuro, policiais levarem máquinas portáteis de PET scan, Eletroencefalograma e ressonância magnética funcional em suas viaturas para poderem identificar “possíveis criminosos” de acordo com seus padrões cerebrais e prendê-los preventivamente. Quem teve esta idéia absurda meus caros, não foi o Dr. Hobo, mendigo tchuco e teórico da conspiração, mas uma professora de ensino superior, graduada e pós-graduada em universidades bem conceituadas no mundo acadêmico. Pena que ela esqueceu das aulas de neurologia, onde ela aprenderia um pouco a respeito do conceito de “plasticidade neural”, que define que o cérebro está em constante mudança, sendo então impossível, ou no mínimo indesejável tentar identificar lombrosianamente possíveis criminosos.

Mas estou sendo injusto aqui. Esta professora deve saber o que plasticidade neural é: ela só preferiria dizer que “ela é limitada”. Já ouvi argumento assim em uma discussão epistemológica sobre neurociências – argumento este que ignora toda a variedade de personalidades e talentos, devida pelo menos em parte da capacidade do cérebro modificar-se de acordo com o contexto e a necessidade.

Mas, sendo um pouco psicanalítico agora, acredito que haja algo por trás desta defesa dos direitos humanos que ainda não foram violados. Em um texto que li para a aula de Psicopatologia, um psicanalista e psiquiatra questiona a importância atribuída aos manuais diagnósticos (DSM-IV e CID-10). Em sua maioria, as críticas são válidas, pois muitos psicólogos e psiquiatras tratam apenas do “sintoma do sujeito”, e esquecem que existe um “sujeito do sintoma” – um sujeito que sofre, que vibra, que ri e que chora, e que exibe um sintoma que atrapalha sua vida e as vidas dos outros. Mas, em certo ponto do artigo, ele levanta a “inquietante suspeita de que a própria psiquiatria, impulsionada em sua vertente naturalizante pelos progressos experimentais propiciados pelos sistemas operacionais, possa estar-se transformando em uma neurologia híbrida e de segunda mão”. Em outras palavras, o autor deste texto teme que, um dia, avaliem-se apenas os fatores biológicos e deixe-se de lado o relacionamento clínico, e que os psiquiatras sejam substituídos pelos neurologistas. É o mesmo medo que descrevi anteriormente, mas dito de uma forma que deixa escapar “a verdade inconsciente”: de perder o emprego.

Como ele bem disse, teme-se que a Psiquiatria e a Psicologia sejam engolidas e substituídas pelas Neurociências. Pessoalmente, não acho que isto acontecerá, já que as relações interpessoais, a cultura e a transcendência humana não podem ter suas atividades reduzidas ao funcionamento neuronal. O que acho mais provável de acontecer é que de agora em diante, e mais do que nunca, estas duas ciências vão se beneficiar cada vez mais das pesquisas neurocientíficas, e psiquiatras (que já tem um treinamento muito similar ao dos neurologistas) e psicólogos serão mais neuropsiquiátras e neuropsicólogos, mas nunca neurologistas pura e simplesmente. Repito, não há como compreender o comportamento humano em sua totalidade apenas com PET scan e MRI.

Não vou ser ingênuo e dizer que todo o rebuliço em torno das pesquisas neurocientíficas por parte de cientistas humanos seja puro medo de ir para o olho da rua com um diploma obsoleto, mas questiono até que ponto existe um verdadeiro interesse em defender os coitadinhos.

Comunidades no Orkut que me fazem doer os rins

Achei a seguinte comunidade no Orkut hoje:

"Positivismo é saúde!"

Vou perguntar isso para meus professores e ver o que eles respondem.
Curiosamente, este é um post filosófico por tratar justamente da falta de filosofia em si próprio.

Estilos Arquitetônicos de Universidades Contemporâneas





Faltou ainda um estilo arquitetônico:


O Bloco de Lego Gigante.

Imagens gentilmente copiadas do webcomic PhD e da página do Instituto de Psicologia UFRGS.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Pois é...

... E eu nem sacaneei ninguém no Primeiro de Abril.

Outro de meus nobres vícios



Substitua "stupid blog comment" por "stupid science comment" e este sou eu.
Fonte: xkcd.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Dúvidas Existenciais

Enquanto digito estas palavras, aqui no laboratório de informática da faculdade, fico me perguntando sobre a importância das aulas presenciais. Quantas precisamos ir para aprender algo relevante? Ou aprender é algo secundário, o que importa é ir para a aula sofrer?

Dei uma saída rápida da aula de Processos Institucionais, uma das mais inúteis que já tive até agora. A professora iria discutir o conceito de "Implicação". O que é implicação? Li uns três textos a respeito, e até agora não entendi o que é. Ou eu sou tapado ou ninguém que use esse conceito sabe explicá-lo. Se ninguém sabe explicá-lo, pra que serve?

Pergunto-me, qual o valor de ir para uma aula em que falam muito mas não dizem nada? Para fortalecer o caráter? Não seria melhor ir para casa e ler os textos? Cacete.

Vou voltar para a aula agora, pois deixei um livro na sala. Falta uma hora e dez minutos para ela acabar. Que tortura. Fazia tempos que não achava estar disperdiçando meu tempo de maneira tão inútil.

Um de meus nobres vícios


É. Frequentemente faço isso. Devo admitir que não é um hábito saudável. Daria a fonte do webcomic também, mas o site loqueou e aparece outro no lugar.
Fonte: o site loqueou por causa do Primeiro de Abril. A fonte é o webcomic xkcd.