terça-feira, 1 de setembro de 2009

Utopias


Apesar de ser algo tão distante quanto o horizonte, a perfeição sempre foi um dos maiores objetivos do ser humano. Realizar uma obra perfeita, e portanto eterna, é a meta de artistas, religiosos, cientistas, filósofos e pessoas comuns desde o mítico momento em que passamos a ver o universo através dos olhos de nosso pensamento. Desde então, estas cinco classes "ideais" de pessoas conceituam a perfeição de maneiras muito diversas. Porém, a todas elas de certa forma convergem no que poderia ser chamada de a mais antiga busca humana: a Utopia.

O termo "utopia" foi usado originalmente por Thomas More, em seu livro de mesmo nome, para descrever a sociedade ideal, onde a vida seria livre de problemas e seus cidadãos pudessem desabrochar e desenvolver seus potenciais até o mais elevado patamar. Apesar de ter sido o primeiro a usar a palavra "Utopia" neste sentido, ele não foi o primeiro a pensar neste conceito. Milênios antes dele, Platão escrevera "A República", que descreve como seria o governo perfeito, e mesmo antes dele, Pitágoras já estabelecera uma comunidade deste tipo. Depois deles e mesmo de More, poderia citar diversos outros casos reais, como Brook Farm, nos Estados Unidos, que reuniu vários escritores e intelectuais importantes da época, ou mesmo Canudos, aqui no Brasil, liderada por Antônio Conselheiro. Poderia citar muitas outras aqui, mas o que realmente importa é que, apesar de todas elas serem muito diferentes entre si, tanto em método quanto em população, todas elas buscavam constituir-se como modelo definitivo de agrupamento humano, onde o sofrimento seria abolido. Outra coisa que todas estas comunidades têm em comum é que nenhuma durou muito tempo. Não é para menos que More tenha usado a palavra "Utopia" como título de seu livro, pois significa "Lugar Nenhum".

A leitura de "Walden II" de B. F. Skinner me deixou particularmente motivado a escrever sobre utopias. No livro, que ainda  não terminei de ler, o autor descreve, por vezes de maneira excruciantemente detalhista, a também utópica comunidade de Walden II, liderada pelo psicólogo T.E. Frazier, que afirma que todas as tentativas anteriores de estabelecer sociedades perfeitas fracassaram por terem sido baseadas em idéias dogmáticas, sem comprovação científica e, assim sendo, incapazes de mudar quando necessário. Sua pequena vila, nomeada em homenagem à Henry David Thoreau e sua utopia solitária, estaria livre deste defeito, pois era um grande experimento de engenharia cultural em andamento, baseado nas mais modernas descobertas das ciências do comportamento e aberta à possibilidade de mudar seus princípios, se os dados empíricos confirmassem a vantagem de assim proceder. Além deste pressuposto central, Skinner expõe outras práticas interessantes para maximizar a produtividade humana sem pôr em risco a qualidade de vida, como a jornada de trabalho semanal de 24 horas (dá 4 por dia), a potencialização da produção artística e algumas idéias realmente curiosas em arquitetura e design de interiores.

Estou gostando bastante do livro, apesar de ter expectativas bastante negativas a respeito dele antes de começar a lê-lo. Ele não conta nenhuma história de fato, pois tudo o que os personagens fazem ou pensam a respeito é sobre Walden II e seu modus operandi, tornando-os bastante desinteressantes - se algum deles morresse e fosse substituído por qualquer outra pessoa, não faria diferença - e às vezes parece que estamos lendo algo mais parecido com um roteiro de programa educativo do que um romance. Mas, ei, é um livro do Skinner! Se você pegou para ler, já sabia desde o princípio que ele não ia ser um cara exatamente criativo, ou, em termos comportamentais, que seu repertório de escrita não é muito variado, e já devia esperar que seria um panfleto ideológico defendendo seu paradigma teórico, o Behaviorismo Radical. Feitas essas ressalvas mais "estruturais", vamos adiante.

Como disse antes, estou gostando de "Walden II", talvez não tanto por causa de suas teorias, mas por causa da atitude pragmática que envolve a gênese dessa utópica comunidade, de não ficar apenas no falatório academicista e pôr as coisas em prática. Quando Castle, filósofo da história cuja principal função é questionar Frazier, põe em dúvida alguma prática de Walden II, Frazier frequentemente responde com um "já testamos isso e dá certo" ou "ei, é um experimento! Se der errado a gente muda!", e isso me faz pensar, em alguns momentos, que um experimento desses poderia realmente dar certo na vida real (aliás, sei de algumas tentativas de criar Walden II na vida real que ainda perduram, mas não tenho muitas informações a respeito).

Contudo, tenho algumas críticas teóricas para fazer também. A primeira delas é que, se Skinner incluiu no livro um personagem que oferece um contraponto à Frazier e critica seu experimento em engenharia cultura, ele incluiu o personagem mais incapaz possível de fazer isto! Castle como filósofo incorpora o que há de mais dogmático e idealista em toda a Filosofia, e tudo que consegue fazer é dizer que "se não é ideal, não serve" e ter ataques de frescura. Até parece que Skinner desenhou sua personalidade no livro para mostrar que o Behaviorismo Radical está acima de críticas. Apesar de Castle ser peça crucial na história, acredito que teria sido muito melhor se, no seu lugar, tivesse ido para Walden II um mendigo psicótico, como o Dr. Hobo de VG Cats. A segunda é que Skinner, ao afirmar que todos os problemas da humanidade podem ser solucionados através de um ambiente controlado e reforçamento positivo, demonstra um profundo desconhecimento da própria espécie. Claro, quando questionado diretamente sobre a importância da genética e da hereditariedade no comportamento humano, ele nunca negou sua importância. O mesmo acontece no livro. Porém, parece que a importância destes fatores é apenas simbólica - em outras palavras, é como se Skinner dissesse "É elas são importantes, mas não importam".

Por fim, uma crítica derivada da segunda. Se todo o comportamento humano é definido de acordo com as contingências externas, as questões internas, como pensamentos, sentimentos e vontades humanas, são irrelevantes. Questiono se, para uma comunidade como Walden II dar certo, não seria necessário ter não só tecnologia comportamental de ponta, mas também seres humanos capazes de viver em tamanha harmonia.

E a busca pela Utopia continua para a humanidade.