quarta-feira, 25 de março de 2009

Filme Aleatório da Semana

Fui pro cinema hoje, e assisti "O Menino da Porteira", estrelando o cantor sertanejo Daniel. Antes que qualquer um que lê este blog pense que uma barra de ferro atravessou meu cérebro e alterou toda minha personalidade, explico: cheguei no estágio hoje, pensando no que diabos eu ia fazer lá hoje, quando me avisaram que alguns moradores iam ver um filme no outro lado da Ipiranga, no Shopping Bourbon, e me perguntaram se eu gostaria de ir junto, para acompanhá-los. Assistir um filme, mesmo que não seja minha primeira escolha, com a entrada paga por outra pessoa (é costume do local que a equipe tenha seu bilhete pago por algum morador) e ainda por cima poder dizer que "é pro estágio" parecia perfeito demais para recusar.

Depois de algumas peripécias passadas para chegarmos até o cinema (que, junto com um comentário que a Luiza deixou aqui, me inspirou a escrever outro post), começamos a assistir o tal filme. E, acreditem se quiser, não achei ruim, e até mesmo gostei. Para quem, como eu, não sabe nada sobre o que está em cartaz no cinema e está pensando sobre o que é este filme, ele foi inspirado na música sertaneja de mesmo nome cantada pelo Sérgio Reis. Conhecendo já a música faz algum tempo (meu pai, infelizmente, tem um gosto por música sertaneja e por volume alto), pensei, quando o tal menino da porteira apareceu na tela, "esse piá tá morto". Isso não chega a ser um spoiler, por que a droga da música já revela que ele vai ser MORTO POR UM BOI SEM CORAÇÃO!

É um filme clichê, mas com alguns toques de originalidade que me agradaram. Grosso modo, é um filme de cowboy, só que, ao invés de se passar na Califórnia de 1880, acontece em alguma biboca do interior do Brasil na década de 1950. E apesar dessa semelhança, continuou sendo um filme brasileiro falando de brasileiros e até um certo ponto verossímil. Contudo, como bom filme clichê, ele está cheio de obviedades, e uma das minhas maiores diversões é identificar que estereótipo cada ator irá encarnar antes que isto fique óbvio demais. Daniel, montado à cavalo, tocando a boiada e seu berrante? Ele vai ser o cavaleiro errante de alma livre, nobre, justo, leal, que não leva desaforo pra casa e um tanto quanto calado (silêncio este que tem a dupla função de criar a aura mítica em torno de seu personagem, e de impedir que fique ululante que Daniel tem tanto talento artístico quanto a sela onde ele está sentado). O cidadão que todos chamam com muita deferência de "Major"? Vilão. Dá pra ver pelos dentes mal-cuidados (o sindicato dos malvados tem uma péssima assistência dental). A menina de espírito independente e vanguardista demais para uma moça dos anos 50 que dá aulas para as crianças do povoado e cavalga por aqui feito homem? Ah, essa vai ser o interesse romântico do Daniel, e vai se atirar pra cima dele assim que ela tiver certeza que ele é um homem justo e bom, ao contrário dos capangas de seu padrasto, o Major. O menino pedindo pro boiadeiro tocar o berrante e fazendo traquinagens com seus amiguinhos? Desnecessário. Ele podia aparecer só no começo do filme e no final, quando ele finalmente morre pisoteado por um boi doido, mas o diretor do filme discorda da minha mui elevada opinião e acha que ele seria um bom comic relief (junto com o melhor amigo do personagem principal), e para permear a história com um ar infantil.

Não tem muito o que dizer sem entregar a história do filme (exceto a parte onde o guri morre, mas todo mundo que vai no cinema já sabia desse detalhe), mas há outras coisas que me irritaram a respeito do filme. Uma delas é o uso exagerado das gírias e do "dialeto" para deixar claro que o enredo se passava em uma vilazinha no interior do Brasil. Claro, quando se filma com a intenção de mostrar a vida em um lugar deve se prestar atenção à linguagem utilizada, mas não precisa a cada cinco minutos um personagem dizer "Mas tchê barbaridade, bagual!" pro público entender que ele é gaúcho ou que está no Rio Grande do Sul. Outra coisa é o próprio Daniel - ele não fala! OK, eu já falei isso antes, mas a coisa é muito pior, o que me leva a imaginar ele tendo um papinho com o diretor do negócio antes de começar as gravações:

- Daniel, negócio é o seguinte. Isso aqui é um filme sério, um drama! O menino da porteira vai morrer no final do filme!
- Vai mesmo, seu diretor?
- Claro que vai! Não conhece a música, porra? Além do mais, se a gente mudasse o final algum fã maldito do Sérgio Reis ia ficar enchendo nosso saco dizendo que a gente desvirtuou o espírito da história! Em todo caso, isso aqui não é um daqueles filmes dos Trapalhões, e os diálogos tem que ser decentes, entendeu? Tu só vai falar o mínimo necessário pra não estragar tudo!
- Mas seu diretor, e se eu esquecer minhas falas?
- Ah, qualquer coisa tu começa a cantar alguma coisa que encaixe, e finge que era pra ser assim mesmo.


E, realmente, ele passa a maior parte do filme cantando ao invés de falar. Admito que a maioria destas cenas pareciam estar programadas pra encher linguiça, mas uma cena em especial me fez pensar que naquela hora ele não tinha decorado as suas falas. No momento mais romântico entre ele e a menina independente, ela pergunta "E agora boiadeiro, o que vai ser?" e em resposta, ele começa a cantar uma das músicas dele, que são todas desse tipo! É irritante, mas fiquei pensando se, ao invés de Daniel, tivessem convidado o Alceu Valença:

- E agora, Boiadeiro, o que vai ser?
- Morena tropicana, eu quero teu sabor! Ooo io io io!
- Ai, me passa a murcilha!

Para finalizar, gostaria de dizer que não foi um filme ruim. Na verdade, ele tem muitos méritos, entre eles o de não me entediar profundamente ou me causar espasmos de raiva por ser profundamente estúpido, e em vários momentos do filme eu achei que estava muito bem feito. O próprio Daniel se saiu bem. E digo mais: se ele parar de ficar se vendendo para os filmes do Renato Aragão e entrar em uma escola de atuação séria, ele bem que poderia se tornar o Clint Eastwood brasileiro. Não acredita em mim? Nem eu. Mas depois que a época dos faroestes passou, ninguém dava nada pelo Clint Eastwood, enquanto que hoje muitas pessoas fazem fila para puxar o seu saco septuagenário. Se eu errar minha previsão, ninguém vai se importar, mas se eu acertar, vou fazer questão de mandar esse texto para toda a internet quando ele ganhar o Oscar Urso de Berlim Globo de Ouro o prêmio vagabundo do Festival de Gramado. E tenho dito.