segunda-feira, 29 de setembro de 2008

As Provações da Faculdade XXXIX

Minha programação para esta noite: dois textos sobre avaliação neuropsicológica e um trabalho de psicopatologia. Pelo menos nenhum deles envolve Dinâmica de Grupo e Pichon-Riviere.

:)

Metaética

Meu post sobre os estágios rendeu uma discussão interessante com o Marcelo esses dias na faculdade. Meu texto lhe fez pensar no paradoxo da Metaética – a prática de moldar a própria ética futura, escolhendo as experiências que vivemos e como as vivenciamos, tomando por base nossa ética atual. Em outras palavras, a metaética é a resposta prática para a pergunta “quem eu quero ser no futuro?”.

Para ficar no mesmo tema do outro post: que personalidade quero ter? Se eu fizer apenas aquilo que o currículo manda, eu vou ser um tipo de psicólogo, provavelmente acomodado e preguiçoso; se eu participar das comissões do DAP, fizer extensão e ajudar em grupo de pesquisa, serei um psicólogo mais versátil e, espero, eficiente; mas eu posso escolher desde o primeiro semestre estudar apenas Neuropsicologia, e fazer todas as minhas atividades, desde as extracurriculares até os estágios, e me tornar um grande, porem limitado, especialista. Qual dos muitos caminhos disponíveis é preferível? É aqui que reside o paradoxo: não há como saber, baseado na minha conduta ética atual, quais as “escolhas ótimas” que devo fazer em ordem de melhor formar minha ética futura. Posso achar que a decisão que tomo agora é a melhor de todas, mas futuramente eu conclua que deveria ter tomado outro curso de ação – ou pode ser até que eu seja confrontado com uma situação muito semelhante e aja de forma muito diferente.

No fim, como disse o Marcelo, a Metaética é um paradoxo justamente por que não existe: ela é uma tentativa da própria ética de mudar a si mesma, e nunca será completamente satisfatória, por que, ao se basear na maneira como pensamos atualmente, sempre deixamos de lado muitas variáveis que interferirão no nosso comportamento futuro. Um exemplo bem representativo é o que acontecia com muita freqüência com os estudantes de Psicologia do currículo antigo da UFRGS: no primeiro semestre, eles eram bombardeados de tal maneira com a parte científica da psicologia que eram levados a odiar a psicanálise, mas, no final do curso, depois de muitas horas lendo Lacan e assistindo as aulas “fantásticas” de alguns professores de psicanálise, quase todos tornam-se psicanalistas de carteirinha. Mas ninguém no primeiro semestre poderia prever com segurança que isto aconteceria – da mesma forma que meus veteranos não podem prever o que vai acontecer conosco, já que estamos no currículo novo, que é muito diferente (não que eles não tentem, apenas não conseguem).

As mudanças em nosso código de conduta muitas vezes são tão profundas quanto esta, o que torna a prática da metaética um tanto complicada, mas não inócua. Podemos não saber o que vai acontecer no futuro, nem como iremos reagir, mas podemos tentar nos fortalecer e nos tornarmos o melhor que pudermos ser, sendo o melhor que podemos aqui e agora. Acredito que esta é a melhor maneira que temos de moldar o que seremos.

A Arte de Fazer Indiadas

Eu sou um cara aventureiro. Desde o primeiro ano da faculdade, e muito tempo antes de entrar para a UFRGS, me meto em jornadas e viagens cujos níveis de conforto estão aquém do agradável, tanto que tornou-se sinônimo para mim "aventurar-me" com "ferrar-me". Ou como disse o velho Bonifácio, durante um acampamento especialmente chuvoso e complicado: "vocês se espreguiçam ao sol na praia! Isso aqui é um acampamento!" Quando ele falou isto, eu fiquei levemente irritado, já que ele tinha recém chegado ao local onde estávamos dormindo, e suas bandeirantes não tomaram um pingo de chuva em seus cabelos alisados com chapinha, mas hoje vejo a sabedoria de suas palavras. Moleza? Eu tenho isso em casa! Tô aqui pra sofrer, me desafiar e ter uma história para contar!

Contudo, esta minha vontade de ir além e viver uma vida significativa me fez desenvolver outro traço de personalidade: um certo desprezo por hedonistas. Para ser mais preciso, fiquei meio elitista. Sinto isso bastante quando vou correr no Parque dos Macaquinhos em dias de sol, e tenho que ficar desviando dos tiozões e demais preguiçosos que só saíram de casa por que seria fácil. Prefiro correr em dias de chuva ou muito frios por que, se tenho que desviar de alguém, é de alguém que escolheu sair de casa no pior dos climas e transcendeu a si mesmo. Merece meu respeito. OK, algum chato poderia escrever um comentário dizendo que eu devo respeitar todas as pessoas, sejam elas preguiçosas ou não. Minha resposta para isto é: eu respeito. Mas isto não significa que eu deva tratar todos como se fossem farinha do mesmo saco. Admiro muito mais as pessoas auto-transcendentes e disciplinadas pois sei como é difícil ser assim.

Tenho outro exemplo mais recente, que aconteceu faz uma semana ou menos. Nosso Diretório Acadêmico está organizando uma viagem para um congresso que ocorrerá em Buenos Aires em dezembro. A procura para ir neste evento está tão grande que já fechamos dois ônibus inteiros de 40 lugares e ainda há pessoas na lista de espera. Fomos ano passado neste mesmo congresso, mas com muito menos pessoas. E no ENEP foram só 7 estudantes de Porto Alegre. E uma veterana minha, que vai este ano pela primeira vez para um congresso com o pessoal, perguntou se no albergue em que ficaríamos havia banheiros em cada quarto. CACETE! QUER BANHEIRO NO QUARTO FICA EM CASA! OK, ela tem a opção de pagar um pouco mais e ficar em um hotel com banheiro individual, e isso é problema dela, mas fico indignado mesmo assim de querer viajar e não querer pagar o preço. Fazendo uma pequena comparação, sou como aquele cara que deixa de ser fã de uma banda quando ela deixa de ser underground e vai para o mainstream, como se o que me fazia admirar as músicas se perdesse com a fama. Congresso de Direitos Humanos e Saúde Mental em Buenos Aires? Bleh. Muito popular.

Mas minha indignação é, mais uma vez, sem sentido. Cada um escolhe ser o que bem entende. Se a maioria dos meus veteranos querem ser "pirralhos de carpete", isso não é da minha conta. Pois eu prefiro pegar um ônibus capenga para qualquer lugar distante, viver tanto quanto puder e tornar-me maior do que era.