Terminei de ler, ainda esta semana, um livro que apesar de não descrever uma utopia propriamente dita, esbarra na irremediável busca do ser humano por algo mais elevado, e nos erros que ele comete nesta senda. Falo de "Sebastopol", escrito pelo russo Leon Tolstoi. Apesar de ter sido escrito por um autor mundialmente reconhecido, é bem provável que vocês nunca tenham ouvido falar deste livro, pois foi um dos primeiros que Tolstoi publicou e alcançou o sucesso. Quem leu alguma obra posterior de Tolstoi e ler "Sebastopol" perceberá que neste livro o estilo de escrita do autor ainda não alcançou a plenitude, e mesmo assim, não se sentirá decepcionado, pois as três histórias nele contadas são baseadas na vida do próprio Tolstoi, quando ele lutou como oficial de infantaria no Cerco de Sebastopol, a maior batalha da Guerra da Criméia e famosa pelos atos de heroísmo de seus defensores.
E é sobre esses atos de heroísmo de Tolstoi nos conta. À época da Guerra da Criméia, pululavam em toda a Rússia histórias sobre a grande coragem dos soldados de Sebastopol em sua incansável defesa da Grande Rússia e de sua lealdade ao Tsar, o "Pai da Pátria" contra um inimigo muito mais numeroso e bem equipado, e como os bastiões (onde as batalhas aconteciam) eram locais de bravura, glória e honra. Tolstoi, porém, conta uma outra versão – uma em que os soldados sentem medo, os oficiais preocupam-se mais com as condecorações, promoções e honrarias que poderiam ganhar na batalha, as trincheiras são fétidas e cheias de cadáveres, e que no fim, a luta parece não passar de uma grande e mortal vaidade. Tudo isto ele contrasta com aquela imagem romantizada da guerra que era tão comum àquela época e que ainda hoje encontra eco em nós – e a discrepância é gigantesca.
Como disse no primeiro post desta série, o ser humano desde muito tempo busca a perfeição, ou, em outras palavras, algo superior, que transcenda a si próprio, que traga cor e calor para sua vida cinzenta e fria. A guerra, neste sentido, tem servido para isto, levando homens comuns a erguerem-se como heróis em defesa de sua pátria, como ocorreu em Sebastopol, na II Guerra Mundial e mesmo nas guerras modernas. Contudo, o preço que elas cobram por esta transcendência é alto. Ao longo de sua vida e de seus escritos, Tolstoi foi lentamente forjando em si uma consciência pacifista, de que temos que transformar nossas espadas em relhas de arados, mesmo sendo um "herói de guerra". Fico com a impressão que, em nossa busca pela perfeição, devamos destruir essa utopia de que a guerra é algo belo, nobre e necessário, e substituí-la por outra, que cause menos destruição.
Vou demorar para ler "A Ilha" ou "A República", como disse no post anterior, mas não abandonei a idéia de lê-los e comentá-los aqui.