sexta-feira, 17 de agosto de 2007

A Verdade me confunde

ATENÇÃO: o seguinte texto não é engraçado. Se você procura rir, ignore-o.

A história da Psicologia no Brasil é muito interessante e curiosa, pois seus cursos de graduação foram criados por interesse e iniciativa não de psicólogos, mas acadêmicos de outras áreas, interessados em estudar a mente humana usando as ferramentas à sua disposição. Este quadro criou uma certa dicotomia, pois, os cursos eram criados ou em instituições universitárias de ciências naturais, como Medicina ou Biologia, ou em faculdades de ciências humanas, em especial de Filosofia. Acredito que seja desnecessário falar a respeito das diferenças práticas e teóricas existentes entre a Medicina e a Filosofia. O curso de Psicologia da UFRGS foi criado com o Departamento de Psicologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, sendo que tornou-se um Instituto em separado apenas em 1996.

Como bem disse minha professora de História da Psicologia, nosso curso é único, pois só nós temos aulas de Fisiologia e Filosofia na grade curricular. Vamos de um extremo a outro com muita facilidade: do cientificísmo puro e aplicado, até quase o esoterismo. Tudo isto pode ser enquadrado na Psicologia. Talvez esteja exagerando, mas isso não ao caso. O que importa no momento é que somos apresentados a uma vastíssima gama de teorias paralelas altamente discrepantes entre si. Todas elas se sobrepõem em algum momento, explicando o mesmo fenômeno de maneiras completamente diferentes. E não podemos descartar nenhuma teoria, pelo menos não completamente, pois dada a dificuldade de estudar algo tão abstrato e elusivo como a mente humana, dificilmente temos os meios de refutar ou comprová-las. Talvez até possamos, e este é o ponto que quero tocar.

Escrevi os dois primeiros parágrafos inteiros apenas para demonstrar que sofremos fortes influências da Filosofia, e que por causa disso, somos constantemente assolados por questionamentos filosóficos profundos (sem falar que nossa vida fica muito mais complicada quando temos que escrever um texto filosófico sem usar termos como "Ontologia" e "Epistemologia", por que o público-alvo não tem este conhecimento a priori). Estou com uma séria dúvida agora, a respeito das teorias que falei.

De fato, elas são muitas e muito variadas. Frequentemente, são diametralmente opostas entre si. Mas apesar de tamanha variedade, consigo identificar dois grandes grupos de teorias: as Poéticas e as Objetivas. Poderia ter escolhido nomes mais exatos, como "Sofistas" e "Socráticas", mas prefiro nomes mais acessíveis, pois, tirando os eventuais colegas meus que visitam este blog, poucas pessoas aqui estudam filosofia de maneira tão hardcore como eu (a não ser que a UCS tenha arranjado mais uma cadeira caça-níqueis para os cursos da Informática, né Huginn e Lady Hell?).

Enfim, dividi as teorias nestes dois grandes grupos baseado em seus pontos comuns mais evidentes. Os autores das linhas Poéticas são na grande maioria das vezes refinados, com um ar de nobreza e inteligência inatingíveis por meros mortais. E eles fazem questão de demonstrar isto quantas vezes for possível. Com freqüencia, possuem seguidores. Sua obras são volumosas, cobertas por um verniz de intelectualismo, cheios de palavras e conceitos complicadíssimos, incompreensíveis, até. Os autores Objetivos, por outro lado, são um tanto quanto apagados, "plebeus" por assim dizer, muito parecidos ou iguais a qualquer pessoa sobre a face da Terra. Seus textos são, pelo menos comparando com as obras Poéticas, mirrados em páginas, despojados de intelectualismo e conceitos técnicos cabalísticos, contendo apenas o que o autor considerou essencial, escrito num estilo muito simples.

Tanto os Poéticos quanto os Objetivos demonstram interesse em propagar seu conhecimento, mas diferem radicalmente na forma como o fazem. Para ser capaz de compreender o que um Guru Poético ensinou, é necessário primeiramente ser aceito em um grupo de seus seguidores, tornar-se parte de seu séquito. Feito isso, precisa-se estudar por anos, todos os textos que o Guru escreveu. Começa-se pelos escritos mais básicos, que pertencem ao Senso Comum, e ir evoluíndo para os mais avançados e arcanos, sempre procurando absorver, sugar seu conhecimento, entender suas explicações do mundo, tornar-se imagem e semelhança do Guru. Feito isso, você pode ser considerar um Fulanista: um seguidor do Fulanismo, que foi criado pelo grande guru Fulano. Você fez um bom investimento, já que o conhecimento adquirido neste processo é eterno e infalível.

Já com os Objetivos, a coisa já é mais sem graça: você apenas entra em contato com alguma teoria de algum autor, lê, estuda, analisa e vê se é racional ou não. Se você considerar racional, aceita e põe em prática (ou pelo menos tenta por em prática). Caso contrário, jogue fora e procura alguma outra teoria que seja compatível com sua lógica. O problema é que o conhecimento dos Objetivos já vem com prazo de validade, e precisa ser trocado assim que você encontra uma teoria melhor que a que já conhecia.

Acho que divaguei para muito longe da Psicologia. Observei estas duas correntes no meu curso, e devo admitir que sinto-me atraído pelos Objetivos. Talvez por causa de algum fator da minha personalidade, ou por pura ignorância. Não sei dizer bem o porquê. O fato é que, tenho muito mais aulas e explicações sobre teorias que escolhi chamar de "Poéticas" do que sobre as que chamei de "Objetivas". E cada vez mais, percebo que vou na contramão de meus colegas, cujos olhos brilham com as intrincadas e poéticas explicações de certas aulas. Quando pensei no meu apelido para postar no blog, pensei em "Andarilho" por que todo andarilho é solitário por natureza. E estou só nesta jornada, ou pelo menos não tenho muitos companheiros de viagem (que, imagino, preferem a expressão "amolação de facas" à jornada).

Resumindo toda minha dissertação, todos nós buscamos a Verdade, mas de formas diferentes. Muitas pessoas procuram uma explicação convincente, perfeita, que crie um mundo perfeito onde qualquer coisa pode ser explicada (uma Fulanolândia, por assim dizer). Uma vez que encontram esta explicação, se acomodam e se contentam em explicar tudo. Algumas outras, bem poucas, nunca se acomodam, e procuram sempre a Verdade absoluta. Constantemente questionam seu conhecimento, e buscam algo melhor, mais completo. Nunca a encontram, pois parece que sempre falta metade do caminho para percorrer, por mais que tenham caminhado. Portanto, nunca descansam.

Tudo o que vivi me levou a acreditar que a melhor forma de buscar a Verdade incansavelmente, nunca se dando por satisfeito com o que se sabe. Mas agora, depois de ver que tantas pessoas inteligentes preferem acomodar-se com uma explicação convincente o bastante para parar de procurar, fiquei em dúvida. Está é a dúvida filosófica que me assola: qual é o caminho certo?