domingo, 13 de abril de 2008

A História que não nos contam

Na escola, vemos um monte de História. Eu não tinha problemas com isso, já que História era minha matéria preferida, e eu ia muito bem nas provas e trabalhos. Mas a matéria que aprendíamos era, e ainda é, muito incompleta. Apesar de vivermos na América do Sul, quase nada vemos a respeito da história do nosso continente. Já sobre a Europa, vemos desde a pré-história até os dias modernos, de forma quase ininterrupta.

Quando eu estava no Ensino Fundamental, não ligava muito para isso, já que estava plenamente contente em ver a história do Império Romano ao invés do Império Maia, pois qualquer coisa estava boa para mim. No Ensino Médio, não me lembro de estar descontente com o conteúdo dado. Mas hoje sinto uma certa tristeza por não ter aprendido tanto quanto gostaria sobre os povos americanos de antigamente. Sinto-me triste não por que não posso mais estudar (a Wikipédia está aí para isso), mas por que grande parte do que os astecas, toltecas, olmecas, maias, incas, guaranis, apaches e outros povos que habitaram as Américas tinham para dizer foi perdido na colonização européia, por descuido ou preconceito.

E isso é uma pena. Os astecas desenvolveram um sistema filosófico que poderia ser comparado ao da Grécia Antiga de Platão e Aristóteles, e foram arquitetos tão habilidosos quanto os antigos egípcios. Sua mitologia é rica e cheia de símbolos, imagens e histórias. Não é possível estimar quanto disso tudo foi perdido, mas é bastante triste.

Admiro a cultura européia, mas ela está viva ainda hoje, e pode-se dizer que domina o mundo (já que os Estados Unidos, maior potência atual, é predominantemente de cultura européia). Nada foi perdido, ou pelo menos quase nada.

Comecei a pensar a respeito da cultura pré-colonial das Américas por dois motivos. O primeiro e mais visível deles é o webcomic Lords of Death and Life, que conta a história de um maia em sua jornada através do complexo mundo que era o seu mundo. Um mundo de impérios poderosos, cidades construídas através das trocas mercantis e três mil anos de história escrita, mas onde nem a roda existia. O segundo, mais teórico, é relacionado com a Psicologia. Por não pertencerem à família indo-européia, os povos americanos originais teriam origens diferenciadas, e portanto, suas estruturas de valores e da mitologia seriam muito distintas da européia e asiática. Conhecer mais profundamente estas estruturas permitiria descobrir se os mesmos valores identificados no resto do mundo pelos psicólogos positivos e compilados no livro “Character Strengths and Virtues: A Handbook and Classification” são também válidos nas culturas pré-colombianas. Além disso, seria possível comparar as histórias mitológicas, e buscar alguma semelhança fundamental (ou diferença) com as mitologias européias, asiáticas, africanas e aborígines, e aprofundar a teoria de Jung sobre os arquétipos ou refutá-la de vez.

Psicoterapia para todos

Como disse em um post anterior, bons psicoterapeutas empregam práticas durante o tratamento de seus pacientes, não importa sua vinculação teórica, e que estas “estratégias profundas” são utilizadas por pessoas comuns, mas com uma maior sensibilidade em suas vidas cotidianas. E que, muitas vezes, psicólogos tornam-se bons clínicos apesar da teoria que seguem, quando não se tornam clínicos ruins por aterem-se demais à ela. Foi provavelmente isso que levou Carl Rogers a dizer que seria mais proveitoso selecionar terapeutas ao invés de treiná-los. Neste post não pretendo falar mais a respeito da Psicologia Positiva, mas com sua ajuda teórica e prática, falar a respeito de um assunto que venho pensando a respeito faz um bom tempo.

Em uma reportagem do New York Times, foi mostrado um caso na Índia em que pessoas sem formação anterior em psicoterapia são educadas para identificar sintomas e indicadores de transtorno depressivo maior e transtorno de ansiedade em outros e em si mesmo. As formas como estas doenças se manifestam em países ocidentais e orientais é bastante diferente, especialmente no caso da depressão. Apesar das diferenças óbvias que existem entre países ocidentais e orientais na forma de expressar sentimentos (o que influencia a sintomatologia destas doenças nas duas culturas), o caso da Índia é excelente exemplo de política pública a ser implantada no Brasil. Aqui, os detentores do conhecimento de cura são os psiquiatras e psicólogos, que foram devidamente treinados para reconhecer indícios de que alguém padece de um transtorno mental. Mas não existem tantos psiquiatras por aí, e apesar de ter psicólogo se formando a bangu por aí, eles não são onipresentes e oniscientes, e muitas pessoas que sofrem neste exato momento por uma condição que poderia ser tratada não são diagnosticadas, e continuam sofrendo. Por que as faculdades de psicologia ao redor do Brasil e do mundo não seguem o exemplo deste psiquiatra de Goa, e oferecem cursos rápidos de capacitação em identificação de transtornos mentais como a depressão, a ansiedade e outros transtornos de humor e afeto?

Poderíamos começar modestamente e capacitar pessoas que lidam diretamente com o sofrimento alheio. Penso especificamente em líderes de congregações religiosas, como padres, que frequentemente são abordados por seus irmãos de fé em busca de conselhos e orientação. Padres católicos fazem isso com freqüência maior do que outros sacerdotes, por causa de sua obrigação de tomar confissões de qualquer um que entrar em sua paróquia. Além disso, acredito que pessoas que seguem a vida religiosa são em geral mais compassivas, e que seu posicionamento estratégico em comunidades beneficiaria muitos outros (a título de curiosidade, Rogers foi seminarista antes de entrar para a faculdade).

Por ser uma capacitação breve, não seria ensinado muita coisa, até por que existem pessoas que fazem faculdade especialmente para aprendê-las. Se fosse montar um currículo para um curso desses, daria rudimentos de diagnóstico ateórico, baseado no DSM, algumas técnicas e um pouco de teoria de Terapia Cognitivo-Comportamental e Logoterapia, além de um pouco de Psicologia Positiva. Seria superficial, mas seria o suficiente para melhorar a vida de quem está deprimido, ou pelo menos de conduzi-los a um psicoterapeuta. Além disso, as referências seriam fornecidas, permitindo aos interessados em se aprofundar no conteúdo buscar mais leituras e orientação.

Dependendo dos resultados obtidos, poderia se transformar o projeto temporário em algo mais definitivo, voltado para a população em geral.

Viktor Frankl, criador da Logoterapia, buscava tornar sua teoria mais conhecida e abrangente, de forma que mesmo leigos pudessem utilizá-la em suas vidas, tornando-as mais saudáveis e significativas. Entre os princípios da Terapia Cognitivo-Comportamental, está a psicoeducação do paciente a respeito de seu transtorno e do tratamento cognitivo, da mesma forma que projetos que poderiam ser considerados como parte do movimento da Psicologia Positiva tentam promover educação emocional e social em lugares chave, como escolas primárias. O problema metodológico mais óbvio de um experimento como esse seria a mensuração de sua eficiência: como é que eu vou saber se treinar os padres é mais eficiente que treinar as velhas carolas que vão colocar dinheiro na caixinha do altar, ou se não vale a pena perder tempo com isso? Afinal, dificilmente os beneficiados por este projeto vão se manifestar (seja por vergonha ou por não fazerem a menor idéia de tal experimento). Poderia se instruir o líder religioso a pedir feedback aos seus irmãos de fé, após dar-lhes conselhos, mas esta pode ser uma prática altamente reativa, e que poderia influenciar no resultado do experimento.

Em todo caso, é uma medida simples, mais barata do que 5 anos de faculdade de Psicologia (e 10 de faculdade de Medicina e residência em Psiquiatria), mais abrangente e que possibilitaria uma melhora na qualidade de vida de muitas pessoas. Vale a pena pôr em prática.

Melhores Músicas da História

Um pequeno combo com o post anterior. Vale a pena ouvir, apesar do vídeo ser só uma escadaria para o Céu.

Melhores Músicas da História

Stairway To Heaven
Led Zeppelin


There's a lady who's sure all that glitters is gold
And she's buying a stairway to heaven
When she gets there she knows if the stores are all closed
With a word she can get what she came for

Oooh... And she's buying a stairway to heaven

There's a sign on the wall but she wants to be sure
'Cause you know sometimes words have two meanings
In a tree by the brook there's a songbird who sings
Sometimes all of our thoughts are misgiven

Oooh… It makes me wonder
Oooh… It makes me wonder

There's a feeling I get when I look to the west
And my spirit is crying for leaving
In my thoughts I have seen rings of smoke through the trees
And the voices of those who stand looking

Oooh…It makes me wonder
Oooh…And it makes me wonder

And it's whispered that soon, if we all called the tune
Then the piper will lead us to reason
And a new day will dawn for those who stand long
And the forest will echo with laughter

Woe woe woe woe woe oh...

If there's a bustle in your hedgerow
Don't be alarmed now
It's just the spring clean for the May Queen
Yes there are two paths you can go by
but in the long run
There's still time to change the road you're on

And it makes me wonder…
ohhh ooh woe...

Your head is humming and it won't go – in case you don't know
The piper's calling you to join him
Dear lady can you hear the wind blow and did you know
Your stairway lies on the whispering wind

And as we wind on down the road
Our shadows taller than our souls
There walks a lady we all know
Who shines white light and wants to show
How everything still turns to gold
And if you listen very hard
The tune will come to you at last
When all are one and one is all, yeah
To be a rock and not to roll

Oooh...!And she's buying a stairway to heaven...

A Missão da Psicologia

Carl Rogers, o primeiro psicólogo de formação a formular uma teoria psicoterápica e brilhante expoente da Psicologia Humanista, dizia que seria muito mais produtivo e econômico pararmos de treinar psicoterapeutas e nos focarmos em identificá-los. Estaria Rogers sendo determinista, declarando que é inútil treinarmos pessoas que não nasceram terapeutas? Qualquer um que tenha lido algo escrito por ele dirá que não. O que Rogers quis dizer com isso é que a formação psicoterápica (pelo menos de seu tempo) era falha, e que bons psicólogos e psiquiatras clínicos eram bons apesar de seu treinamento, e graças aos seus talentos pessoais. Esta crença foi corroborada por pesquisas realizadas muito tempo depois de Rogers ter partido, em especial a análise feita por Martin Seligman baseado nos dados coletados pela revista Consumer Reports. Basicamente, os dados revelavam que não havia diferença palpável entre as escolas de terapia utilizadas. Ademais, a maioria dos psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais depois contatados definiram-se como sendo “ecléticos”, ao invés de presos por juramento a uma teoria específica. Com base nestes dados, podemos pensar que as teorias atuais de psicologia e psiquiatria diferem apenas em um nível muito superficial, e que todas sustentam-se sob uma base comum – coisas que todo bom psicoterapeuta faz em terapia, independente de sua filiação intelectual. Esses hábitos mais profundos são senso comum entre bons clínicos, mas não o é entre muitos professores universitários, que, pressionados pelo clima de guerra intelectual, focam-se em diferenças epistemológicas e ontológicas bobocas uns contra os outros, e que na melhor das hipóteses esquecem de ensinar o óbvio, e na pior, as abominam e repreendem estudantes que as buscam ou praticam (o que, mais uma vez, mostra que selecionar psicoterapeutas talvez fosse melhor do que treiná-los).

Mas o que são essas boas práticas comuns para os bons clínicos, que escapam a visão mais ampla dos acadêmicos? Coisas absolutamente bobas, que qualquer pessoa de bom coração já faz: demonstrar empatia, escutar com atenção, construir relações de confiança e honestidade, e reforçar as qualidades dos pacientes. Martin Seligman chama estas práticas “estratégias profundas”. Pode parecer bobice isso que eu disse, mas mais bobice ainda é o fato de que, por mais necessárias que estas qualidades sejam para um bom psicoterapeuta, os professores dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia as ignorem. Por que isso acontece? Basicamente, quando a Psicologia foi estabelecida como ciência da saúde, depois da Segunda Guerra Mundial, ela adotou o modelo médico-psiquiátrico de clínica e pesquisa – procure uma doença, encontre e cure. Este modelo funciona muito bem para doenças mais palpáveis, como cardiopatias e dores musculares, mas não é tão eficaz com os elusivos problemas do ramo da psicopatologia. Eu posso identificar a etiologia de um infarto (fumo, bebida, sedentarismo, propensão genética), mas eu posso fazer o mesmo com a depressão? O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) da American Psychiatric Association mostra que isso não é possível ainda, já que limita-se a descrever a sintomatologia. Esta lacuna dá espaço para muitas teorizações diversas e frequentemente conflitantes, o que permite que não exista contradição para um estudante de Psicologia ter na faculdade aulas de neurofisiologia, psicanálise lacaniana e análise experimental do comportamento. E aqui, volto para o problema das guerras teóricas entre acadêmicos, completando um ciclo.

Mas por que o modelo médico-psiquiátrico não obteve os mesmos progressos que obteve na cardiologia no campo da psicologia? Pega o DSM e lê algumas páginas. Além de ser surpreendentemente hilariante (como no caso do Transtorno de Pica), é possível perceber um padrão claro no que lá está escrito. Sendo meio ingênuo, só tem coisa ruim. O DSM é um manual incrivelmente útil e um progresso na prática diagnóstica, mas é severamente limitado por focar-se apenas em consertar o que está quebrado ao invés de fortalecer o que há de bom. E é esta a tese que Martin Seligman, ex-presidente da American Psychological Association e um dos precursores do movimento da Psicologia Positiva propõe. Segundo ele, e muitos outros pesquisadores importantes, a Psicologia obteve progressos consideráveis utilizando-se do modelo patológico (encontre o problema e o conserte), tanto que hoje em dia é possível atenuar enormemente os problemas de 14 transtornos mentais. Entretanto, esse modelo por si só está esgotado. A Psicologia tinha três missões antes da Segunda Guerra: curar as doenças mentais, fazer as vidas das pessoas mais felizes e estimular as habilidades de gênios e prodígios. Entretanto, pela doença ter se tornado o problema mais urgente naquela época, e o dinheiro de financiamento para pesquisas ter ido todo para quem buscava consertar doenças mentais, as outras duas foram sumariamente negligenciadas. Entretanto, os clínicos continuaram tacitamente a cultivar as virtudes dos pacientes, apesar de não o perceberem (ou aprovarem conscientemente tais práticas). O exemplo mais óbvio disto vem do próprio Freud. Em 1892, ele tratou e curou Elisabeth von R., uma jovem histérica que apaixonara-se pelo viúvo de sua irmã, e que por isso desenvolveu um problema psicogênico para caminhar. Freud originalmente concluiu que o êxito do tratamento devia-se a sua técnica psicanalítica, mas ao revisar suas anotações sobre o caso, percebeu que suas técnicas terapêuticas nada adicionaram de relevante ao tratamento, o que o levou a concluir que foi um “milagre”. Entretanto, se lermos o caso todo (como Irvin Yalom), veremos que Freud não se limitou ao seu consultório: falou com a mãe da paciente para que esta desse apoio emocional para a filha, constantemente tranqüilizou a paciente de que ela não era uma imoral, bem pelo contrário, que só uma pessoa muito honrada e nobre poderia sentir-se culpada por seus pensamentos, e quando Elisabeth estava curada, Freud foi vê-la dançar em um baile. O brilhante pai da psicanálise fez tudo o que um bom terapeuta faria: estabeleceu uma relação de confiança e honestidade com a paciente, foi um bom ouvinte e fortaleceu o que havia de bom em Elisabeth. Mas apesar de seu sucesso, ele foi incapaz de perceber a mágica que fizera, e preferiu ir chafurdar em sua nihilsta teoria da psicodinâmica e do Complexo de Édipo.

Durante quase todo o século XX, a Psicologia tentou imitar a Medicina, e deixou de lado as qualidades humanas, com as notáveis exceções dos psicólogos humanistas Carl Rogers, Abraham Maslow e William James, homens notáveis que cometeram o erro de nascerem em épocas em que suas teorias positivas a respeito da natureza humana não seriam valorizadas, preteridas em benefício de outras, que consideram as pessoas amontoados de emoções negativas e falsidade, ou o tracinho entre um estímulo e uma resposta. Mas suas obras estão sendo retomadas agora com grande ímpeto por milhares de pesquisadores, não só clínicos, mas também sociólogos, antropólogos, economistas e pesquisadores. Um dos mais notáveis esforços de pesquisa empreendidos até o momento foi a criação de um manual taxonômico de qualidades e valores, em moldes parecidos com o DSM.

Os proponentes da Psicologia Positiva não a imaginam como uma “revolução paradigmática” de que Thomas Kuhn falava (aliás, Seligman admite estar um pouco de saco cheio dessa abordagem histórica), pois não buscam destruir a antiga Psicologia “Negativa”. Na verdade, pretendem apenas complementá-la, e estudar o que até então fora negligenciado, utilizando-se das mesmas ferramentas metodológicas atualmente empregadas.

A Psicologia é ao mesmo tempo ciência da saúde e humana, o que implica que ela, ao mesmo tempo que busca tornar as vidas de todos os seres humanos mais saudáveis, também transcende o sistema de saúde, pois busca tornar nossas vidas mais do que meramente assintomáticas expressões de vida; até então, ela buscou apenas nos tirar de um nível -5 de felicidade para um nível 0. A Psicologia Positiva propõe irmos do 0 para o +5 em felicidade, e não só isso: que esta vida seja produtiva e que tenha um significado. Martin Seligman diz que, tornar a vida das pessoas melhor em todos os seus aspectos é o direito e a missão da Psicologia. Agora é a hora de tomá-la de volta em nossas mãos, e fazê-la acontecer.