domingo, 28 de junho de 2009

Postura Terapêutica em Situações Complicadas

Esse post é baseado em uma conversa que eu e meu colega Bruno tivemos no Google Talk. É curta, mas aborda assuntos que todos que trabalham na área da saúde eventualmente terão que confrontar, especialmente profissionais da saúde mental. Corrigi erros de português e coloquei umas palavras a mais para deixar o texto mais claro, mas não mudei sua essência. Aqui vai ele:

Eu: Cara, mudando de assunto, qual tua opinião a respeito de dizer o diagnóstico para o paciente? Por exemplo, dizer para uma paciente que ela é borderline? Tu acha que é terapêutico ou iatrogênico?

Bruno: depende de cada caso, e do teu plano sobre o que fazer ao informá-lo. No caso, digamos, de uma adolescente identificada como borderline, primeiro, é preciso testar rigorosamente essa hipótese. Também é preciso avaliar a gravidade. Se ela tem muitas tendências suicidas, e já tentou matar ex-namorados algumas vezes é bom informar a ela e aos seus familiares o que é isso e como proceder, e porque é importante ela se manter em tratamento. Por que a pergunta?

Eu: Interesse acadêmico. Meu supervisor local falou sobre isso esses tempos lá no Morada, e depois eu ouvi alguém no congresso falar exatamente o oposto.

Bruno: Hummmmm... teu supervisor local se posicionou contra a devolução do diagnostico?

Eu: Sim – disse que era iatrogênico dizer para alguém que ele era neurótico, por que ela se identificaria com isso. Ou algo assim.

Bruno: Hummmmm... No caso do diagnostico estrutural psicanalítico, eu acho que sim. E de transtornos de personalidade também... com exceção de borderline, talvez. Tipo, não me parece que ajuda dizer pro paciente que ele é histriônico ou narcisista, mas dizer que ele tem Transtorno de Humor Bipolar, personalidade borderline, epilepsia ou esquizofrenia parece muito benéfico, porque ajuda ele a se entender, e entender que aquilo vai continuar pra sempre mesmo, e vai ter que seguir em tratamento psicológico e farmacológico.

Eu: Então, na tua opinião, depende do transtorno?

Bruno: Depende do beneficio que for trazer. Tem transtornos que parecem não trazer beneficio nenhum, enquanto outros sim.

Eu: É contextual, então.

Bruno: Aham, e depende muito da conduta do terapeuta. Tipo, só mostrar o diagnostico vai deixar o paciente muito confuso. É importante explicar como funciona e, principalmente, o que fazer. Isso tem que ajudar ele a se entender, ser compreendido por familiares e colegas, e fornecer o instrumental para ele viver uma vida mais feliz

Eu: E, mais importante, o terapeuta deve deixar claro que tem tratamento, por que se não, daí sim é iatrogênico.

Bruno: Bah, muito boa. Isso se aplica pra diagnosticos psi. Lembra da Síndrome de Huntington? Ou da Síndrome de Hatch? São doenças neurodegenerativas muito graves e sem cura, e é um baita dilema sobre dizer ou não que a pessoa pode demenciar e morrer logo. Mas acho que aí que ta o tentar oferecer uma vida de menos sofrimento. Tipo, dizer isso pra um adulto, que ele vai demenciar e morrer dentro de dez anos, tem que ser acompanhado de um baita trabalho para estimulá-lo a aproveitar a sua vida plenamente, se não ele vai acreditar que não vale a pena viver. E dar a certeza de que, quando ele demenciar, sua família vai acolhe-lo com cobertores quentinhos, comida boa e deixá-lo vendo desenho e levando-o para a praça ou para ver o mar.

Eu: Essa certeza é meio complicada de dar, considerando que não depende da gente.

Bruno: Sim, sim. Mas a gente tem que fazer esse acordo com a família.

Eu: E torcer para que eles cumpram com a palavra deles (ou que o paciente demencie logo e não lembre nada a respeito disso).

Bruno: XDDDDDDDDD

Eu: Em todo caso, a gente cai na velha discussão de "quem cuida dos cuidadores?" - por que, por um lado, cuidar de um familiar demenciado não é fácil, mas por outro, cumprir a promessa de dar cuidado para ele pode dar uma sensação de sentido para os cuidadores.

Bruno: por isso a importância do acompanhamento. Os familiares também sofrem, e precisam desse amparo e de orientação.

Publicado originalmente nos Amoladores de Facas.