sábado, 30 de agosto de 2008

Músicas Bonitas

Posto aqui uma das músicas mais marcantes da trilha sonora do filme "Gladiador" - "Now We Are Free". A letra não faz sentido algum (especialmente se levarmos em consideração que a cantora inventou a língua em que canta), mas continua sendo muito bonita.

Criatividade

Quando pensamos em criatividade ou invenção, pensamos em um processo linear, com início, meio e fim determinados, em ordem certa e invariável. Bem, penso que este modelo é muito limitado, pois acredito que muito poucas pessoas trabalham desta maneira.

Meu próprio processo criativo é bastante confuso, se comparado com este modelo ideal. Não há um começo pré-determinado, apenas um fim – que é quando eu termino de escrever, desenhar, pintar ou o que quer que seja. O começo do meu processo criativo pode se dar com a leitura de um livro, que leva uma idéia a pipocar na minha mente. No caso dos textos, é geralmente uma máxima filosófica ou afirmação categórica que faz todo sentido para mim. Eu poderia escrevê-las aqui no blog como as imagino originalmente, mas talvez elas fiquem carentes de sentido. Começo, então, a pensar em todo um corpo de texto que introduza o assunto, exponha meu ponto de vista expresso pela máxima e minhas justificativas para acreditar nisto. Vou imaginando os argumentos com o tempo, e se estou perto do computador ou com papel e caneta em mãos, os escrevo. Às vezes, consigo imaginar textos inteiros em minha mente, mas os esqueço por não conseguir escrevê-los em material mais permanente do que meu fluxo de consciência, ficando apenas a máxima que iniciara tudo. Quando chego no computador, preciso, a partir dela, reconstruir tudo, e poucas foram as vezes que consegui reconstituir perfeitamente a idéia anteriormente perdida.

Acho que o processo criativo é mais complicado que isto. No livro “Tornar-se Pessoa”, Carl Rogers relata o depoimento gravado de um de seus clientes sobre justamente isto que estou falando. Este cliente relata que criar alguma coisa é um processo muito parecido com revelar uma foto (à moda antiga, já que na década 1950 não existiam máquinas digitais): você embebe o papel especial naquele líquido estranho. A imagem começa a se formar em um ponto, e vai se espalhando pelo papel, até ocupá-lo por inteiro e tornar-se um todo coerente e integrado. Ele expressou de uma forma bela e precisa algo que há tempos já imaginava, mas nunca conseguira pôr em palavras. Bonito, não?

Humildade e Verdade

Acredito que foi Descartes que disse pela primeira vez, no Discurso do Método, que o “bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: todos estão convencidos de terem o suficiente”. Não sei qual foi sua intenção original ao escrever isto, mas atualmente soa como uma fina ironia – pois mesmo os psicóticos se crêem as criaturas mais sãs do universo.

Acredito que esta fé absoluta na razão, esta crença de que somos plenamente capazes de entender e resolver qualquer coisa é uma das maiores fontes de miséria humana. Esta quinta-feira fui surpreendido por uma afirmação de um colega meu. Durante nosso percurso entre a parada de ônibus e o RU, ele disse que “quem faz filosofia não tem senso crítico, mas quem faz ciência tem”. Obviamente, ele se intitula um cientista. Alguns segundos depois ele reviu sua posição, já que eu e outro colega meu despejamos argumentos contrários, e ele fora forçado a ver que toda a ciência repousa sobre a base de uma metateórica filosófica. Ainda assim, esta afirmação evidencia o que acredito ser justamente a falta de senso crítico de meu colega. É tão garantido para ele estar certo que todos os outros sempre estarão errados, por mais absurdas que sejam suas próprias opiniões (do meu colega, entenda-se). Fiquei um tanto quanto indignado com isto, pois me é inconcebível ter tamanha certeza. Mas isto também me levou a pensar: até que ponto eu não faço o mesmo?

Ontem tive uma prova incontestável da minha prepotência. Já afirmei várias vezes que sou arrogante, mas nunca antes experienciei isto como tão verdadeiro e profundo. Em outras palavras, nunca me senti tão humilde, e tão necessitado de humildade quanto ontem. Trouxe-me à consciência, mais uma vez, a necessidade da honestidade, pois é impossível ser humilde sem ser absolutamente honesto. Muitas vezes nos enredamos em filosofias solipsitas e radicalmente relativistas não por que realmente acreditamos nelas, mas por que elas nos tornam invulneráveis a críticas e a erros. Torna-nos “perfeitos”. Mas que perfeição é esta? A verdadeira honestidade, como eu a vivencio, não é complacente nem justificadora: é absoluta. Desconfie de alguém que tem sempre respostas e justificativas para tudo, pois em algum momento ele estará errado, mas não terá coragem de admitir e mentirá. Para ele, é preferível manter a imagem idealizada de si mesmo do que buscá-la – a busca envolve dor, ao passo que a idealização consiste meramente em ficar sentado sonhando. Uma pessoa honesta, por outro lado, admitirá antes de mais nada que ela mesma não é honesta, que em algum momento ela invariavelmente cairá na fraqueza de justificar-se, e que é necessário estar sempre atento para não sustentar uma ilusão egoísta.

Não sei definir ao certo se a honestidade é decorrente de um profundo desejo de conhecer a verdade, ou se desejamos conhecer a verdade por que somos honestos. Muito provavelmente sejam as duas coisas. Posso, contudo, dizer que quanto mais ilusões abandonamos, mais capazes de identificar erros nos tornamos, e mais próximos da verdade chegamos.

Treino e Fluxo

Ontem no treino tive uma sensação curiosa. Ela era mais empolgante ali no momento, sendo que contá-la aqui, depois de tantas horas passadas após ter acabado, não faz justiça ao que senti.

Professor de Kung Fu é bicho sádico. Eu imagino que eles não dormem à noite, pois ficam maquinando e imaginando novas e dolorosas formas de treinar seus pupilos. Deve existir uma revista especializada nisso, que só professores com mais de 10 anos de cátedra podem assinar!

Ontem, depois do aquecimento, do alongamento e dos treinos de forma de praxe, o professor ordenou “todo mundo vai lá pegar dois tatames e montem aqui, a parte áspera para baixo e a parte lisa para cima”. Eu já treino há tempo o suficiente para poder imaginar que nada de bom pode vir depois de uma ordem dessas. Exclamei um impotente “ai” e fui pegar meus dois tatames e montá-los. Como eu bem imaginava, seria um intensivo de rolamentos. Para quem não sabe, “rolamento” é uma classe de técnicas usadas para cair no chão sem se machucar, e imediatamente se levantar. Elas foram idealizadas para situações de risco de vida, especialmente brigas, e as treinamos de forma tal que, quando for necessário, sejamos capazes de cair, levantar e bater... ou correr, o que for mais conveniente. Este intensivo é famoso por ser cansativo ao ponto de ser alucinógeno (tente ficar rolando de um lado para o outro no chão sem ter algum tipo de delírio).

Lembro-me que, quando treinava em Caxias ainda, havia as aulas específicas de rolamento, que ocorriam quando o professor bem entendia. Estas não eram intensivas, mas extensivas, e tomavam toda uma hora. Eu tinha medo destes dias. Rolamentos envolvem cair, e cair envolve a força da gravidade, que, se mal administrada, causa dor. Oh sim, eu conheço a dor de cair repetidas vezes. Uma das piores idéias que já tive foi ir treinar dois dias de rolamentos seguidos, na quinta e na sexta-feiras. Passei um fim de semana inteiro dormindo de bruços e tomando na bunda analgésico.

Ontem eu não tive muito tempo para sentir medo. Eu simplesmente montei meus tatames, e, ao comando do professor, caí e me levantei de novo. Em minha mente não havia nada, apenas a sensação dos movimentos. Se errava alguma coisa, analisava rapidamente o que precisava concertar e aplicava na próxima tentativa. Não existia lugar para medo, insegurança, hesitação ou alegria. Tudo isto era irrelevante diante dos rolamentos.

Depois que terminamos o intensivo, estávamos cansados, e certamente alguns de nós ficaram doloridos e com hematomas, especialmente os mais novos. Curiosamente, não acredito que isto tenha acontecido apenas por não saber executar o movimento físico perfeitamente, por “inexperiência pura”, por assim dizer. Tenho a impressão de que foram aqueles que temeram a dor e o ferimento que mais sentiram dor e se machucaram, pois sua atenção estava por demais tomada para prestarem atenção nos próprios movimentos. Engraçado como o medo, que surgiu ao longo de bilhões de anos de evolução como um mecanismo de proteção e sobrevivência, seja aqui o responsável por aquilo que tentara evitar.

Findo o treino, os exercícios e tudo o mais, voltei para casa. Estava feliz com o treino do dia, pensando como fora produtivo. Foi então que me ocorreu que não me sentira feliz durante quase nenhum momento do treino, e tampouco triste ou assustado. Percebi que passara o tempo inteiro concentrado no momento à minha disposição para agir, na minha ação. “Oh meu Deus” pensei comigo mesmo “passei o treino inteiro em fluxo”.

Eu adoro o Kung Fu.