segunda-feira, 2 de março de 2009

Finais e Recomeços

Fui dormir tarde ontem, às quatro da manhã, acometido de uma certa insônia, fruto da minha indisciplina de verão, e tarde despertei esta manhã. Apesar da chuva, era uma manhã como outra qualquer, mas parecia que algo tinha mudado profundamente. O ar frio que entrava pelas janelas de casa não tinha mais a mesma leveza, e como que me lembrava que não poderia mais ficar deitado. Hoje começaram minhas aulas. E este fato, mais do que o clima chuvoso, parecia tornar a atmosfera ao meu redor mais pesada, carregada da responsabilidade de ir à faculdade, assistir seminários, fazer trabalhos.

Desde meus seis ou sete anos, na primeira série do primeiro grau, sentia que o espírito que envolve as férias ou as aulas são distintos como água e vinho. Na primeira manhã que passei em Porto Alegre depois da minha viagem pela Argentina também chovia, mas os pingos de água que caiam sobre mim eram completamente diferentes do que tamborilam pela minha janela neste momento. A chuva, o cheiro das ruas, as pessoas caminhando pelas calçadas e os carros, tudo me trazia a sensação de tranquilidade, sossêgo e contemplação que sentia durante minhas férias e o tempo que passava na praia. Não precisava ir a lugar algum, e minhas pernas, protegidas apenas por frágeis chinelos e bermudas, poderiam levar-me onde quer que quisessem. Hoje, apesar de praticamente não ter aulas, posto que fui fazer um exame médico de manhã e que a primeira aula da tarde fora cancelada, não tenho mais esta sensação. O que senti esta manhã foi que tinha que estar em outros lugares que não onde já estava. Meu passo tranquilo, sossegado e contemplativo teve que dar lugar às passadas rápidas, inquietas e focadas em alguma coisa mais além do que minha vista alcança, ao pesado sentimento de dever que acompanham a volta às aulas, e minhas pernas, agora firmemente vestidas com botas impermeáveis e calças jeans, voltaram a obedecer meus comandos, pois não mais poderiam levar-me para ver tudo que quisessem, mas sim a cumprir tarefas, uma após a outra, e a própria chuva, seu cheiro, as pessoas na parada esperando o ônibus e os carros passando pela Ipiranga lembravam-me de tudo isto.

Apesar do ar carregado que envolve Porto Alegre nesta volta à vida regrada e certinha que a maioria de nós precisa viver após o Carnaval, não desejo que isto acabe e que as férias voltem. Não por que meu tempo de descanso tenha sido ruim, mas justamente por que ele foi tão bemaproveitado - nele, vivi desde a mais intensa aventura até a mais profunda contemplação; a solidão mais silente de meu quarto até a camaradagem ruidosa dos bares da Cidade Baixa; a dureza dos treinos até o ócio completo; o vento gelado da Patagônia e o calor de um abraço carinhoso. Como diria Viktor Frankl, estas memórias agora estão para sempre guardadas em meu passado, e ninguém as tirará de mim. Mas, por mais belo que o passado seja, nada acontece lá. Tenho agora, diante de mim, o desafio que o futuro me lança agora, com os estágios e as aulas. E é meu dever aceitá-lo.