sábado, 17 de março de 2012

Ação, Inação e Meditação

A língua inglesa possui algumas expressões que, apesar de significarem coisas que não são estranhas a nós falantes do português, por assumirem uma forma diferente da nossa, e portanto com um toque de estranheza, estimulam em nós reflexões diferentes daquelas que faríamos se as ouvíssemos em nossa língua materna.

O termo que capturou minha imaginação hoje foi "Ebb and Flow." Numa tradução grosseira e pouco inspirada, ela significa "maré alta e maré baixa". Entretanto, como o inglês tem uma longa história de autores que exploram ao máximo sua capacidade de expressar ideias através de imagens e metáforas de maneiras instigantes, "Ebb and Flow" é frequentemente usado para descrever os altos e baixos da vida - a nossa alternância entre euforia e depressão, abundância e pobreza, paixão e apatia, festa e solidão, ação intensa e pasmaceira.

Do mesmo modo que a vida alterna entre vales e montanhas, nós também variamos a maneira como vemos estes momentos. Às vezes, vemos os momentos de grande intensidade e força como oportunidades únicas, e como nadadores audazes, nos atiramos ao mar para nadar em plena noite de tempestade. Porém, em outro momento, às vezes imediatamente após termos nos atirado apaixonadamente em águas revoltas para conquistar a glória, sentimos a intensidade como cruel em nosso corpo, e a força insuportável para nossa mente. Então, passamos a sonhar com um refúgio para nossas almas abatidas, uma grande planície ensolarada, com campos de trigo a perder de vista e uma pequena casa de madeira no meio de tudo, onde o calor do fogão à lenha e doses generosas de comida caseira e descanso curariam nossas feridas mais profundas. Desfrutamos desta paz e serenidade, mas apenas até o momento em que começamos a sentir o calor do fogão como opressivo, a comida sem gosto e a paz e serenidade que antes tanto desejávamos como tédio e pasmaceira, e nossos olhos se tornam inquietos na busca de um cavalo ágil e feroz que nos leve o quanto antes até os mesmos mares que antes nos assustaram.

Nós, seres humanos, também temos nosso "Ebb and Flow", e isso não seria um problema, se não nos desviasse tantas vezes e com tanta intensidade de nossos valores mais amados. Queremos nos tornar bons profissionais, mas estudar é chato e sair todas as noites não; queremos ser bons colegas, bons amigos, bons companheiros, mas o sarcasmo vem mais fácil para a ponta da língua do que a compaixão; queremos ser fortes e velozes, mas o sofá da sala e suas cobertas quentinhas é muito mais convidativo do que a pista de corrida e a academia. Mais vezes do que queremos admitir, nós não temos a menor escolha sobre nossos próprios atos. Em seu livro "A Conquista da Mente", o professor de meditação indiano Eknath Easwaran conta que viu em um pedaço de madeira sendo jogado para lá e para cá pelas ondas de um mar encapelado a metáfora perfeita para o ser humano que não disciplinou a sua vontade - uma hora, as águas nos jogam em terra firme, e ficamos ali, parados, como se quiséssemos dizer "eu quero estar aqui, por que a areia é fofa e agradável, enquanto que o oceano é salgado e frio. Não quero mais nada lá!"; cinco minutos depois, quando elas nos puxam de volta para seu meio, nos vemos dando outra explicação "mudei de idéia, sabe? A areia é muito parada, chata, não me deixa expressar meu verdadeiro potencial. O oceano é empolgante, e é nele que eu vou nadar!" E assim, seguimos nossa vida, fazendo muito e agindo pouco, buscando sempre e encontrando nada no final.

A natureza humana é dupla, por que ao mesmo tempo em que precisamos de descanso e conforto, precisamos de ação e aventura. Nosso maior problema não é essa duplicidade aparentemente contraditória; nosso maior problema, na verdade, é pensar que aquilo que queremos é aquilo de que necessitamos. Para um indivíduo disciplinado, o querer e o precisar se sobrepõe de maneira quase perfeita. Para a maioria de nós, entretanto, que cresceu buscando o prazer e evitando o desprazer sem nenhuma reflexão sobre as consequencias de nosso comportamento, confundimos tudo, buscando coisas que nos fazem mal por que queremos o prazer a elas associado, e evitando as coisas que precisamos por que não queremos o desconforto que vem com elas. A curto prazo, sentimos euforia, mas a longo prazo nos sentimos vazios.

No mesmo dia em que viu aquele pedaço de madeira sendo jogado pela água e pelo vento como um brinquedo barato, Eknath viu outra cena que estimulou sua imaginação e que também virou uma lição de meditação em "A Conquista da Mente". Mais ao fundo no mar, ele viu dois meninos, um mais novo e outro mais velho, em cima de pranchas, tentando surfar as poderosas ondas da tempestade. O mais novo era um tanto quanto inexperiente, e volta e meia tomava uns caldos. O mais velho, porém, sabia o que estava fazendo, e quando menos se esperava, estava em pé sobre sua prancha, riscando velozmente o mar e usando a sua fúria como sua fonte de energia. Para Eknath, a conquista da mente é exatamente isto - domar as enormes forças selvagens que temos dentro de nós para nos levar adiante na vida. Tal como no surf, na meditação precisamos adentrar o mar do nosso inconsciente, sentar em nossas pranchas e esperar o momento certo de nos atirarmos em uma onda que nos levará para a frente. No começo, não sabemos diferenciar as ondas boas daquelas que não darão em nada, ou que nos jogarão para qualquer lado como um boneco de posto de gasolina; tomamos muitos caldos, mas, se depois de cada um deles, insistirmos em tentarmos mais uma vez, acabamos aprendendo a surfar cada vez melhor. Precisamos, também, saber quando sair do mar e voltar para casa, por que embora a meditação, tal como o surfe praticado conscientemente, nos ensine lições preciosas, é na agitação da vida diária que devemos aplicá-las.

Para um meditador experiente, como o próprio Eknath, não há diferença radical entre o repouso e a ação - sempre se está em repouso na ação, e em ação durante o repouso. Mantém-se a serenidade interior mesmo na maior das tempestades da vida, e treinando e se preparando nos momentos mais tranquilos. Quem adquire esta habilidade consegue focar sua atenção sem hesitação, faz o que precisa ser feito e atinge os objetivos mais distantes, honrando aqueles valores que um dia escolheu seguir.

E é por isso que hoje, ao contrário de seguir a minha rotina e ficar na inércia em casa, vou me arrumar, sair de casa e ver uns amigos na Cidade Baixa. A meditação é um processo constante, que deve ser praticado em todos os momentos da vida.

E como bônus, aqui vai a trilha sonora que embalou a escrita deste post: The Tragic Prince - Castlevania Symphony of the Night Soundtrack.