terça-feira, 29 de abril de 2008

Viver e Morrer

Recentemente, a mãe de uma colega minha faleceu. Esta tarde seu corpo foi velado e enterrado. Em solidariedade a nossa colega, muitos de nós comparecemos ao ritual e prestamos nossas condolências. Eu estava entre os que fizeram isto.

Não foi uma atividade agradável em absoluto, mas tudo parece menos pesado quando quem morre não é seu conhecido direto. Justamente por isso, não sentimo-nos obrigados a permanecer no velório, e fomos fazer um “passeio turístico” pelo cemitério.

O cemitério em questão é o da Irmandade Arcanjo São Miguel e Almas, o segundo mais antigo da cidade de Porto Alegre e seguramente o maior. Lembro-me do vestibular, quando todos os dias, quando ia para meu local de prova eu passava do lado do imponente lugar, com seus quatro ou cinco andares de colunas gregas, e me impressionava pensando em quantos poderiam ali estar enterrados. Eu e dois colegas meus decidimos olhar os jazigos e os nomes dos ali sepultados.

Demoramos um pouco até chegarmos à parte “nobre” do cemitério, onde apenas as famílias mais ricas e tradicionais de Porto Alegre, e por extensão, do estado, repousam eternamente. Meus colegas discutiam ativamente os dotes artísticos dos mausoléus, com suas estátuas, entalhes e detalhes. Por mais que este tipo de atividade me interesse, não conseguia deixar de pensar como gastamos preciosos recursos para tornar nossa morte mais aceitável, tornando-a esteticamente agradável. Aposto que os moradores do cemitério não se importam com o aspecto de suas casas. Isso não se restringe a construir belas pirâmides não-triangulares, mas nos leva a fabricar caixões extremamente adornados, e a sacrificar milhares de flores para enfeitarem nosso pós-vida, tal e qual faraós latino-americanos. “Deixem que os mortos enterrem seus mortos” disse certa vez Jesus, mas parece que este conselho, junto com tantos outros que ele dera, foi ignorado sumariamente.

Mais do que pensar no dinheiro gasto inutilmente, fiquei pensando em como quero morrer – devo ser cremado, sepultado sobre a terra ou devo construir um pequeno Taj Mahal para mim e minha família?

Mas mais do que como morrer, fiquei pensando em como viver. Não posso escolher quanto tempo viverei, mas posso decidir como viverei o tempo que me é dado, seja por Deus, pela natureza ou pelo acaso. Meu colega, na hora do sepultamento, contemplando toda a triste cena, fez um comentário extremamente sagaz. “Engraçado como as pessoas esquecem que vão morrer” ele disse. Assenti. E pensei em quantas pessoas passam suas existências num estado de olvidada sobrevida, nunca chegando a de fato viver, por que esquecem-se que irão morrer. A lembrança da morte é poderosa, e não raro motivou pessoas a tomarem um rumo em suas vidas. Algumas, caindo em triste nihilismo, entregaram-se ao hedonismo desmedido, ao jogo, à bebida e às drogas. Outras preferiram dedicar seu tempo de existência a algo maior que elas – a família, a pátria, a humanidade.

Tenho crenças pessoais sobre o que irá acontecer quando morrer. Entretanto, estas crenças são irrelevantes diante da tarefa de viver. Até que se prove o contrário, tenho apenas uma vida para viver, apenas um corpo para me locomover, e nenhuma bússola para guiar meus passos em rumo à um sentido – o que torna tanto o nihilismo quanto a esperança vias igualmente aceitáveis para se seguir. E apesar de preferir fortemente a segunda opção, não raro penso em qual sentido de viver de tal forma que tudo que eu fizer torne-se nada mais do que um mausoléu fora do cemitério.