quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Fui pro Lado Esquisito da Força de vez

Quando eu estava viajando pela Patagônia junto com o Marcelo, passamos a noite em um camping em Ushuaia. Essa informação é absolutamente irrelevante para o que eu tenho para dizer, mas eu queria dizer mesmo assim por que Ushuaia é uma cidade fantástica. Em todo caso, nesse camping, tive a oportunidade de ver um magrão que, de tão esquisito, poderia estudar na UFRGS com a gente. O que mais me chamou a atenção foi que ele tinha como que uma mochila inteira para carregar temperos: vidrinhos com pózinhos, líquidos, ervas das mais diversas cores. Na época, achei estranho. Hoje, entretanto, reconheço a idéia como genial.

Decidi abraçar de vez a minha esquisitice hoje. Passando no mercado, comprei um vidro de tempero de pimenta que, junto com meu azeite de oliva e meu queijo ralado, vão andar sempre comigo em minha mochila, em um compartimento especial para carregar temperos, para, quando eu for comer no RU, eu não dependa só do sal e do vinagrete que a Mãe UFRGS me oferece. Agora, só falta eu criar barba e fazer dreadlock, por que fazer ripongagem eu já faço há tempos.

Arqueologia Musical do Self

Já falei aqui, em algum outro post, daquilo que o Marcelo chamou de "Arqueologia do Self" - seria o ato de redescobrir camadas antigas e encobertas do Self, através da leitura de diários, textos, poemas, qualquer coisa dos tempos passados.

Sempre que pensava nesse intrigante conceito, pensava apenas em leituras, produções intelectuais que ajudassem a lembrar como eram as coisas no passado. Hoje, para minha grata surpresa, percebi que também se pode fazer isso de maneira vivencial através da música. Apesar de ter ficado surpreso com essa descoberta, ela não é exatamente novidade para mim. Na verdade, a surpresa vem mais do fato de eu ter demorado tanto tempo para perceber que, ao ouvir músicas que não escuto há muito tempo, também estou desencavando não só artefatos do meu passado psicológico, mas também todo o modo de viver e sentir que operava naquela época.

Botei para tocar Underdog, do Turin Brakes, depois de um bom tempo sem ouvi-la. Conheci essa música por causa de Smallville - ela tocou ainda na primeira temporada. Ouvindo-a novamente, me recordo daquele tempo: ainda era vestibulando, morava em Caxias e ainda não tinha entrado na UFRGS. Sinto-me simultaneamente nostálgico por lembrar daquela fase da minha vida, e impressionado com quanto as coisas mudaram desde então. Nada, praticamente nada do que me preocupava à época me preocupa hoje - as paixões, os dramas, os gostos, os sonhos - tudo mudou: passei em Psicologia, conheci novas pessoas, fiz novos amigos, vivi aventuras que nunca imaginara possíveis.

Como bom contemplativo que sou, fico pensando em vários universos alternativos: seria possível voltar àquele tempo, ser de novo como eu era, viver de novo como eu vivia? Penso que não, mesmo que eu quisesse e houvesse uma máquina do tempo que me permitisse tal feito. Visto através das lentes da nostalgia, a vida que eu vivia quando escutei "Underdog" pela primeira vez não parece mais feliz, e sim mais simples. O Andarilho que eu era então continua a existir, talvez não mais ou menos feliz, mas mais forte, mais experiente, mais complexo como pessoa. Não sou hoje nem melhor, nem pior do que eu era. Tenho, porém, muitas camadas mais. Não sei explicar o que quero dizer com isso. Não sei por que, quando penso em minha evolução, penso em "camadas", como se eu fosse uma cebola. Ainda assim, sempre que acontece algo marcante em minha vida, me vem à mente uma imagem que só consigo descrever como um universo ganhando uma nova dimensão, carregada de idéias, sensações e afetos, luz e sombra, tudo isso resumido em um sorriso ao mesmo tempo nobre e triste. Quando eu tinha 18 anos, que história tinha para contar? Crescido em Caxias, estudou em escolas particulares, foi um outsider no ensino médio, viajou para os Estados Unidos e voltou para fazer vestibular. E agora, que história posso contar? Posso contar muitas, dependendo do contexto, de como me sinto e de quem me ouve. Sou múltiplo. Talvez eu sempre tenha sido, mas só agora que percebo.

Ouvindo "Underdog", me lembrei de como eu era, mas também pensei no que vou ser, e no que vou pensar quando ouvir as músicas que escuto hoje. Sou mais complexo e mais completo hoje, e provavelmente serei ainda mais daqui um ou dois anos. Como? Não sei. Só dá pra descobrir vivendo e deixando o tempo passar.