sábado, 22 de março de 2008

A Verdade ainda me confunde

Em um post antigo, disse que existem basicamente dois tipos de pessoas envolvidas com a ciência: aqueles que buscam ativamente pela Verdade, e aqueles que aceitam uma verdade pronta do guru que mais os agrada. Cada dia que passa na faculdade, cresce mais e mais minha convicção de que isto é verdadeiro. Mas sinto que o que disse neste antigo post, apesar de verdadeiro, está incompleto, e que preciso expandir minhas idéias a respeito.

O grupo das pessoas que aceitam verdades prontas não é um bloco monolítico, que segue as mesmas idéias e ora no mesmo altar. Pelo contrário, são tão numerosos os gurus com centenas e milhares de seguidores que é impossível fazer uma lista abrangente e compreensiva. E apesar das muitas semelhanças entre estes seguidores, a quem Nietzsche chamaria de camêlos, eles não poderiam estar mais distantes entre si, pois ou se segue Fulano até a morte, ou se segue Sicrano até a morte. Qualquer fulanista detestará e criticará todo sicranista sempre que puder, e todo sicranista detestará e criticará todo fulanista sempre que puder. E qualquer um entre os dois cultos será alvejado por ambos.

Dentro deste mundo de seguidores, não é possível, ou melhor dizendo, não é permitido ser eclético - isso é uma heresia. Afinal, para que ler algo de um outro autor, quando o MEU já escreveu algo sobre este assunto, de maneira muito superior que a do outro? Trabalhando com números, só é permitido para um camêlo ser 100% comprometido com as idéias e filosofia de uma causa, e menos do que isso é falta de fé. Mas um camêlo não usa este termo. Na verdade, o mais comum é "espírito crítico" - apenas quem segue o MEU guru tem espírito crítico, pois escolheu o mesmo mestre que EU escolhi, o que prova sua inteligência e principalmente a MINHA, por ter feito a mesma escolha. Mais do que rezar pelo seu guru, o dever de todo camêlo é converter o máximo possível de seguidores para seu guru, pois isto confirmará com ainda mais força a sua sabedoria e a MINHA inteligência. O mais importante de tudo isso, é que camêlos não mudam de opinião nunca. Nunca.

Óbvio, mas não desnecessário dizer, que qualquer um que negue a conversão será tratado com desprezo. Sim, desprezo é a palavra mais precisa para este fenômeno. Talvez, se estivesse escrevendo este texto em agosto de 2007, eu não tivesse nem sequer cogitado seu uso, mas depois de muito tomar pedrada por discordar da opinião dos gurus dos outros, não hesito em dizer que é desprezo. Desprezo por que, quando vêem uma opinião alheia que discorda de sua própria, sentem-se atacados, como se uma leve brisa ameaçasse o lindo altar de palha em que colocaram seu coração, pois alguém não concorda com ele. Por isso, não se dignam a considerar as idéias expostas: atacam diretamente a pessoa que as propôs. Chamam-na de "ignorante", "reacionária", "fascista", o que for melhor para a ocasião. Vale dizer que só citei palavras que já foram atiradas em minha cara por causa de minhas opiniões.

Mas isto, segundo os seguidores, é para nosso próprio bem. "É para tu veres a verdade", dizem. "Quando fores mais velho, estudares mais, vais pensar como nós", falam. Lacan é o caminho, a Luz e a verdade, e tudo e todos que não concordarem com ele estão condenados ao positivismo e à imbecilidade, e são merecedores de todo meu ódio!

Em gritante contraste com estas pessoas, aqueles que buscam a Verdade, não apenas uma verdade conveniente, dificilmente se atêm à um mestre. Na realidade, eles têm muitos mestres ao longo de sua vida: conhecem-no, aprendem, e quando não há mais nada para se aprender, partem em busca de seu próximo professor. Não há um guru superior aos outros; todos são respeitados igualmente pelo que ensinaram e atingiram. Estes que buscam a Verdade, a quem Nietzsche chamaria "crianças", não querem se tornar meros seguidores - querem se tornar mestres em seu próprio direito, e ensinar o que aprenderam com outros mestres, e principalmente aquilo que descobriram por conta própria. Não há dogmas para uma criança: se uma idéia até então considerada imbatível for substituída por uma superior, ela abandona o passado e abraça o futuro. Não há apegos desnecessários ao que já não é mais. De fato, este é o caminho para a grandeza.

Mas os camêlos, estes seguidores inveterados de qualquer um que se diga mestre, abominam a grandeza, e buscam tornar a todos aqueles que a buscam em medíocres. De todos aqueles que eles poderiam detestar, as crianças são seus maiores inimigos. A ironia disto tudo é que muitos dos gurus que hoje são incensados por milhares de camêlos sofreram os mesmos preconceitos, e foram atacados pelos camêlos seguidores dos gurus de antigamente. Muitos dos gurus de hoje foram as crianças de ontem. Claro, seus seguidores fazem questão de dizer como seu mestre foi atacado por suas idéias, mas que triunfaram no final, graças à sua grandeza inata, por buscar a Verdade (que, segundo dizem, ele atingiu). Mas são os primeiros a atacar aqueles que buscam a Verdade hoje, por caminhos diversos dos seus, sem considerar argumentos ou idéias. Elas não são válidas a priori. É como ser fã de um grande corredor da década de 1960, e quebrar as pernas de um menino ou uma menina que queira ser atleta, por medo de ela superar o seu ídolo.

Tenho sentido na pele este preconceito. Ele não é constante, mas é real. Não quero interpretem o que disse como sendo uma auto-vitimização, apesar das idéias aqui expostas serem fruto de ataques a minha pessoa por causa de minhas idéias, nem que me considero superior a ninguém - de fato, nem sei bem se estou no caminho certo. Estou apenas tentando, e vendo qual me trás mais alegria e satisfação. Apenas busco essa grandeza, sem saber muito bem o que é. Só sei que é difícil de alcançar, e talvez por isso valha a pena buscá-la.