domingo, 22 de março de 2009

Vida Dura (Parte 22)

Acabo de perceber que é quando estou com fome que tenho as piores idéias, pois elas invariavelmente envolvem a cozinha. Da última vez, com desejo de fritura, decidi fazer pastel por conta própria, com resultados duvidosos. Hoje, com fome de qualquer coisa, resolvi cozinhar ovo.

Pode parecer piada (e se não parecesse, não estaria escrevendo a respeito disso aqui), mas cozinhar ovo é mais difícil do que se pode imaginar. OK, é só colocar os ovos na água e pôr para ferver, mas como eu vou saber que já posso desligar o fogão e tirá-los da panela? Geralmente quando tenho uma dúvida dessas ou eu pego o telefone e ligo para minha mãe perguntando da forma mais objetiva possível, ou pesquiso no Google. Este último, apesar de não ter o carinho de mãe, é anônimo, e poupa muitos constrangimentos (por que, convenhamos, cozinhar ovo é provavelmente o nível mais baixo de conhecimento culinário).

Aparentemente, não sou o único homem no mundo que sabe chongas de como se faz ovo cozido, por que já nas sugestões de pesquisa aparecem as seguintes opções:

E, não sendo isso o bastante, eu encontrei um blog chamado Culinária Masculina, e que tem por objetivo explicar "tudo o que um homem sempre quis saber daquele cômodo cheio de azulejos que não é o banheiro", mas que até o advento da internet não tinha coragem de perguntar para ninguém.

Para minha grata satisfação, um dos posts desse blog era justamente sobre a arte de cozinhar ovos. O texto falava das coisas simples, mas não tão óbvias para nós, turistas da cozinha, sobre esta refinada prática, e elucidava minha principal dúvida: 15 minutos e ficava pronto. Com este conhecimento em mãos (e considerando que cozinhar ovos no microondas deve ser o equivalente culinário de colocar Mentos numa garrafa de Coca-Cola), enchi a leiteira de água, coloquei os ovos e liguei o fogo. Diferentemente dos pastéis e demais frituras, que demandam a presença constante do cozinheiro, quando se cozinha algo pode-se abandonar a comida ao seu próprio destino e ir fazer alguma outra coisa, até que ela fique pronta. No meu caso, fui para a sala e fiquei lendo. Apesar de mais confortável do que os pingos de óleo fervente que voam para todos os lados quando se frita pastéis, a experiência de esperar os ovos cozinharem é muito mais perturbadora, pois é inevitável escutar o barulho da água borbulhante, os ovos colidindo uns com os outros e pensar "será que essas porcarias não vão explodir e esmerdalhar encher a cozinha de dejetos?" (não seria a primeira vez que faço algo parecido na cozinha).

Depois de 15 minutos passados, tirei os ovos do fogão, e comecei o lento processo de descascá-los. Este ponto marca a passagem da fase dramática do processo para a fase patética, pois meus esforços podem muito bem serem assim qualificados. Começou na hora de despejar a água quente na pia e deixar os ovos esfriarem, tarefa que imaginava demandar muito tato e delicadeza, pois os ovos poderiam se quebrar. Tirei a leiteira do fogão e equilibrei-a na borda da pia. Como o cabo por onde a segurava estava muito quente, peguei um paninho para segurá-la sem me queimar. Isso acabou se provando mais inútil do que o imaginado, pois acabei esbarrando na leiteira e derrubando-a dentro da pia. Apesar da lambança, foi até melhor deste jeito, pois me poupou o trabalho de ficar segurando a panela como alguém segura um recém-nascido (metaforicamente falando, pois bebês não saem de fábrica com alças plásticas. Infelizmente).

Peguei os ovos, coloquei-os novamente na leiteira, e a enchi de água fria, pois era essa a sugestão do Culinária Masculina para que esfriassem. Passado mais um tempo (preciso dizer que fui para a sala ler de novo?), comecei a descascar os ovos. O que é muito, muito chato, pois ficam pedacinhos de casca, bem pequenos, presos no ovo, que não podem ser removidos sem destroçar um pedaço da clara. Além disso, é um trabalho repetitivo e que não permite quase nenhuma abordagem mais criativa. Quero dizer, eu até poderia inventar um jeito mais emocionante de tirar a casca, como jogar os ovos na parede, mas isso implicaria em mais sujeira, que implicaria em mais faxina por minha conta, que é coisa que eu evito sempre que possível.

Enfim, segui assim, tirando tanto quanto era possível da casca dos ovos. Tinha planejado guardá-los para fazer sanduíches mais tarde, mas como estava com fome e sou impaciente, simplesmente os comia quando considerava que já estava descascado o suficiente (não que eu não tenha pensado em comê-los com casca mesmo. Essa porcaria deve ter cálcio, ou alguma coisa saudável do genêro e que justificaria seu consumo). Enquanto comia o terceiro e último dos ovos cozidos, saí para a área de serviço para respirar o ar da noite, e senti um cheiro de comida vindo de algum apartamento mais abaixo. Era o cheiro de uma refeição completa, feita por alguém que domina minimamente os preceitos da culinária. Dei a última mordida na minha saborosa janta e pensei "merda. Um dia eu aprendo a cozinhar".