segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O Ser-Psicólogo

Estimulado pela leitura dos textos da disciplina de Ética, recomecei a pensar em uma questão que tem me atormentado desde o primeiro semestre da faculdade: para que serve um psicólogo? Segundo o decreto de 1962 que regulamenta a nossa profissão, é da alçada do psicólogo:

1) Utilizar métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de:
a) diagnóstico psicológico;
b) orientação e seleção profissional;
c) orientação psicopedagógica;
d) solução de problemas de ajustamento.

2) Dirigir serviços de Psicologia em órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos,
paraestatais, de economia mista e particulares.

3) Ensinar as cadeiras ou disciplinas de Psicologia nos vários níveis de ensino, observadas as demais exigências da legislação em vigor.

4) Supervisionar profissionais e alunos em trabalhos teóricos e práticos de Psicologia.

5) Assessorar, tecnicamente, órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.

6) Realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de Psicologia.


Sendo brutalmente honesto, é bem possível que outros profissionais realizem estas funções de forma tão ou mais satisfatória que muitos psicólogos: psiquiatras, neurologistas e médicos em geral passam muito mais tempo estudando e poderiam muito bem fazer os diagnósticos e orientações do item 1, dirigir os serviços de Psicologia do item 2, ensinar as cadeiras do item 3, supervisionar os profissionais e alunos do item 4 e realizar as perícias do item 6. O que sobrasse poderia ser deixado ao encargo de assistentes sociais e enfermeiros, tornando absolutamente desnecessária a demanda pela criação de uma classe profissional inteira. Mas não foi assim que as coisas aconteceram.

Antes de mais nada, devo dizer que a única atribuição exclusiva dos psicólogos é o item 6, sendo que quase todos os outros profissionais ligados de uma forma ou outra à área da saúde mental podem realizar as demais atribuições. Certamente psiquiatras podem dar aulas de Psicologia e fazer diagnósticos, assim como assistentes sociais podem dirigir serviços de saúde mental como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). É questionável e combatido se mesmo o item 6 deva ser atribuição exclusiva da nossa classe. Sendo assim, não é tão alienígena pensar que o profissional estrito senso da Psicologia seja dispensável. Mas, por uma miríade de motivos, ele não é.

De fato, médicos especializados como neurologistas e psiquiatras passam mais tempo estudando, fazendo faculdade, residência e especializações do que os psicólogos, sendo assim melhor qualificados para o trabalho, pelo menos em teoria. Ainda assim, seria simplesmente perverso deixar tudo na mão dos médicos e dar atribuições apenas secundárias para outros profissionais, por que o longo tempo de estudos os impede de praticar a profissão em tempo integral, e se apenas psiquiatras fossem responsáveis pela saúde mental, provavelmente teríamos uma crise no atendimento de doentes mentais. Os pacientes internados em instituições psiquiátricas, na sua maioria psicóticos, certamente sofreriam, pois, como não haveria médicos o suficiente para os atender, seriam negligenciados e provavelmente tratados como animais. Isto acontece ainda hoje. Mas seriam as pessoas normais, os neuróticos (1), que seriam mais afetados, pois não haveria psicoterapeutas o suficiente para atender a todos. Além disso, a classe médica é extremamente corporativista, muitas vezes priorizando seus ganhos em detrimento do bem dos pacientes. Não seria bom que uma área tão importante como a saúde mental dependesse inteiramente deles (2).

Historicamente, a Psicologia é uma ciência puramente aplicada. Wundt, Fechner, Helmholtz e a maioria de seus precursores preocupava-se com questões bastante abstratas, como a consciência e os sentidos. Só durante a 2ª Guerra Mundial, onde os psicólogos foram empregados em larga escala pelas forças armadas dos EUA para selecionar soldados (3), e depois dela, com milhões de ex-combatentes de volta em casa com transtornos de comportamento (o mais proeminente deles sendo o Transtorno de Estresse Pós-Traumático), é que os departamentos de Psicologia das faculdades deixaram de ser redutos de pesquisa pura e se tornaram locais de treinamento de psicoterapeutas e avaliadores psicológicos, que auxiliariam e cooperariam com os psiquiatras na cura das doenças mentais (4). No Brasil, que não esteve tão diretamente envolvido na 2ª Guerra quanto os EUA, o processo foi um pouco diferente, mas também envolveu uma maior necessidade de pessoas aptas a trabalharem com problemas mentais.

E, apesar de até um certo ponto emular a Psiquiatria, a Psicologia é algo completamente diferente. Um de meus professores diz que nós somos os estudantes que mais sofrem de crises de identidade, pois desde o início do curso somos bombardeados por escolhas que virtualmente irão influenciar nossa carreira. Como um outro professor disse, só o nosso currículo tem disciplinas de Filosofia e Fisiologia (5). Estamos ali no meio de tudo e de todos, entre as Ciências Naturais, as Ciências Sociais, as Humanidades e a Religião (6). É uma verdadeira bagunça.

Em seu texto “A Preparação do Psicólogo: formação e treinamento”, Luiz Cláudio Figueiredo (7) faz uma diferenciação entre o treinamento técnico e a formação do psicólogo. O treinamento seria o ensino e prática de técnicas profissionais específicas, como a aplicação de testes psicométricos e a psicoterapia. É necessário, mas não suficiente ensinar estes conhecimentos para ter um bom profissional no final da faculdade, pois em profissões que lidam diretamente com seres humanos, tecnólogos são inúteis, ou até mesmo prejudiciais. É necessário formar o espírito do futuro psicólogo, torná-lo capaz de refletir sobre como, quando, como e por que aplicar (ou não) as técnicas que lhe foram ensinadas. Para forjar “Ser-Psicólogo”, Figueiredo acha importante que existam disciplinas formativas (8), que ajudariam a “elucidar o que está implicado em nossos fazeres, ajudar a esclarecer nossos lugares e convocar-nos para nossas posições” (9). Temos algumas destas disciplinas no nosso currículo, mas não acho que sejam elas que nos formem. De fato, elas são fóruns onde podemos discutir mais clara e abertamente, junto com nossos colegas e professores, as problemáticas que nos assombram, mas em última análise, todo o curso o é também. Não é uma ou outra disciplina específica que nos torna psicólogos, mas toda a gestalt (10) universitária em que estamos inseridos, que engloba nossas aulas, os conflitos teóricos entre professores e departamentos, e também as idas aos bares, as festas, as caminhadas até a parada de ônibus e todas as discussões, intra e interpessoais, que temos nestes contextos que acabam por formar este “Ser-Psicólogo” em nós, que (idealmente) nos torna capazes de serviços tão díspares como Recursos Humanos (11) e Psicoterapia.

Preciso ser honesto e admitir que não respondi minha pergunta inicial: para que serve um psicólogo? Eu enumerei vários motivos contrários à dissolução da Psicologia e suas atribuições em diversas outras profissões, mas não dei um único motivo para mantê-la como tal. Por que precisamos de psicólogos na nossa sociedade, e o que nos torna verdadeiramente úteis? Esta pergunta pode parecer um tiro no pé (12), mas todo e qualquer estudante sincero consigo mesmo deve fazê-la, esteja cursando Psicologia, Medicina ou qualquer outro curso que seja. E preciso admitir que não há nem ao menos um bom motivo para afirmar que o psicólogo é absolutamente indispensável. Contudo, há algo que não posso negar: em nossa sociedade, temos muitas pessoas que, apesar de terem a sua disposição todos os bens materiais possíveis, ainda assim estão perdidas, seja mentalmente ou espiritualmente. E, neste estado, são acometidas de diversas moléstias que, apesar de não serem explicitamente biológicas, ainda assim causam grande sofrimento. E para saírem desta situação, elas precisam da ajuda de outros, pois alguém precisa portar o archote que lhe iluminará o escuro caminho à sua frente. Apesar de acreditar que qualquer um possa ajudar o próximo a encontrar o seu caminho, são aqueles que buscam a Psicologia como profissão que mais ativamente se empenham para tanto. Pensando sobre qual é a principal missão de todo o psicólogo, cheguei à conclusão que é ser o guia para a mudança humana, para o crescimento e para a auto-realização. Disse anteriormente que não vejo nenhum motivo para afirmar que o psicólogo é absolutamente indispensável. Devo fazer uma pequena correção: nossa profissão pode ser dispensável, e pode ser até que venha a desaparecer no futuro, mas ela tem um propósito, e este propósito existirá enquanto a raça humana viver, e ele justifica a existência dos psicólogos.

O que acredito ser a missão da Psicologia é, no final das contas, a missão que acredito que todos nós partilhamos: ver, com clareza crescente e cada vez mais, a Verdade Absoluta, mesmo que no fim ela não passe de uma miragem.


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1. Pessoalmente, acho o termo “neurótico” bastante antiquado e datado, mas o utilizo no texto por ser amplo o suficiente para abranger todos os transtornos não-psicóticos, e por ter caído no senso comum como significando algo perturbado e não saudável (“minha mãe é neurótica por causa da limpeza”).

2. Não que todos sejam assim, mas o CREMERS (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul) é tinhoso, e o Conselho Federal de Medicina não fica atrás. Basta perguntar para qualquer profissional da área da saúde sobre o projeto de lei do Ato Médico, ou da Reforma Psiquiátrica.

3. Acho que esta prática começou ainda na 1ª Guerra Mundial, mas não tenho certeza.

4. Por isso que, por muito tempo a Psicologia foi praticamente uma cópia da Psiquiatria, buscando apenas curar as doenças, e não melhorar o medíocre.

5. Curiosamente, os professores que disseram isso foram os de Genética e de Filosofia, respectivamente.

6. Psicanálise, a religião dos metidos à entendidos da vida dos outros.

7. Aquele mesmo de “Matrizes do Pensamento Psicológico”, livro que aterroriza quase todo estudante de primeiro ano de Psicologia, especialmente nas aulas de História.

8. E sugeriu os nomes mais divertidos para elas, como Psicoantropologia e Psicohistória.

9. Parte entre aspas foi retirada do texto, com algumas mudanças na concordância verbal.

10. Palavra alemã que é geralmente traduzida como estrutura ou forma, mas que também significa as qualidades desta.

11. Departamento muitas vezes encontrado dentro de grandes empresas, e geralmente responsável por “comer o c* da galera com farofa” segundo meu estimado amigo Jeffbass.

12. Não acho improvável que algum colega de profissão, ao ler este texto, deixe um comentário me xingando por questionar a importância da nossa profissão. Depois dos médicos, a classe mais corporativista é a dos psicólogos.

Vida de Universitário Solteiro - compras

Já faz mais de um ano que estudo na UFRGS e moro sozinho em Porto Alegre. Desde a primeira semana até agora, muita coisa mudou, mas a mais gritante de todas as mudanças diz respeito à minha alimentação. Não só por causa das frescuras que inventei para deixar minha vida mais difícil, mas também a forma como eu consigo comida.

Sempre comi no RU, mas nos finais de semana e dias de greve, quando não temos janta, eu preciso me virar e comer em casa ou em algum outro lugar por aí. No começo da faculdade, eu dependia pesadamente do que eu trazia de Caxias do Sul: comidas congeladas, queijos e sucos. A comida eu colocava numa sacola térmica, o suco na mochila, e voltava para Caxias quando tudo tivesse acabado ou prestes a acabar. Ainda trago bastante coisa da casa dos meus pais (até por que são eles quem pagam, cabendo a mim apenas a tarefa de carregar tudo para Porto Alegre), mas o tempo me ensinou - o mais exato seria dizer que me obrigou - a me virar, e a descobrir formas alternativas de conseguir mais comida por menos dinheiro, começando de forma atrapalhada, até alcançar níveis mais elevados de sutileza.

Minha primeira descoberta foi a Feirinha. Aqui perto de casa, todas as segundas e quintas-feiras, no galpão da Associação de Funcionários do Hospital de Clínicas (ASHCLIN), uns vendedores se juntam e vendem produtos industrializados por um preço consideravelmente abaixo do preço de mercado. Ali dá para comprar pão, bolachas e, principalmente, sucos de caixinha. Mas como eu fui abandonando gradativamente os sucos e as porcarias doces, eu fui deixando a feirinha meio de lado.

Minha verdadeira evolução ocorreu nos corredores dos supermercados, o Zaffari em especial. Depois de algum tempo treinando Kung Fu na minha atual academia, comecei a dar umas passadas rápidas no Zaffari logo ao lado e fazer algumas compras. No começo, eram só caixas de Bis, chocolates ou balas. Depois, comecei a comprar pão. Senti-me especialmente adulto e autônomo (com o dinheiro do meu pai, admito) quando comecei a comprar peito de chester e queijo. Mais tarde, comecei a comprar frutas: primeiro bananas e maçãs, que consigo calcular o tempo de apodrecimento. Depois, comecei a comprar bergamotas. Hoje, para meu grande orgulho, comprei uma manga e uma bandejinha de morangos.

O que me deixa mais orgulhoso comigo mesmo é o baixo custo de tudo isto - com 20 reais posso comprar tudo o que preciso para me alimentar durante uma semana inteira (levando em conta que o RU esteja aberto na hora do almoço). Aboli quase todas as frescuras da minha alimentação, ou pelo menos, do que compro.

Bem, sou obrigado a admitir que perdi o rumo deste post - eu tô cansado. Acho que isto fica claro pelo fato dos parágrafos serem levemente desconexos. Não acho que este post esteja bom. Na verdade, está bem ruim. Mas vou publicá-lo ainda assim por que esse assunto é legal. Se algum dia me interessar de novo, reescrevo ele.