quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Pesquisas Inúteis no Sistema de Bibliotecas da UFRGS

O título deste post é bastante explicativo. Por causa da minha feliz insônia induzida por consumo de cafeína (má, má idéia!), resolvi pesquisar no catálogo virtual das bibliotecas da UFRGS por livros não clássicos - isto é, pouco usuais e que dificilmente alguém esperaria encontrar na biblioteca de uma universidade de excelência como a UFRGS. Para minha surpresa, descobri que, se eu quisesse, eu poderia pegar todos os livros da série "Harry Potter" no Colégio de Aplicação e na FACED, além de alguns trabalhos acadêmicos baseados nesta série (que eu li inteira, como bom adolescente dos anos 2000). Porém, o mais surpreendente é que o Colégio de Aplicação também tem uma cópia de "Crepúsculo". Se antes eu sentia raiva da UFRGS por não termos "Terapia do Esquema" à nossa disposição, agora eu sinto ainda mais.

Duro Aprendizado

Há três anos atrás, mais ou menos, decidi cortar a Coca-Cola e os refrigerantes da minha dieta de maneira radical: de um litro por dia, eu passaria a tomar nada. Isso mesmo, cortaria definitivamente todo e qualquer consumo de refrigerantes da minha rotina. Depois de muito batalhar, alcancei a vitória. Porém, como os mentalmente ágeis devem ter percebido, disse na oração anterior que cortaria definitivamente os refrigerantes da minha rotina, o que deixa espaço para consumir Coca-Cola e similares em situações não rotineiras.

Voltando aos dias de hoje, estamos no final do ano de 2009. É o fim de uma década. A última virada importante que tivemos foi a do Milênio, no final de 1999, dez anos atrás. É certamente algo histórico e, portanto, não rotineiro. Por isso, decidi ser um pouco mais complacente comigo mesmo e passei no mercadinho aqui da rua para comprar uma garrafa de dois litros por R$3,80 (um verdadeiro assalto, mas deixa pra lá).

A primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi tomar um copo de Coca-Cola bem gelada. Ah! O doce sabor de produtos químicos que não faço a menor idéia que existam! Logo depois do primeiro copo, vem o segundo, depois o terceiro, o quarto, o quinto... um menos gostoso que o outro, até eu chegar no fim da garrafa. Nesse ponto, meus dentes já estão grudentos e a garganta ardendo por causa do excesso de açúcar, meus olhos cansados são incapazes de dormir por causa da overdose de cafeína que acabo de tomar, dou graças à Aslam por ter comprado só uma garrafa e percebo que, qualquer que tenha sido o motivo que me levou a banir os refrigerantes da minha vida, ele deve ser muito, muito correto.

Resolução de Ano Novo Antecipada: Manter minha dieta "Soda-free".
Em tempo: C-c-c-combo breaker!

Histórias que entretêm - Passeio Etílico em Uruguaiana (Parte V)

Quando terminei o telefonema e saí da lanchonete, Tijolão ainda estava com a mesma cara de antes, de olhos esbulhados e segurando firmemente sua querida pá com as duas mãos. Apaguei o mais rápido que pude o sorriso do meu rosto para ostentar um ar de "O Mestre não está nada satisfeito" e manter ele na linha. Ao me ver ao ar livre novamente, ele se aproximou de mim e perguntou-me, no tom de voz mais servil que já ouvi em toda minha vida:

- Então patrão, o que o Coronel disse?

Por um momento, pensei que era tudo uma piada. Tijolão na verdade era um ator consagrado, muito convincente e esforçado que Borat contratou para me sacanear depois de eu cair no tapete de entrada e entrar em coma alcoólico, por que, francamente, ninguém poderia agir de maneira tão submissa e tão insana ao mesmo tempo. Por meio minuto, fiquei apenas olhando para a cara dele, em silêncio, esperando ele largar a pá e dizer "Ha! Salci Fu Fu! Pegadinha do Mallandro!". Porém, ele continuou a me encarar, também em silêncio, ainda com seus olhos esbugalhados e os nós de seus dedos brancos de segurar o cabo de madeira. Então, ao perceber que eu estava atolado até o pescoço na história mais absurda que um ser humano poderia conceber, finalmente lhe respondi:

- O Coronel se pronunciou a respeito do teu caso. Ele não está nada satisfeito com o que aconteceu. Aliás, ele está completamente irritado.
- Ai meu Deus!
- Mas tenha calma, ele me disse que tu, por ter sido extremamente leal no passado, merece uma segunda chance. Desde que...
- Desde que o quê?
- Desde que tu faça o que eu te disser para fazer agora.
- O que que eu tenho que fazer, patrão?
- Algo que testará a tua coragem, a tua habilidade, a tua bravura, a tua honestidade e, principalmente, a tua fé.

Mais uma vez, ele olhava para mim, como quem olha para o Messias, e esperava a palavra da salvação. Enquanto isso, dentro da minha mente, o meu estoque de mentiras ia se esvaíndo, deixando-me sem saber o que dizer para aquele pobre crente. Que tarefa eu daria para ele realizar e que seria sua redenção?

"Cavar buracos", disse então. Tijolão lançou-me outro olhar, desta vez incrédulo. "Na verdade, um só buraco" continuei, "um buraco bem grande, que dê para enterrar uma vaca inteira. Uma não, todas as vacas do caminhão!" Tijolão parecia mais incrédulo ainda. "Espera aí, patrão. Por que o Coronel me mandaria enterrar os ninjas?" Infelizmente, o psicótico me fez uma pergunta muito razoável, considerando a insanidade de toda a situação. Por que enterrar as vacas especialmente treinadas que aparentemente o próprio Coronel mandou buscar na Argentina para atacar o Mercado Público em Florianópolis? "Bem, o Coronel trabalha de maneiras misteriosas", respondi. "Ou tu estás duvidando das ordens que ele mesmo me deu?" concluí de maneira intimidadora. Acho que meu truque funcionou, por que ele disse "não, claro que não" e imediatamente começou a cavar um buraco no chão batido, uns duzentos metros de distância do caminhão.

Fiquei feliz. Matara dois coelhos com uma cajadada só: me livrei das vacas mortas e coloquei Tijolão e sua pá para trabalharem com algo que não envolvesse meu crânio esmigalhado. Podia, finalmente, relaxar, tomar um banho e comer alguma coisa. Quem sabe eu até conseguisse tirar um cochilo, e voltasse a ser um homem normal e saudável no dia seguinte? Porém, não era isso que iria acontecer, por que o Universo tinha outros planos. Poucos minutos depois de pensar que meus problemas tinham acabado, quando outra vez percebi que estava na merda, formulei a seguinte teoria: eu sou a reencarnação de Hitler, e estou aqui neste posto de gasolina no fim do mundo pagando todo meu Karma à vista, pois nem bem dera dois passos em direção ao posto de gasolina quando fui abordado por dois soldados da Brigada Militar.

Reconstruí mentalmente os acontecimentos anteriores, e deduzi que, depois de eu ter acalmado Tijolão e feito meu telefonema, alguma pessoa de bom senso ligou para a polícia, avisando que um louco armado com uma pá estava quebrando tudo em um posto de gasolina na BR290, e que a presença dos defensores armados da sociedade era muito necessária ali. Quando os brigadianos ali chegaram, obviamente foram direto atrás das pessoas envolvidas no incidente (eu, por exemplo) para melhor se informarem a respeito do que se passou, fazer um boletim de ocorrência e, se tudo desse certo, encher alguém de porrada.

"Boa  noite, senhor, eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas" disse para mim um dos policiais. Ele era de baixa estatura, porém largo e forte, além de ostentar no rosto redondo um bigode capaz de rivalizar com o do meu amigo Tijolão. O outro policial era quase que seu exato oposto - alto, magro e de cara fina, com um bigode fininho e moreno. Se, ao invés da farda da BM, eles vestissem camisas sociais brancas e gravatas vermelhas, eles ficariam idênticos àqueles mórmons que via de vez em quando em Caxias: "um alto e um baixo, e os dois enchem o saco" como dizia meu velho pai, que neste momento deveria estar deitado em um caixão, sendo velado pela minha mãe, que entre as lágrimas amaldiçoava o filho ingrato. "O senhor está bem? Está me ouvindo" perguntou pela segunda ou terceira vez o primeiro policial. Enquanto eu pensava nos mórmons e no velório do meu pai, devo ter entrado em um transe, e ignorado tudo o que os brigadianos me diziam. Deve ser um mecanismo de defesa, ou os efeitos de três noites não dormidas atacando minhas capacidades cognitivas. "Ah, desculpe, seu policial, é que eu tenho um sério problema de audição, e meu aparelho quebrou" inventei na hora, em parte para arranjar uma desculpa e em parte para conquistar a simpatia dos meus ouvintes. Infelizmente, não funcionou.

Estava um tanto quanto escuro ali onde nos encontrávamos, o que dificultava a minha identificação. Porém, o tempo que passei delirando com igrejas pouco convencionais foi o suficiente para que os policiais se acostumassem com a escuridão e observassem meus traços faciais, e antes que o "Gordo" pudesse formular qualquer pergunta, "Magro" segurou meu queixo, levantou-o e disse:

- Ô Juca, olha bem pra esse guri. Ele não te lembra alguém?
- Bah Betão, como é que eu vou lembrar de alguém? Tu sabe que eu não enxergo nada no escuro!
- Mas tchê, olha bem pra ele. Não te lembra aquele retrato falado que apareceu no Fantástico? Pega a lanterna aí e olha bem.
- Barbaridade! Não é que é mesmo? Ah, tu vem com a gente, guri, por que tu tá muito fodido.

Não, meus caros leitores, não são seus olhos pregando peças em vocês! Meu retrato falado realmente aparecera no Fantástico, em uma reportagem bombástica sobre o "Maníaco do Fusca", um jovem do interior do Rio Grande do Sul que espalhava o terror no coração de homens e mulheres pilotando um possante Fusca Itamar que tinha a apavorante frase "Pinheirinhos de Alegria" pichada na lateral esquerda. Em outras palavras, eu tinha feito uma cagada tão grande que eu apareci no Fantástico e ganhei um nome de guerra. Talvez tenha sido por isso que os clientes do posto não fizeram nada quando Tijolão tentou me matar, e por isso que a garçonete me emprestou o telefone tão prestativamente. Foi neste momento, enquanto Juca e Betão me algemavam, que considerei a hipótese de eu ser Hitler reencarnado (e se a ausência de pêlo facial não era o preço que eu estava pagando por ter usado aquele bigodinho horroroso). E ali, quando eu achava que tudo estava perdido, tudo mudou, e a coisa ficou ainda pior.

Já estava algemado e dentro da viatura quando, para minha surpresa, Tijolão aparece gritando e balançando sua pá no ar, esmaga o parabrisa do Prisma cor-de-oliva e rapidamente domina os dois policiais (leia-se "os deixa estatelados e inconscientes no chão"). Por um segundo, pensei que ele tivesse vindo me salvar e assim agradar o Coronel, e senti-me agradecido por ter decidido não enfrentar ele mano-a-mano, por que certamente teria morrido desta maneira. Porém, um segundo passa rápido e, como eu disse no parágrafo anterior, a coisa estava prestes a piorar por que, subitamente, percebi que ele não viera me resgatar: ele viera me matar. "Fiodasputa traidor sem vergonha!" gritava ele com um tom de voz demoníaco, "eu vou te matar! O Coronel me disse pra te matar, seu vagabundo!" Claro, eu esquecera que ele era psicótico e possivelmente ouvia vozes, entre elas a do Coronel!  Pensei então em Houdini, o famoso mágico que, não importava quão feia era a situação, sempre encontrava um jeito de escapar da maneira mais fantástica e improvável possível. Tudo isso algemado. Pensei em Houdini, e o que ele faria no meu lugar. Depois do terceiro pazáço que Tijolão deu na porta traseira, concluí que ele certamente se cagaria de medo.

No quarto golpe, a porta cedeu, e Tijolão avançou em minha direção para dar o golpe de misericórdia. Porém, em sua explosão de raiva, ele se esqueceu completamente de uma coisa: dois objetos distintos não podem ocupar o mesmo espaço no mesmo tempo. Em outras palavras, ele não tinha como acertar-me em cheio com uma pá dentro de um carro. Claro, ele poderia me dar estocadas no pescoço até eu morrer, mas não estava disposto a descobrir se ele desenvolveria este comportamento por conta própria ou se ele precisaria de uma dica externa, então, quando ele tentou me acertar à moda antiga, eu segurei a pá com os pés (por que se a necessidade é a mãe da invenção, o cagaço é o pai das habilidades ninja instantâneas), puxei-a para baixo, chutei o queixo de Tijolão e saí correndo desgraçadamente para o lado que parecia mais seguro.

Por causa da comoção que eu e meu amigo causávamos, o número de observadores e curiosos aumentou em progressão geométrica. Claro, da mesma forma que os torcedores em um estádio de futebol ninguém fez nada (por mais que eu quisesse que alguém começasse a tocar fogo nos banheiros químicos ou coisa assim), nem mesmo chamar a polícia. Tampouco isto foi necessário, por que Juca ou Betão eventualmente despertaram de seu sono reparador e chamaram por reforços. Depositava toda a minha esperança em minha habilidade de me esconder até que a poeira baixasse e Borat chegasse para me buscar. O que não era garantido, piorando muito minha situação.

Continua num próximo post...