domingo, 25 de fevereiro de 2007

Aventuras Venturosas de um Vestibulando Vagabundo

- Prólogo
- Vai começar o baile

Chegou a hora! Amanhã, sábado dia 6 de janeiro de 2007, vou-me para Porto Alegre, pois domingo começa o exame vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

E já não era sem tempo pra esta merda começar.

Farei um relato diário dos meus feitos nas provas da UFRGS e das minhas peripécias na capital gaúcha. Era isso, e até mais.

- Notícias Fresquinhas de uma Cidade Quente pra Caralho

Hoje acabou o vestibular, finalmente, e amanhã, volto para a maravilhosa Gringolândia, Caxias do Sul. Quando eu estiver bem instalado na cadeira do meu computador, farei o meu relatório diário do meu exame (e sim, falarei sobre a experiência de andar de ônibus em Porto Alegre). Vai ter até fotos. Aguarde (ou não).

- Introdução

Ah, o vestibular! O exame que é nossa porta de entrada para a universidade ou para a demência por esforços repetitivos, ou os dois em muitos casos, especialmente em vestibulares concorridos (leia-se "os de faculdades gratuitas"). Como bem sabem, submeti-me à prova da conceituada Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS ("Urgues" para os íntimos), para o muito disputado curso de Psicologia. Eu poderia ter feito as provas (4 dias de pura animação e boas vibes!) em Bento Gonçalves, mas decidi fazê-las na nossa ilustre capital, Porto Alegre. Por que? Porque eu estava morrendo de vontade de cozinhar no concreto portoalegrense! E além do mais, se fizesse a prova em Bento, minha mãe querida me levaria todos os dias, todos os 60 quilômetros que separam Caxias do Sul de Bento Gonçalves. Não, isto não seria bom. Nem um pouco. É bem melhor pegar um ônibus de linha em Porto Alegre do que isto (isto é uma grande mentira, mas esta história fica mais para a frente).

Tinha planejado fazer um mega-post, com tudo o que eu queria escrever nele, mas como tenho muito trabalho pela frente, achei melhor apenas ir postando aquilo que tenho escrito por ora, separado por dias. Cada dia será um capítulo. Tipo em Camilo Mortágua. Aguardem.

PS: Sem fotos, sinto muito. Não consegui passar as imagens do meu celular para o PC.

- 6 de janeiro de 2007

Fomos para Porto Alegre um dia antes da primeira prova, pois nosso cursinho, o Mauá, nos ofereceu (por módicos 10 reais o ingresso) a oportunidade de fazermos uma revisão pré-prova, antes de todas as provas. E como o pré-prova de português e redação seria às 9:30 da manhã, era bom que saíssemos cedo de casa. No carro, veio comigo outro guerreiro do vestibular, Tio Mauri, que trazia na mochila seus 5 livros do cursinho, uns dois ou três cadernos, quatro kg de comida e provavelmente aquele pneu velho que ele catou em Mostardas (melhor não contar essa história).

Fato curioso da viagem: vimos um fusca roxo berrante. Ainda compro um desses.

Já na Capital, fomos direto para a sede do Mauá para assistirmos ao nosso pré-prova. Não há muito o que comentar, exceto que o professor de português jurou que mudaria de nome caso não caísse acentuação na prova do dia seguinte e que descobrimos um novo apelido do professor de química (EMOssexual). Depois da aulinha, almoço. Eu e uns amigos (Babi, Nessa, Morgana, Tio Mauri e Roger) ficamos na entrada do cursinho olhando um para a cara do outro tentando decidir o que fazer. Numa crise coletiva de burrice, pegamos um táxi para irmos até o Colégio Rosário, que ficava à, no máximo, 500 metros de distância, o que me permite calcular que o preço da bandeirada do taxi aumenta 1 pila a cada 100 metros. Mas tudo bem. De lá, foi cada um pro seu canto. Eu fui pra casa da minha tia. Depois de uma bela refeição, uma bela sesta. E depois de uma bela sesta, uma violenta preguiça, preguiça esta que só me permitiu sair da cama às cinco da tarde, para ver o ponto onde eu pegaria meu ônibus, que diligentemente me levaria até o local de prova para o curso de Psicologia. Pegar o ônibus foi tão fácil, e andar nele também. Fiquei imaginando que todos os dias seriam assim tão fáceis. Quem diria que no dia seguinte minhas ilusões a respeito da qualidade do serviço de locomoção púbica, digo, pública de Porto Alegre seriam destruídas.

Depois deste passeio, outro: fui chamado pela mesma turma que me acompanhou no cursinho para ir até a rodoviária comprarmos nossas passagens. E agora, temos um capítulo crucial em nossa história, o que me obriga a contá-lo com o maior número de detalhes possível. Aqui vai nosso diálogo (hexálogo, já que estavamos em 6) com a mulher do guichê:

-Oi, moça, 5 passagens pra Caxias do Sul, pra quarta-feira às oito horas da noite.
-25 reais cada.
-Tem troco pra 50?

Mais pra frente vocês vão entender a moral deste diálogo besta ter sido escrito aqui.

Compradas as passagens, metemo-nas nos bolsos, caímos na gandaia e fomos caminhar pelo centro da cidade. Lugarzinho interessante: velho, fedido e apertado. Ainda assim, encantador. Caminhamos até chegarmos (novamente) ao Colégio Rosário. Não resistimos à tentação e resolvemos comer um cachorro-quente por lá mesmo. Mas não era qualquer cachorro-quente, era O Cachorro-quente do Rosário, o mais famoso da cidade (nem por isso mais caro). A fama é merecida, pois eu nunca pensei que colocar azeite de oliva por cima do queijo ralado pudesse dar um gostinho tão bom. Mas o dono da banquinha pensou. Ele merecia um Nobel.

Como a vadiagem não tinha mais fim, resolvemos ir no Zaffari para comprar umas porcarias pra comer, já que o que Tio Mauri tinha na mochila não iria ser o suficiente para os quatro dias. Eis que então recebo um amável telefonema de meu pai, me passando um belo sermão de como eu tinha deixado de comparecer ao jantar que minha tia tinha cozinhado especialmente para mim. Após este leve esporro, fiquei um pouco abatido, sem vontade de cantar uma bela canção. Mas deixei de frescura quando começamos a discutir com duas outras vestibulandas qual seria a melhor porcaria para comer durante a prova. Ninguém conseguiu pensar em nada melhor que puxar uma cuia de chimarrão e uma barra de rapadura gigante no meio da prova, talvez com a exceção do Cheetos bola (sabor queijo, aroma chulé).

Olho no relógio: são oito e dez da noite. Naquela mesma chamada-esporro, havia combinado com meu pai de voltar para casa às 20:30. Pensei comigo mesmo que chegaria na parada de ônibus às 20:20 e chegaria em casa na hora. Me despedi de todos e desembestei correndo pelo centro de Porto Alegre, na certeza de que acharia logo de cara o caminho. Mas algo de estranho estava acontecendo, pois não me lembrava de ter passado por nenhuma daquelas ruas. Vi que a coisa estava feia quando percebi que estava na frente da Escola de Engenharia da UFRGS, e não na parada de ônibus. Fiquei pensando "Quem é que colocou estes prédios aqui?!" enquanto eu andava agora na frente da Faculdade de Medicina (que na verdade, é o Instituto de Ciências Básicas da Saúde, mas na época eu não tinha a menor idéia de que isso existia). Estava perdido (vocês notarão que esta oração será uma constante nos próximos 4 posts). Em todo caso, consegui descobrir qual era o caminho certo, e peguei meu ônibus às 20:40. No outro dia, faria a primeira prova. A batalha já havia começado. Pensei em fazer como os membros da antiga seita dos Assassinos, que após começarem uma guerra fumavam haxixe e ficavam acordados até o final. Como eu não tinha haxixe, a única opção de alucinógeno era benflogin, mas eu não estava disposto a caminhar até uma farmácia pra comprar um remédio para dor de garganta que dizem ser chapante.

Decidi dormir mesmo.

- 7 de janeiro de 2007

Dia da primeira prova. Comi um café da manhã rápido, porém reforçado, e fui pegar meu ônibus. O ônibus Glória. Foi uma simulação de como as vacas sentem-se dentro de vagões de trens cargueiros. E temo que uma importante Lei da Física fora completamente ignorada naquele veículo: dois corpos não podem coabitar o mesmo espaço ao mesmo tempo. De agora em diante, toda vez que vir a expressão "Foi a Glória", me lembrarei coxas masculinas suadas roçando na minha bunda. Não prolongarei a descrição deste quadro da dor. Desci do ônibus com alegria, apesar do receio de ter perdido naquela bagunça toda minha carteira e minha virgindade anal, e me dirigi até o portão de entrada do colégio Nossa Senhora da Glória, meu local de prova.

Como as provas duram até 4 horas e 30 minutos, é permitido ao vestibulando levar uma garrafa de água, suco ou refrigerante (será que permitem destilados?) para o local de prova. Sem o rótulo. Eu não me importo de ficar com sede, afinal, eu fui para Porto Alegre para conseguir uma vaga para o curso de psicologia, não tomar água. Mas aparentemente eu pertenço a uma minoria. A maioria foi lá para tomar água, só que é burro o suficiente para esquecer a garrafa em casa. Mas para resolver este problema, existem os oportunistas, como por exemplo, a direção da escola, que montou, numa posição estratégica, uma banca que vendia água mineral, e foi só abrirem os portões às 8 horas que um bando de tapados já foi puxando a carteira para comprar a sua. Bom, pelo menos poderiam ter vendido já sem o rótulo.

A escola é dirigida por freiras, e isso fez sentir-me praticamente em casa. Era tudo praticamente igual ao São José: os ladrilhos nas paredes, os corredores escuros e tortuosos, a crônica falta de banheiros masculinos, as escadarias que levam às celas das irmãs fechadas com grades de ferro. Faltava apenas uma coordenadora disciplinar com cara de maracujá de gaveta me xingando por respirar pelo nariz, a tia do SOE (mal)tratando-me como um delinqüente juvenil e uma desculpa para arrombar as grades de ferro e brincar de explorador. Ai, tempos de colégio que não voltam mais.

Na minha sala (no último andar, para variar), fiquei reparando nas pessoas que fariam a prova comigo... meus concorrentes. Fiquei pensando se deveria dar um cagaço neles fazendo pouco da prova quando nos fossem entregues os cadernos de exercícios, ou dizendo que nunca antes na minha vida tinha feito uma dissertação sobre um tema tão fácil. Fiquei quieto, pois apanhar logo no primeiro dia de vestibular não seria legal. A duas cadeiras de distância, do lado da janela, sentava uma gótica que, indiferente ao sol de rachar daquele dia, vestia roupas completamente pretas, com direito a um casaquinho para arrematar. O abobado do meu lado dormia. Duas outras gurias matraqueavam sem parar. Amigas de infância, provavelmente. Imagina se uma passa e a outra não... (um segredinho pra vocês: nenhuma delas passou)

Enquanto eu pensava que deveria ter enrolado mais no corredor para não ter que ficar esperando sentado na sala, os fiscais recolheram a cadeira que estava no corredor e começaram a ler o regulamento para nós. Enquanto liam, tive uma vontade louca de perguntar se eu poderia acender um baseado e fumar durante a prova, só para encher o saco, mas guardei esta bobagem para mim mesmo (mas se fosse permitido, aposto que o cara do meu lado iria puxar uma seda e começar a enrolar um). Depois, começaram a nos entregar as folhas ópticas, e quando uma pessoa não respondeu ao chamado do fiscal, não consegui deixar de exclamar “Menos um concorrente!” em voz alta. Aposto que todos os outros pensaram a mesma coisa. Ao todo, no primeiro dia, faltaram na minha sala umas 10 pessoas. Melhor pra mim.

A partir do momento que foi-nos permitido abrir os cadernos de exercícios, entrei em transe e não parei de responder as perguntas, até acabar com todas, para então ir para a pior parte de toda a prova: preencher a folha óptica. Pintar todas aquelas elipses a caneta é algo desagradável, especialmente se você for bocó e pintar duas na mesma linha, anulando assim, uma questão. O que é uma merda, sinceramente. Apesar de que seria divertido pintar a cara de um gatinho ou um bonequinho de palito desse jeito. Mas não valia a pena.

O tempo de prova que me restava usei para escrever a redação. Saí da sala preocupado, pensando em algo muito importante para minha vida: o que tinha para o almoço? Precisava voltar para casa. Por via das dúvidas, peguei um lotação, pois eu não queria saber como seria dentro do Glória cheio de gente com fome (vai que me comem?).

Às 3 horas, mais uma aula pré-prova. Para alegria geral da nação (e em especial, do Tio Mauri), não azucrinei na aula de química do EMOssexual, apesar dele afirmar categoricamente que a questão 24 , seu número preferido, seria sobre termoquímica (ele errou. A prova de química começa na questão 26).

Saí do Mauá só às 5 da tarde, e de lá, fui para o hotel Everest, usufruir dos direitos de hóspede do Tio Mauri e jogar sinuca, na companhia dele, Doug, Róger e Cris, que não pode comparecer à aula ontem por ter bebido um litro de vodka inteiro (ela deve ter sangue irlandês pra beber tanto assim), além de engraxar meus chinelos na máquina divertida do hall do hotel. Enquanto jogávamos e xingavam minha pouca habilidade (quase encaçapei a bola branca na lata de lixo do lado da mesa), ouvimos a história do Sergipano Louco, que veio desde Sergipe até o Rio Grande do Sul fazendo todos os vestibulares que encontrou pelo caminho. Há boatos que a CIA já está no encalço deste aloprado. A poltrona com rodinhas da sala de jogos era uma diversão à parte.

Mas a brincadeira não acabou por aí. Do hotel, saímos para dar uma outra voltinha no centro: fomos numa farmácia pra comprar gaze. Quase comprei KY, mas não me dignei a gastar 18 reais por um pote de vaselina (o genérico é 14). De lá, fomos para outro Zaffari, comprar mais comida. Aproveitei e peguei uma garrafa de chá gelado. 3 reais. Coisa cara.

De lá, fomos para o apartamento onde Róger e Cris estavam. “Apartamento” é apenas modo de dizer, pois o nome correto seria “apertamento”. No pequeno espaço de 3 metros por 4, dormiam 6 pessoas. Senti um calafrio correr minha espinha, e por algum motivo que ainda não consegui desvendar, subitamente lembrei-me do ônibus da manhã. Mas nem tudo foi ruim: aprendi a jogar dardos! É um joguinho muito divertido, pena que jogadores menos capacitados do que eu sempre estraguem o reboco das paredes e destruam os móveis próximos. Depois dizem que EU sou sem-noção... (sou mesmo, mas isso não vem ao caso)

Mas não podia me enrolar, e não muito mais tarde, tive que ir embora, pois meu retorno ao lar era imperativo. Para os mentalmente incapazes: precisava voltar pra casa. Sai com Tio Mauri e o acompanhei até a porta do hotel. De lá, saí apressado em direção ao ponto de ônibus. E adivinhem o que eu fiz? Me perdi mais uma vez. Só que desta vez caminhei tanto, mas tanto que fui parar do lado do Rio Guaíba. Olhei para a antiga sede da prefeitura e pensei de novo: “Da última vez esse prédio não tava aqui!”. E como uma barata tonta, sai a caminhar. Pensei em ir até a rodoviária, que não era muito longe dali, e pegar meu ônibus lá. Mas enquanto passava na Rua Voluntários da Pátria, rua que está para Porto Alegre assim como a rua da Nosso Pão está para Caxias, tive uma visão que encheu-me de alegria (não, não era um traveco): a Santa Casa. Um ponto de referência, o que significa que não precisaria ficar perdido!

Não há muito mais o que contar depois disto: cheguei em casa, comi e dormi (não sem antes ter que assistir o “Carros”). Quando me deitei, refleti sobre meu dia, e cheguei a seguinte conclusão: “devia ter trazido a bússola”. Ah! Pensei também: “Prova de biologia amanhã”. E dormi

- 8 de janeiro de 2007

Segundo dia de prova. Minha cama estava agradavelmente quente e confortável, o que me impediu de sair dela e fazer a prova, fazendo-me perder todo o vestibular.

Tá, isso é mentira, mas confesso que realmente pensei em ficar em casa dormindo. O que me levou a tirar minha bunda do colchão foi o pensamento que, se eu não passasse esse ano, eu teria que repetir a dose de vestibular em 2008. Nada agradável.

Tinha decidido pegar um táxi hoje, e ver se valia a pena gastar mais para não levar roçadas (calma, a viadagem ficou no post anterior), o que me daria muito mais tempo para gastar fazendo coisas que antes eu faria correndo, como tomar café, por exemplo!

O dia 8 de janeiro foi muito mais bonito que o dia 7, só pelo simples fato de não ter que esperar um ônibus lotado, mas apenas escolher um táxi, acomodar-se no banco da frente e dizer “Pro colégio Nossa Senhora da Glória!” Valeu a pena gastar 4 vezes o preço da passagem na corrida só por isso.

Por um erro de cálculo, cheguei muito cedo no local de prova. Ao contrário do que muitos poderiam pensar isto não é uma coisa boa, afinal, eu teria que ser muito mais criativo e paciente para descobrir novas formas de enrolar antes de abrirem os portões. Comecei a jogar pinball no celular, mas a brincadeira perdeu a graça depois da quinta vez que quebrei um recorde.

Enquanto isso, outro oportunista resolveu vender água mineral na frente da escola, mas do lado de fora. Isso garantia uma vantagem estratégica, já que, para comprar dele, não era necessário esperar abrirem os portões. A propósito, esse vendedor também não tirava os rótulos das garrafas. Aposto que muito preguiçoso pagaria 50 centavos a mais por este serviço. (eu não seria um desses. Mas provavelmente faria o possível para estourar uma guerra de preços)

Como no dia anterior, abriram os portões às 8 horas, e foi o estouro da boiada para dentro do prédio. Engraçado como as pessoas pensam que, se chegarem antes que todos os outros na sala de prova eles farão uma prova melhor. Eu tenho um pensamento ligeiramente diferente: eu farei uma prova melhor se antes de começar eu fizer todas as minhas necessidades fisiológicas. E foi para este fim que utilizei a meia hora entre a entrada e o começo do exame do dia. Gostaria de fazer uma pequena observação sobre como os banheiros masculinos em colégios dirigidos por freiras são marginalizados e escondidos, forçando os homens que desejam utilizar o toalete deslocarem-se pelo menos 50 metros a mais que as mulheres. CADÊ A IGUALDADE DE SEXOS AQUI?!?! Não vem ao caso de qualquer maneira.

Depois de meia hora enchendo murcilha nos corredores, decidi que seria melhor apresentar-me na minha sala. Muitos dos vestibulandos que faltaram no dia 7 apareceram hoje, talvez na esperança de conseguirem uma vaga por sorteio. HA! A gótica hoje usava uma blusinha vermelha, com a mesma saia do outro dia. Será que o cinto que ela usa foi costurado diretamente em sua cintura, impedindo que ela troque de saia? Ou ela nasceu usando aquela saia preta? E, aliás, o que uma gótica quer na Psicologia? Mais a frente, um indivíduo usando uma camisa branca completamente desabotoada por cima de uma camiseta física, com cabelos lambidos para trás, tomava Red Bull enquanto passava o cha-la-lá em uma coleguinha. Sim, estamos falando do Amante Latino®, primeiro, único e insubstituível. Só esperava que todo o gel que ele passou nos cabelos não tenha atrapalhado seu desempenho intelectual (que mentira, claro que eu esperava isso!).

Hora da prova. Nunca vi uma prova de geografia tão complicada. Alguém sabe onde fica Frederico Westphalen? Qual é a atividade econômica local, além da boa e velha fofoca entre vizinhos? Será que a prefeitura ganhou um cachê por aparecer na prova da UFRGS ou teve que liberar um jabá na mão da COPERSE para ser citada? Química costumava ser mais divertida no tempo de escola, quando tudo o que tínhamos que fazer era tocar fogo em algumas porcarias e proteger os olhos por causa da explosão. Bem que essa prova poderia ter sido igual. Com a Biologia, a coisa foi mais tranqüila. Nem parecia que no começo do ano eu só sabia que aves têm penas!

Como podem imaginar, demorei bastante antes de terminar todas as questões e sair para o almoço. Voltei para casa de lotação mais uma vez. Como ele sempre me deixava a alguns quarteirões de distância de casa, eu precisava caminhar e dobrar uma esquina. Adivinhem como me perdi hoje? Esqueci onde era essa esquina. Só me dei conta que tinha deixado algo para trás quando passei na frente de uma escola infantil com os 7 anões na frente. Pensei em fazer alguma coisa com aquelas estátuas bestas, como, por exemplo, coloca-las no meio da rua com uma placa escrita “Sexo oral por um prato de comida”. Seria realmente divertido, e provavelmente alguém já teria feito isso antes de mim, se não fosse a cerca elétrica que protegia os nossos amiguinhos anões de jardim. Voltar para casa e almoçar era o melhor que podia fazer.

Às 3 da tarde, como sempre, teríamos a aula pré-prova, mas hoje seria um pouco diferente dos outros dias, pois meu transporte dependia exclusivamente de mim. Contrariando o que aprendi sobre os meios de transporte coletivo porto-alegrenses, decidi pegar um ônibus. Levei meia hora só para descobrir o ponto correto, e só decidi pegar um táxi quando meu atraso já era certo. ME ABANE TERESINHA!

Depois do pré-prova, o momento que eu mais ansiava: jogar sinuca. O Róger, que tem a incrível habilidade de descobrir todos os barecos e buracos com mesa de sinuca num raio de um quilômetro quadrado, nos apresentou ao Porto 10, lugarzinho show de bola com mesas muito boas (dava até pra jogar nelas!). Hoje foi meu dia de brilhar. Se tivesse ido tão bem na prova quanto eu fui na jogatina do dia, eu teria gabaritado biologia e química (geografia eu ainda teria errado aquela de Frederico Westphalen).

Como o pessoal ainda tinha fôlego de sobra depois de beber cerveja e sinuquear, fomos a pé, desde o bairro Floresta até o Parque da Redenção, algo em torno de 6 ou 7 quilômetros de distância. Uma verdadeira mixaria. No caminho, passamos pela Faculdade de Medicina (ICBS...) e pela Escola de Engenharia mais uma vez. É um prazer incrível passar por um lugar e poder dizer “Puta merda, eu já me perdi aqui!” Coisas que só o vestibular faz por você...

Mas eu não tinha muito tempo a perder pois, para variar, precisava voltar para casa antes que o expediente dos trombadinhas e tarados começasse (8 horas) para jantar, e depois do jantar, me apavorar com a prova do dia seguinte: Física e Matemática.

-9 de janeiro de 2007

Tenho 18 anos, 12 dos quais passei estudando em diversas escolas: 8 anos de Ensino Fundamental, 3 de Ensino Médio, 6 meses como intercambista e mais 6 de intensivo pré-vestibular. 12 anos. E nesses 12 anos eu não aprendi nada, absolutamente nada de Física! E nesta terça-feira ensolarada, no momento que acordei imediatamente me lembrei deste pequeno detalhe, e que em algumas horas eu teria que fazer uma prova de Física, que eu precisava ir bem para poder entrar na Universidade Federal! “Fodido, você está” diria o Mestre Yoda.

Porém, por menos que eu soubesse, ainda teria que fazer a droga da prova. “É só peso 1, não vai mudar grande coisa na média harmônica” disse uma voz em minha cabeça no caminho para o local de prova, “é só ficar uma ou duas questões acima da média” disse outra. Uma terceira voz falou “Vamos! Pense nas aulas de física do tempo de escola! Você tem que se lembrar de alguma coisa!” Imediatamente após esta voz ter se pronunciado, fiquei relembrando as aulas que tive nos últimos três anos, e tudo que consegui lembrar foram minhas sonecas durante as explicações, da minha admiração pela rua dos 18 do Forte ao invés de fazer os exercícios e de uma certa invasão à casa das freiras de São José bem no meio de uma aula de Física.

É... eu não fazia bosta nenhuma na escola, e só naquela hora crítica me dei conta de que invadir conventos não cai bem no currículo, e muito menos ajuda na hora do vestibular. Mas o tempo não volta, e se voltasse, provavelmente eu tentaria descobrir o que as freiras escondem atrás daquela porta no fundo do auditório ao invés de estudar mais, o que não teria adiantado nada de qualquer maneira (talvez servisse para anatomia, pois deve ter um monte de criancinhas mortas). Era tarde demais.

Eis que vejo uma luz no fim do túnel: meu professor de física do Mauá, Dideron. Fui bater um papo com ele, ver se ele conseguiria salvar minha vida. Para não parecer desesperado, comecei perguntando coisas simplórias, como por que ele estava ali no Colégio Glória quando quase todos os professores estavam no Colégio Bom Conselho (tudo por causa da Medicina, esse curso supervalorizado a troco de nada). “Vim trazer minha filha aqui” disse ele. “Ótimo!” pensei eu “uma concorrente que com certeza sabe física!”. Devia ter perguntado alguma outra coisa. Bem, feita a parte social da coisa, resolvi ser direto, e pedir algo de ordem prática: “Quantas questões eu preciso acertar pra passar no vestibular?” Depois de alguns cálculos levando em consideração a possível média da prova e o provável desvio padrão, Dideron chegou à conclusão de que 12 acertos seria uma boa média, mas só para ficar tranqüilo mesmo, era melhor acertar 14. “Ah, tá” falei, mas pensava “como se fosse escolha minha isso”.

Abriram-se os portões! Como sempre, a pressa dos meus concorrentes para chegarem às salas de prova era algo impressionantemente estúpido, pois é como não querer se atrasar para a própria execução. Eu pelo menos estava neste espírito de desespero. Pelo menos eu ainda poderia procrastinar nos corredores. Procrastinar. Adoro essa palavra. Parece que significa algum tipo de pecado capital, um crime imperdoável, mas no fim significa apenas “enrolar”. Bem, pelo menos, para enrolar nos corredores, o fato de que o banheiro masculino era extremamente mal posicionado veio a calhar, já que me obrigava a caminhar bem mais.

Quase no final do meu tempo de vadiagem malemolente do vestibular, como diria o Jacaré Banguela, entrei na minha sala. Lá estava a gótica, novamente de preto. Acho que a cor vermelha era apenas uma fase intermediária na muda da pele dela, naturalmente preta. Góticos são black, e qualquer coisa diferente é fora do natural.

Começou a prova. Li a primeira página, a segunda, a terceira... todas, até o fim, e cheguei a conclusão de que não tinha a menor idéia de por onde começar. Pensei em rasgar o caderno de exercícios e socar as folhas goela abaixo de qualquer fiscal que aparecesse pela frente, para depois sair gritando pedindo ajuda ao Divino Deus.

FATO CURIOSO: No regulamento do Vestibular, consta que, se algum vestibulando agredir de qualquer maneira (verbal, psicológica e/ou fisicamente) um fiscal, organizador ou coordenador, ele será imediatamente desclassificado do Concurso. Mas não há nenhuma outra regra equivalente sobre agressões contra outros vestibulandos. Talvez seja assim por que a COPERSE considere um meio válido para entrar na universidade o espancamento dos colegas mais fracos...

Mas logo após estes pensamentos nihilistas passarem por minha mente, minha maior habilidade veio à tona. Alguns dão o nome de “Sangue Frio” para este poder. Eu chamo de “cagar e andar”. 85% dos candidatos a alguma vaga da Federal não tem esta habilidade, e não surpreende que sejam os 85% que rodam. Extremamente calmo, comecei a tentar fazer as questões mais fáceis. Não achei nenhuma que pudesse classificar como “fácil”. Fui para as regulares e então para as difíceis, que pareciam multiplicar-se como coelhos.

Faltando apenas 30 minutos para o final da prova, comecei a chutar, primeiro na prova de física (que eu erroneamente tomava por mais fácil), mas ainda insisti em resolver manualmente as questões de matemática, e calculei, usando apenas papel, caneta e neurônios quanto é 5,01 elevados na quinta potência. Não adiantou para nada e comecei a escolher as alternativas esteticamente mais atraentes para assinalar.

Sai da sala faltando apenas 5 minutos para o fim, e apesar disso, ainda não tive que ficar esperando o último seqüelado terminar a prova. Ótimo. Poderia ir mais cedo para casa (como isto significasse algo à uma da tarde).

Depois de um almoço frio por causa do meu atraso, fiquei fazendo hora (procrastinando novamente) até a hora de ir para a aula Pré-Prova. Desta vez, cheguei bem a tempo de não me atrasar. Era o último dia de pré-prova, e esta tarde a última em Porto Alegre sem ter que se preocupar em pegar o ônibus. Era melhor aproveitar bem.

A aula foi muito interessante: o professor Riggo, de história, provavelmente exagerou na dose de orégano no cigarrinho da tarde, e ficou completamente fora da casinha durante sua explicação (“O nome desse cara faz todo mundo pensar em mim: Che Quevara. É por que eu tenho um tição. Não, eu não vou mostrar pra vocês. Vai rolar no chão até a porta. Eu não quero ter que enrolar depois”. Essa foi só uma das pérolas dele. Vou sentir falta desse cara). Conheci outro professor de história geral, que dá aula apenas em Porto Alegre. As aulas dele devem ser também muito interessantes, por que não fazia 5 minutos que ele havia entrado na sala de aula e já tinha metido o dedo do meio na cara de um infeliz na segunda fila, enquanto o Fábio (o OUTRO professor de história geral) escrevia no quadro sobre a Grécia Antiga. Infelizmente, o professor de inglês que nos deu aula foi o de Porto Alegre também, sem o apoio logístico do Martim. Nada surpreendente, já que o Martim nunca aparecia em Caxias para nos dar aula, dando sempre uma desculpa mal-feita, como dor nas costas que sempre se manifestam às 11 da manhã, horário que ele deveria estar no Mauá dando nossa aula, ou que ele passando por Canoas. Nossa turma sempre fazia um bolão quando ele chegava atrasado. Ganhava quem acertava por qual cidade ele estava passeando ao invés de estar trabalhando. Geralmente eu apostava em Erechim, Nova Roma do Sul o São José dos Ausentes, mas tenho a leve impressão de que eu escolhia sempre cidades próximas demais de Caxias. Ou talvez em São José dos Ausentes não haja nenhum aparelho para supino que agüentasse 150 quilos. Não sei, apenas sei que foi uma pena não ter tido a chance de sacaneá-lo mais uma vez a respeito de suas inexplicáveis viagens ou de gritar “THAT’S BULLSHIT” no meio da aula. Que tristeza.

Escalado como sou, fui depois da aula para o quarto do hotel onde o Tio Mauri, a Babi e a Nessa estavam hospedados, bem do lado do elevador, para comer de graça todas as porcarias que eles trouxeram. Tive a impressão que a temperatura ambiente lá era pelo menos dez graus menor do que a natural, talvez por causa dos genes de esquimó da Babi. A cama do Tio Mauri era como um depósito: todas as tralhas iam parar lá, principalmente os papéis de chocolate vazios. Dentro do frigobar tinha um pedaço de melancia e uma garrafa de chá gelado (oba!). Tomei metade do chá gelado, mas não tive tempo de sequer encostar na melancia por que, enquanto reclamávamos dos clipes que passavam na TV (deveria ser proibido por lei produzirem clipes para músicas de reggae. Aliás, deveriam proibir o reggae no Brasil, com direito a surra de toco de bugre para os infratores), por algum motivo que desconheço, estourou uma guerra de travesseiros entre a Babi e o Tio Mauri, sobrando paulada pra mim também. Os olhos da Babi brilhavam com uma intensidade maligna, insana, como se ela quisesse ao invés de acertar-nos com uma almofada, partir-nos ao meio com um machado sujo e enferrujado, para caso não tivéssemos uma morte instantânea, morrêssemos por tétano ou infecção generalizada.

Isto estava realmente nos assustando, mas a fome era ainda pior. Resolvemos dar trégua e jantar fora (do hotel. Fora eu já estava de qualquer forma). O elevador do hotel era realmente divertido de brincar: quando ele balançava demais, parava de descer. Fizemos isso tantas vezes no caminho para o saguão que quando chegamos, ele (o elevador) parou 30 centímetros abaixo do nível do saguão. Reportei ao atendimento que eles precisavam urgentemente chamar a assistência técnica. Só não falei que era por culpa nossa. Passando pela Biblioteca Pública e pela Praça Júlio de Castilhos, fomos tomar um café num shopping com escadas rolantes mal posicionadas (coisa que a Babi não parava de falar). Tirando o preço (salgado) foi perfeito. Depois da janta, paramos no Zaffari do shopping mesmo, pois as gurias queriam comprar energéticos para a prova do dia seguinte. Idéia ruim, se me permitem dizer. A Babi já é hiperativa e desconcentrada em seu estado natural, imagine com 100 ml de cafeína no sangue. Senti pena, mas muita pena dos fiscais da sala dela. Iriam sofrer bastante.

Meia hora de espera na porta do mercado (enrolação pouca é bobagem) e um tombo lindo na escada rolante depois, começamos nosso caminho de volta para o hotel, onde o Róger e a Cris iriam aparecer para jogar cartas. Já eram 9 da noite, e quando passamos na frente de um ponto de táxi, uma batalha interna estourou dentro de mim. Ficaria fazendo festa até altas horas da madrugada e dormia lá no hotel mesmo, ou voltaria para casa para me deitar às nove e meia?

Voltei para casa. Tinha deixado minha caneta lá.

-10 de janeiro de 2007 ou Aquele da Passagem de Ônibus

Foi realmente um presente dos deuses que o último dia de vestibular fosse História, Literatura e Inglês. Dava até a impressão de que as provas haviam acabado na terça-feira, e que a quarta seria só um passeio. Passeio importante, como aqueles do tempo de escola que exigiam relatório valendo uma caceta de nota. Mas passeio é passeio: sempre divertido!

Fui tranqüilo e sereno para o colégio Glória (de táxi, claro), e mais uma vez, enquanto esperava darem a largada para a corrida do Vestibular pra ver quem senta primeiro nas classes, fiquei olhando o povo ao meu redor. Incrível como tem gente que estuda na frente do local de prova com aqueles jornalecos que o cursinho Objetivo distribui. Não são ruins, devo admitir: arrependi-me de não ter dado uma lida mais profunda na edição número 3 (matemática e física).

Como sempre fiz desde o dia 8, fiquei enrolando no corredor, esperando às 8:29 para só então entrar na sala. Fui ao banheiro, olhei as pinturas de Jesus (no corredor, claro. Não gostaria de ficar encarando o Cristo enquanto fazia o número 2), ajudei uma guria a catar a papelada que escorregou para o chão. “Bacana ela” pensei com meus botões, “pena que é concorrente, e eu vou tirar a vaga dela” (e tirei mesmo).


Só depois de muito vagar, dei as caras na minha querida sala 123. Foi o único dia que me arrependi de ter chegado mais tarde, pois minha vaga de sempre tinha sido ocupada. Deveria ter colocado um cartaz na cadeira, com os dizeres “Reservado para a bunda do Samuel”. Azar. Sentei no meio da sala, longe de qualquer parede para me escorar, o que é uma merda. A gótica estava, como sempre, na sua janela no canto, inatingível, desta vez toda de preto, na sua coloração natural. Há quem diga que góticas não gostem apenas de roupas pretas, mas vermelhas e roxas também. Pessoalmente acredito que estas cores apareçam apenas na época de muda, ou são determinados por genes recessivos, como o albinismo. Também existem góticas albinas, isto é, que vestem blusas e vestidos brancos, mas estas são chamadas de “Mães-de-santo” (prometo que esta foi a última vez que faço esta piada).

A prova não foi um passeio agradável como eu imaginei que fosse, mas ainda assim foi o melhor dia de todos, tanto que pela primeira vez de todas as vezes que fiz vestibular, saí logo após o tempo mínimo de permanência, no caso, 2 horas. Esta saída antecipada garantiu-me o privilégio de ver em primeira mão um efeito sociológico interessantíssimo: os pais acampados na frente do colégio, com cadeiras de praia e chimarrão, esperando os filhotes terminarem a prova. Naquele momento dei graças ao Senhor pelos meus pais terem voltado para Caxias: tudo o que eu mais gostaria de ter que responder depois de sair de uma prova é “E aí? Como é que foi?” para eles. Parece que vai fazer alguma diferença se eu disser alguma coisa.

O dia seria bem diferente dos outros, a começar pelo fato que as pré-provas acabaram. Ao invés disto, teríamos a Festa das Tintas, “Um no-jo, mas vocês a-do-ram!” como diria o Riggo. Sem falar que teríamos que pegar nosso ônibus às 20 horas.

Comprei uma camisa e uma bermuda bem vagabundas, já que era para sujar com tinta, e fui para a sede do Mauá. A festa começaria às 15 horas, mas isso fica só no plano teórico. Começou às 16. Sobre a Festa não há muito o que falar, já que foi só (!) tinta, cerveja e som alto. Foi bem divertido ficar jogando tinta diluída em água nos outros. Aquela camisa que comprei era branca. Agora é verde. E aqueles óculos escuros do Tio Riggo não enganavam ninguém (ervas medicinais foram usadas. Em excesso).

Depois de uma ida ao banheiro para se trocar tumultuada pelo segurança (só duas pessoas podiam usar o banheiro ao mesmo tempo. Vai entender), fui para casa tomar meu banho, pegar minhas tralhas e ir pra rodoviária. Foi aí que começou a farra.

Cheguei, bem feliz, já pensando no chuveiro, quando descubro uma coisa muito pouco agradável: na passagem de ônibus, o horário escrito era 19:00, e não 20:00, como eu pensava. E já eram 19:20. Liguei para a Bárbara e falei sobre o ocorrido. Ela ficou realmente estressada. “EU VOU CONSEGUIR ENTRAR NAQUELE ÔNIBUS ÀS OITO HORAS E EU NÃO QUERO SABER SE ARODOVIÁRIA FEZ ERRADO! EU VOU RODAR A BAIANA!” foi mais ou menos o que ela disse no telefone, enquanto eu dizia, em vão, para termos calma. Em todo caso, chegamos a um consenso, e iríamos todos para a rodoviária antes das oito horas. Alguns minutos depois, a Bábi ligou novamente, e disse que, se quiséssemos acertar as nossas passagens, teríamos que nos dirigir ao guichê 15, e falar com... com... com uma mulher de nome muito estranho.

Depois de um banho extremamente longo (10 minutos) para tirar a tinta dos cabelos, chamei um táxi e fui para a rodoviária. No guichê 15, tive o seguinte diálogo:

-Oi, me venderam uma passagem com o horário errado, deveria ser para às oito horas, não às sete, e me disseram que eu deveria falar contigo pra conseguir uma nova.

-Não posso fazer nada por você. Essa passagem era para o sábado passado.

-Obrigado.

A primeira coisa que fiz depois desta conversa animadora foi ir direto para um cesto de lixo e jogar a passagem fora, e a segunda foi ficar olhando os táxis que chegavam, para ver se os outros vinham ou não.

Não demorou muito, e Vanessa, o Tio Mauri, a Morgana e a Bábi chegaram, as duas últimas com vontade de tocar fogo no circo (no sentido figurado) e na rodoviária inteira (no sentido verdadeiro). Não estava interessado em perder tempo, por isso fui logo contando a boa nova, que não só o horário de nossas passagens estava incorreto, mas também a data! Agora sim, aquele colóquio do dia 6 faz sentido. E neste mesmo colóquio, faltaram duas linhas, as seguintes:

-Opa! A data e o horário tão errados! Troca aí, moça.

-OK.

Sabe por que faltaram essas duas linhas? Por que não conferimos porra nenhuma. Eu considerava isto nossa própria responsabilidade, e não me oporia a pagar mais 25 reais de passagem, mas eu e a Bábi não compartilhávamos a mesma opinião. Ela e a Morgana decidiram que iriam ao menos conseguir ressarcimento pelas passagens terem sido vendidas com a data e horário torto. Fui até a lixeira e peguei de volta minha passagem, que ainda não tinha sido coberta por papel de picolé e resto de chimarrão.

No Guichê 15, a conversa foi bem animada: já saíram reclamando da passagem errada, pediram para entrar no ônibus das oito ou dinheiro de volta, e rolou até a clássica “Eu quero falar com o seu supervisor!”. O problema foi que ela era a supervisora. Daí não há condições de por ela contra a parede. Em todo caso, ela disse que não era problema dela, da rodoviária, mas da empresa de ônibus, a Caxiense. Saímos correndo até a sala da compania para reclamarmos, e de lá, para o bloco 3, onde se efetuam as saídas para Caxias.

A Bábi encontrou o motorista do ônibus e falou do nosso problema. O motorista, muito solícito, pra não dizer “filho da puta indiferente” ou coisa pior, disse que o problema não era da Caxiense, mas da rodoviária, e também disse que eram só mais 25 reais para comprar uma passagem nova, para às nove. “Ótimo” pensei “agora é correr de novo pro guichê 15 e encher os pacová daquela mulher de novo”. Mas não foi o que aconteceu. A Bábi grudou naquele palhaço como um carrapato, e disse que nós não tínhamos mais dinheiro. Meu lado que nunca mente ia dizer que isto era mentira, mas meu lado mais ladino deixou por isso mesmo, pois até meu lado que nunca mente é pão duro, e minha carência afetiva não iria deixar uma nota de 20 e um 5 me deixarem para todo o sempre.

O desgraçado do motorista era osso duro de roer, e só parava rindo da nossa cara. Eu não tinha muitas esperanças de usar minha passagem para algo mais útil do que assoar meu nariz. Mas a Bábi mostrou a que veio, e seguiu ele por todos os lugares que ele ia. Ela conseguiu colocar ele contra a parede quando conseguiu fazer com que ele dissesse o próprio nome e sobrenome. Pronto! Se ele não nos deixasse entrar, era só ligar pra ouvidoria da Caxiense e reclamar daquele Fulano. Ela devia fazer Direito, essa guria. Seria uma advogada tão boa que conseguiria convencer todo mundo que o Fernandinho Beira-Mar é gente boa.

Eu nem me lembro do nome dele, o que prova que não tivemos que tomar medida tão drástica. Às 19:55, ele cedeu e deixou que entrássemos no ônibus, desde que houvesse lugares. Saímos correndo para chamar os outros, que ficaram esperando perto dos guichês com as bagagens. Saí correndo pro lado errado (digo isto por que muitas pessoas reclamaram que não me perdi no dia 9, e elas estranhariam se o mesmo ocorresse no dia 10).

Com as nossas bagagens e bundas já no ônibus, relaxamos, sentados do ladinho do banheiro do busão. Depois de tanta farra, aventura, prova e farra, passei a ver minha vida por um outro ângulo, e adotei uma nova filosofia de vida: tenha sempre um mapa à mão.

E este foi o último post das “Aventuras Venturosas de um Vestibulando Vagabundo”. Não haverá reprise ano que vem, pois eu passei nesta droga de concurso.


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