sábado, 26 de julho de 2008

Vida Dura (Parte 17)

No caminho para academia, passo sempre na frente de um restaurante chamado "Boteco Dona Neusa". Ao contrário do que o sufixo "boteco" possa indicar, o estabelecimento é relativamente chique. Talvez seja melhor dizer que é justamente o "boteco" o melhor indicador que o tal lugar é chique - por que tá na moda ser chinelo, ou pelo menos parecer chinelo até certo ponto.

Boteco que é boteco não tem boteco no nome: é bar, lanchonete ou, no pior dos casos, restaurante. Quem coloca "boteco" no nome do lugar é por que quer dar um ar de chinelagem. Ou fingir que dá um ar de chinelagem. Imagine uma conversa entre um casal de classe média alta, sobre onde eles vão comer:

- Amor, hoje é sexta-feira. Vamos ficar em casa assistindo o DVD de Friends pela quinta vez ou vamos sair?
- Também não agüento mais essa porra. Ouvi dizer que abriu um restaurante novo na Lima e Silva, boteco Dona Neusa. Quer ir lá?
- NOOOOOOSSA! Eu sempre quis comer em um boteco de verdade! Vamos agora!

Na frente do tal "boteco", havia uma placa dizendo "venha comer a verdadeira comida de boteco!", escrita com giz numa lousa verde, para dar mais autenticidade para a coisa toda. Mas o que seria a "verdadeira comida de boteco"? PF de feijão com arroz? Batatinha frita? Calabresinha frita? Não. A verdadeira comida de boteco é definida por uma só palavra: sujeira. Aliás, toda a experiência boteco é definida por um monte de sujeira, em todos os cantos, inclusive e especialmente na SUA comida.

O botecão true é aquele mal iluminado, fedendo a cigarro, com mesas tortas de sinuca, com um bêbado de lei que bate ponto todo dia às duas da tarde pra beber até às duas da manhã. Ali, você vê baratas dançando e copulando na frente de todos, e ratos competindo por espaço com elas. Seu Jucão, ex-pedreiro e amasiado com um travesti, é o dono do recinto e o único que anota os pedidos. Ele anda sempre com um palito de dentes na boca, e se não vai com sua cara, manda Pedrinho, o moleque que quebra galho na cozinha, esfregar o pão do seu sanduíche nos próprios testículos.

O boteco de verdade não é aquele da Dona Neusa, com piso branco e limpo, garçons uniformizados esperando para anotar seu pedido. Não. Botecos são a quintessência da sordidez humana. Um lugar onde nosso querido casal nunca se atreveria a entrar.