quarta-feira, 14 de maio de 2008

Ciência e Religião

É inato no ser humano buscar a verdade – considero isso um fato universal a todas as pessoas de todos os tempos. Entretanto, o mesmo não pode ser dito dos meios utilizados para buscar essa verdade. Atualmente, existem dois caminhos majoritários, que apesar de não serem auto-excludentes, frequentemente são colocados como exatos opostos: ciência e religião. Ambos são meios válidos para apreender a realidade do mundo, entretanto, diferem radicalmente no modo de funcionar.

A ciência trabalha com hipóteses, e seu princípio fundamental é a dúvida, pois um “cientista sem uma questão não é ninguém” diria Aristóteles. Com base no falseamento, o cientista busca alcançar um conhecimento mais sólido e válido, partindo do que já era previamente conhecido. Trocando em miúdos, o cientista formula uma hipótese, desenvolve uma metodologia para testá-la e então, baseado nos testes empíricos, confirma, refuta ou reformula sua hipótese original. A religião, por outro lado, é muito mais simples: um representante do poder divino é imbuído com o conhecimento eterno, e então ele o transmite para outras pessoas, que acreditam ou não no que lhe dizem. Digo mais uma vez que ambos os caminhos são maneiras válidas para compreender a realidade e que não são conflitantes entre si, pois a natureza que ambos tentam apreender é qualitativamente diversa. Enquanto a ciência enfoca o mundo material e seus fenômenos, a religião explica o mundo imaterial, transcendente, divino.

O conflito que atualmente existe entre estas duas vias é o desejo político de alguns de, utilizando-se de seus métodos específicos, refutar os pressupostos do outro (1). Por exemplo, muitos cientistas de renome como Richard Dawkins tem efetuado o que se pode chamar de “cruzada” contra as igrejas evangélicas. Mas devo dizer que quem começou a briga foram os evangélicos, que querem a todo custo que seja ensinado nas aulas de ciências a Teoria do Design Inteligente – um nome bonito para Criacionismo – com status de igualdade com a Teoria da Evolução. Dawkins, um biólogo evolucionista, não poderia deixar barato.

E apesar de ter dito anteriormente que ciência e religião são caminhos igualmente válidos e que podem conviver pacificamente, acredito que não podemos confundi-los. Sendo mais específico, não podemos deixar a religião tomar o lugar da ciência, muito menos a ciência tornar-se uma religião.

Grosseiramente falando, a ciência lida com incertezas, e assim progride, trazendo maior conforto e saber para a humanidade, enquanto a religião lida com certezas, permanece imutável e dá segurança e solidez para aqueles que a procuram. Para quem estuda alguma disciplina científica ou possui um apurado pensamento lógico, é evidente que cada vez mais a ciência se encarregará de responder questões que anteriormente pertenciam à alçada da religião. A astronomia hoje é considerada uma disciplina solidamente estabelecida como ciência, e ninguém (de bom senso) questiona se a terra é redonda ou se o sol é o centro do sistema solar. Existem sólidas evidências que corroboram para que a Teoria da Evolução seja considerada “verdadeira”: descobriram-se muitos fósseis de animais extintos que deram “origem” a espécies atuais, foi observada a seleção das populações melhor adaptadas para viver em determinados ambientes e a extinção de espécies e subespécies mal-adaptadas ao seu habitat. Por ser impossível criar um experimento que manipule diretamente a Evolução, não podemos considerá-la uma teoria absolutamente comprovada, mas temos muitos motivos para acreditar que é uma metateoria boa demais para ser refutada. Contudo, Darwin é mais polêmico que Copérnico por que na Bíblia não há um tratado de astronomia, mas há uma descrição bastante detalhada de como Deus criou todos os animais em um dia, o homem no outro e descansou no último. Por refutar a história bíblica do livro de Gênesis, que narra a criação do universo, o Evolucionismo é uma heresia, e põe em xeque a fé de bilhões (2) de pessoas de que um Deus todo poderoso existe. Pessoalmente, acredito que a Teoria da Evolução não é tão poderosa assim, e não consegue refutar a existência de Deus. Ainda assim, considerando que muitas pessoas religiosas apresentam pensamento “preto ou branco”, falsear um aspecto menor de sua crença é o suficiente para deixar milhões em pé de guerra.

Utilizando-se do argumento de que a Evolução é “apenas uma” teoria dentre muitas, os criacionistas defendem que a Teoria do Design Inteligente (que um ser superior criara todos os seres vivos do planeta) deve ser ensinada como alternativa nas aulas de biologia. Já falei que a Evolução não é só “apenas uma” teoria, mas A Teoria biológica mais versátil e avançada de que dispomos, tanto que ela tem sido generalizada para muitos outros campos, entre eles a Psicologia. O Design Inteligente, por outro lado, é apenas a reformulação de um dogma milenar, que explicou e deu conforto para muitas pessoas no passado, mas que não possui nenhuma base científica sólida – apenas o desejo da parte de muitos para que seja verdade. Mas como disse John Adams, fatos são coisas teimosas, por que continuam sendo fatos apesar de nossa vontade.

Não concordo com tudo o que Dawkins e outros de sua classe dizem, mas acho perfeitamente razoável que eles armem um contra-ataque filosófico forte contra os crentes. Abandonar uma teoria versátil, dinâmica, flexível e que permite que inúmeras pesquisas novas se desenvolvam a partir dela, e substituí-la por outra engessada, rígida e tão conservadora que não permitiria nenhuma nova descoberta (3) seria uma catástrofe. Aplicar o rígido pensamento religioso para a ciência não pode trazer nada de positivo, justamente por impedir inovações, e estimular o comodismo intelectual.

E apesar desta minha apaixonada defesa do pensamento científico, sinto-me no dever de apontar os riscos que ele encerra. Considero a verdadeira Ciência inatacável, pois um cientista verdadeiro, comprometido com a busca da verdade, honesto consigo mesmo e com os demais beneficiará o mundo muito mais do que o prejudicará, creia ele em Deus ou não, pois sua conduta o coloca acima de disputas políticas mesquinhas. Por outro lado, muitos centros de pesquisa científica fazem qualquer outra coisa, menos Ciência. De fato, é muito comum uma disciplina anteriormente científica transformar-se em um culto organizado em torno de suas “descobertas”. O exemplo mais bem-acabado disto é a Psicanálise. Esta disciplina, criada no fim do século XIX por Sigmund Freud, tinha originalmente o intuito de estudar os processos psicológicos profundos dos seres humanos. Freud considerava o método científico o melhor disponível para estudar qualquer coisa, e a Psicanálise foi estruturada de forma a ser uma ciência natural. Se isso tornou-se realidade, é outra história. Como disse antes, a ciência lida com hipóteses mutáveis, e a religião lida com certezas permanentes. Freud aparentemente esqueceu-se disso, e quem quisesse se tornar um psicanalista deveria aceitar incondicionalmente os pressupostos psicanalíticos. Quem discordava deixava de ser discípulo e era expulso do clubinho. Adler, Jung e Reich que o digam. As contribuições do velho Sigmund para a Psicologia são inestimáveis, pois os questionamentos feitos por ele permitiram que muitas e muitas pesquisas novas florescessem, e o conhecimento que possuímos sobre nós mesmos seria muito menor se não fossem os insights freudianos. Entretanto, Freud poderia ter feito uma colaboração muito maior para a humanidade se tivesse considerado a possibilidade de estar errado em algum ponto de sua teoria, e a mantivesse aberta para reformulações propostas por outros que não ele (4). Hoje, a Psicanálise Freudiana Ortodoxa é considerada uma mera pseudociência.

Pseudociências, de maneira geral, são cultos religiosos que se passam por ciências sérias, cujos pressupostos são rígidos, inflexíveis e absolutos, além de contarem com um embasamento empírico muito duvidoso (5). O processo para tornar-se membro de determinado grupo ou movimento pseudocientífico é muito similar ao processo para tornar-se membro de uma igreja. Para poder entender as teorias dele, é necessário primeiro estudá-lo. Não apenas ler os artigos e pensar a respeito, mas fazer cursos, participar de conferências e perder um bom tempo lendo e relendo os textos mais básicos até entender. Depois de tanto dinheiro investido (por que, acredite, esses cursos não são baratos, pelo menos no caso da Psicanálise) e tempo utilizado para melhor compreender as idéias propostas pelo grupo, elas passam a fazer sentido para você – e este conhecimento te difere dos demais mortais e te eleva perante eles. Você se torna um igual perante os demais membros do movimento. Isto se chama “iniciação”. Depois da iniciação, você poderá ler os textos mais avançados, e tornar-se ainda mais erudito e entendido na teoria. Quem não segue este processo não está adequadamente preparado para criticar a teoria, mas o engraçado é que quem faz tudo isso não critica nada! É compreensível, pois deve ser bem humilhante ter que admitir que tudo o que se gastou e investiu foi inútil. É cognitivamente mais econômico ter certeza de que o que lhe ensinaram é absolutamente verdadeiro, e é mais carinhoso ao ego. Karl Jaspers, em seu livro “Introdução ao Pensamento Científico” cita o exemplo de uma discussão que teve com um psicanalista, que alegava que, uma vez que ele, Jaspers, se submetesse à análise, toda a teoria psicanalítica faria sentido para ele. Ou seja, ele precisava colocar-se em posição inferior e receber o conhecimento de fora. O bom existencialista questionou isso na hora. Afinal, qual é a diferença deste processo todo da crisma católica? Começa-se estudando a Bíblia, vai-se crescendo, e no fim do processo, recebe-se a crisma e torna-se um adulto perante Deus. Trocando “Bíblia” por “livro-texto”, “crisma” por “diploma” e “Deus” por “Chefe da Teoria”, temos essencialmente a mesma coisa.

Fazer a crisma não é algo inerentemente negativo, pois é um rito religioso que reconhece-se como tal, e não tem nenhuma pretensão científica (geralmente). Mas com as pseudociências, o buraco é mais embaixo. Estes iniciados em obscuras artes não se contentam em aprender a teoria, mas querem pô-la em prática, geralmente cobrando uma boa grana por isso. Aqui em Porto Alegre existia (ou existe) uma clínica especializada em curar síndrome de down através de exercícios de respiração. Quantas e quais pesquisas comprovam a eficácia destes exercícios? Nenhuma. Quanto deve custar para receber este tratamento? Muito. Levando em conta a relação entre custos e benefícios, é vantajoso para uma mãe desesperada pela condição de sua criança fazer um tratamento assim? Nem financeiramente, muito menos emocionalmente. É bem provável que algum iniciado em Dianética (a pseudociência por trás da Cientologia) possa colocar em risco o emprego, o negócio ou até mesmo a vida de alguém ingênuo o suficiente para pagar por seus serviços. Todo cuidado é pouco em situações como estas.

Os casos que citei são extremos, pois envolvem sentimentos e vidas de seres humanos. Entretanto, há casos mais sutis, onde a única morte é do espírito crítico de estudantes de Ciências Humanas, como Psicologia. Começa-se exigindo que se leiam todos os textos de certa disciplina para então poder criticá-la, que se faça referência aos autores que o professor quer, e pronto! Temos mais alguns seguidores da teoria, que a aceitaram apenas por que ela é misteriosa, complexa, e por ter lido tanto que se passa a acreditar piamente nela (6).

Mas, apesar de tudo que disse, acredito que seja possível que haja uma relação e uma intersecção saudável entre ciência e religião. Apesar de tentarem entender coisas diferentes de formas diferentes, ambas compartilham a busca pela verdade. A religião pode propor os desafios de pesquisa, enquanto que a ciência refuta suas hipóteses. Dogmas imutáveis trazem segurança, mas nos cegam para esta busca. Se as religiões forem capazes de tornarem-se mais flexíveis, autocríticas e questionadoras, provavelmente metade dos conflitos que enfrentamos no mundo hoje perderiam todo o sentido e acabariam. Seria bem melhor viver em um mundo onde as religiões são científicas, e as ciências não são religiosas.




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1. Também ocorrem pesquisas muito interessantes sobre aspectos neurológicos das experiências religiosas, mas que considero muito diferentes dos conflitos abordados neste post.

2. Talvez nem tanto, mas estou me baseando nas estatísticas de que 1,5 bilhão de pessoas são cristãos, e que todos acreditam em tudo o que a Bíblia diz.

3. Sério, alguém por favor me diz como eu posso fazer pesquisas utilizando os pressupostos teóricos da Teoria do Design Inteligente. Confirmações fuleiras da existência de Deus não contam como pesquisa.

4. Dizer que Freud não reformulou sua teoria da psicodinâmica é ignorância. A questão é que só ele podia fazer isto – os seus seguidores deveriam meramente acatar sua decisão.

5. Existem teorias que, apesar de não terem um bom embasamento empírico, seja por serem muito novas ou por não existir interesse em pesquisá-las, são boas e contribuem para o progresso científico. Para não ser injustos com estas teorias, os filósofos da ciência as chama de “protociências” – projetos de ciência. Frequentemente a Psicologia como um todo é considerada uma protociência.

6. Juro que nunca tive aulas assim. É sério.

Blogs

Há alguma coisa nos blogs que me atrai. Acho o layout da maioria deles bonito, especialmente por sua simplicidade: há o cabecalho do site, o corpo de artigos onde aparecem os textos, vídeos e fotos que posto, e a barra lateral, com links e informações úteis (ou nem tanto). Mas acho que a parte mais bela do blog é seu ar de "trabalho em construção", dos textos novos aparecerem no topo da tela e empurrarem os textos antigos para o arquivo. Dá uma sensação de crescimento.

As Provações da Faculdade XI

E... não, não consegui ficar 48 horas acordado. Entretanto, eu acabo de terminar o segundo relatório para a cadeira de Processos Grupais I. Mais uma vez, sinto-me satisfeito, por ter terminado a droga do trabalho, e por ter feito isso de uma maneira satisfatória (e apesar de saber que tenho mais três pela frente, sem contar o trabalho final). Foi mais fácil do que da última vez, e consegui citar adequadamente mais autores dos Mais Mais do Serjão. Ainda assim, sinto-me um tanto quanto desconfortável com esta aula. Discuti por um bom tempo com uma das monitoras da cadeira, eu argumentando que para ir bem nesta disciplina era necessário um "leap of faith", um pulo de fé, acreditar nos autores que o professor gosta, enquanto ela defendia que somos livres para usar todos os autores que quisermos. Abri meu outro relatório, já corrigido, e há um comentário do professor dizendo que eu tenho que usar os outros autores estudados durante as aulas. O grifo no "tenho" não é meu. É do professor.

Em ciência, conversão e iniciação são duas coisas muito mal vistas, ou pelo menos deveriam ser. Admito que sempre que escolho seguir uma linha teórica, seja para um trabalho ou para a vida profissional como um todo eu preciso ter um pouco de fé e acreditar no que esta teoria tem para dizer. Entretanto, eu devo ter em mente que nenhuma teoria ou autor detêm todas as respostas, e manter-me aberto para outras possibilidades. Não sinto isso nesta cadeira, pois, queira ou não queira, eu tenho que usar os Mais Mais do Serjão. É isso aí. Sinto-me como se eu quisesse comprar uma calça jeans, e o vendedor insistisse em me trazer calças quatro ou cinco números menores que o meu, dizendo que eu tenho que vestir aquilo. A diferença é eu posso reclamar do vendedor com o gerente, ao passo que meu professor é concursado, e não importa quantas passeatas eu consiga organizar pela saída dele, ele não vai ser destituído do cargo. E ele sabe disso.

Encaro esta disciplina como um processo de crescimento, onde ou eu renuncio ou me dou mal. Vou fazer o que o professor pede, mas só por este semestre e com pouca satisfação.

As Provações da Faculdade X

Vamos ver se eu agüento 48 horas acordado. Nem nos escoteiros eu fazia isso.

Limitações Corporais e Prioridades

O cansaço está começando a me pegar. Noto isso pois está cada vez mais difícil juntar duas ou mais palavras em uma frase coerente, e minhas frases estão ficando cada vez mais curtas e telegráficas. Tinha planejado terminar esta noite o segundo relatório de Processos Grupais, mas algo dentro de mim me levou a dar preferência para como me sinto. Se não fizer o relatório, posso rodar na detestável cadeira do Sérgio Antônio Carlos e perder um ano da minha vida cursando-a de novo. Mas ignorar minhas angústias pode me fazer perder contato comigo mesmo e com minha própria vida. E essa eu não posso repetir. É uma questão de prioridades.

Voltarei a escrever para agradar o velho Leôncio agora.

Morte

Hoje lembrei-me da morte mais uma vez. Acho que isso ficou claro nos últimos três posts ou mais. Tenho medo da morte. Tenho medo de morrer e descobrir que não fui o que deveria ter sido, o que poderia ter sido. Mais precisamente, não tenho medo da morte em si, pois morrer é fácil: qualquer um pode deitar-se no chão e esperar seu abraço. Difícil é viver de forma criativa, honrada, corajosa. Temo no dia da minha morte descobrir que não vivi. Este é um medo que me acompanha diariamente. Posso esquecê-lo, deixá-lo em segundo plano para atender as demandas de minha vida estudantil, mas no momento que paro e fico só comigo mesmo, lembro-me de sua eterna presença. Penso então em minha vida. Ela é boa, ela faz sentido. Mas é incompleta.

Estou me repetindo nestes posts, dizendo a mesma coisa de formas diferentes, frequentemente desconexas. Acho que estou fazendo isso por não encontrar uma maneira mais adequada e definitiva de expressar o que sinto neste momento.

Não quero que meu sentimento atual desapareça por um passe de mágica, pois ele é uma bússola que mostra que há algo faltando em mim. A dor pode ser ruim, mas mostra que algo não está certo. Esta minha angústia existencial também. Se me fosse proposto nunca mais sentir-me assim, recusaria. Seria como vender minha alma para o diabo. Quero descobrir por conta própria o que devo fazer, a minha Verdade. Quando fizer isso, a angústia será irrelevante.

Um texto um tanto quanto aleatório

Criei este blog para dar vazão às minhas necessidades de escrever extensamente. Na época de seu nascimento, o Roqueiro & Alcoólatra ainda era ativo. Entretanto, por vários motivos, sentia-me afastado dele. Adoro o R&A, sou amigo de todos os outros postadores (exceto o Anônimo. Vai saber quem ele é), mas não me sinto compelido a escrever muito por lá. De fato, o contexto é muito importante para que certos comportamentos possam acontecer. Escrever é um deles.

O título de um texto ou nome de um blog é muito importante para que o leitor pesque qual o assunto tratado. O nome "Roqueiro & Alcoólatra", como já disse no post inicial, me passa uma impressão de que se fala apenas de rock n' roll e bebidas alcóolicas. Não representa a realidade, mas arma um contexto meio bobagento. Nada contra bobagens, aliás, adoro escrever e falar um monte delas (faço bastante disso aqui), mas quando quero tratar de coisas mais sérias, sinto-me deslocado no R&A. E o fato de Huginn ter me pedido para ou maneirar no comprimento dos textos ou escrever num sub-blog criado especialmente para monografias foi um verdadeiro banho de água fria.

"Amoladores de Facas" me passa uma idéia de constante argumentação, cientificidade e crítica. Seriedade, por fim. Discutir preceitos filosóficos e refutar hipóteses furadas por trás de pesquisas ou notas de repúdio é um dos meus vícios. Mas também fico com a impressão de que assuntos pessoais serão amolados no momento que aparecerem (através de exclamações como "isso aqui virou teu floguxo, miguxo?" e assemelhados. Provavelmente eu escreveria essa frase linda. Aliás, fui eu quem escreveu. Aqui. Mas não vem ao caso).

"Espadachim Cego", por outro lado, dá uma idéia contextual completamente diferente. Como já disse, inspirei-me na história japonesa de Zatoichi, o mestre cego da espada que vagava pelo país ganhando a vida como um pobre massagista e com apostas em bingos (não é bem esse o termo, mas vá lá), mas que não hesitava em salvar e proteger os pobres, os necessitados, os fracos e oprimidos. Deixa uma margem para bobagens e coisas pouco sérias, e não exclui as amolações que tanto prezo (espadas não deixam de ser facas, e portanto também precisam ser amoladas), mas também deixa espaço para tratar de minha própria existência, daquilo que me move profundamente.

Segundo a tradição japonesa, aquele que aceita sua própria morte sem medo é considerado um Mestre da Espada, pois aceitou e dominou a si mesmo. Alguns alcançam isso depois de anos de treinamento diligente, enquanto outros o alcançam apenas em sua hora derradeira. Ambas maneiras são admiráveis. Na Grégia Antiga, os cegos eram considerados sábios, pois tinham a visão que não é cegada pelos olhos - a visão além da visão (ou visão além do alcance, fãs de Thundercats). Estou repetindo muito do que já disse no post inaugural porque quero mostrar a mesma questão de um ponto de vista diferente, pois não falei como estes aspectos me tangem.

Desde cedo, quis ser forte. Não apenas um brutamontes que sabe chutar e socar. Isso é muito fácil, pouco realizador. Quando pensava em Artes Marciais, Wushu, Budô (1), pensava em ser um dos melhores, ser um verdadeiro mestre. É uma idéia bonita, como os muitos filmes do Jackie Chan, Bruce Lee e Jet Li mostram, e é uma idéia antiga, como as diversas histórias de jovens que abandonam suas casas em busca do lendário mestre que os ensinará a arte da espada contam. Mas um fator quase sempre esquecido é a dificuldade em trilhar esse caminho. Dos filmes e histórias que falei, muitos mostram ou falam de treinos rigorosos, mas que nunca transmitem a verdadeira dificuldade por ser apenas visual, nunca sentido no próprio corpo e mente.

Sentido no corpo por causa dos exercícios exaustivos e dolorosos, e sentido na mente por causa da dor, do cansaço, e principalmente da complexidade e dificuldade de absorver os ensinamentos do mestre. Há um koan(2) shaolin que diz que "para um iniciante, um chute é só um chute, e um soco é só um soco. Quando o iniciante se torna um lutador, um chute é mais do que um chute, e um soco é mais do que um soco. Enfim, quando o lutador se torna um mestre em seu pleno direito, ele vê que um chute é só um chute, e um soco é só um soco". Viktor Frankl, em seu livro "A Presença Ignorada de Deus", diz que o objetivo da terapia é "converter uma potentia (potencialidade) inconsciente num actus (ato) consciente, fazendo-o, porém, por nenhuma outra razão que reinstaurá-la eventualmente como habitus (qualidade, estado) inconsciente. Em última análise é tarefa do terapeuta restaurar a espontaneidade e ingenuidade de um ato existencial irrefletido" (1985, pag. 32). Tanto o koan quanto o que diz Frankl tocam o mesmo assunto, de maneiras distintas, porém complementares. Apenas quando li "A Presença Ignorada de Deus" compreendi o que o koan quer dizer.

Mas tornar-se um mestre espadachim ou das artes marciais não é o único caminho possível para a auto-realização. Na verdade, o caminho é o que menos importa, desde que se siga algum com todo coração. No entanto, se os caminhos diferem, a dificuldade em trilhá-los é igual para todos. Além da dor do treino, e da maçante estagnação que frequentemente nos assola, há ainda a necessidade de separar-se dos outros. Quando escolhemos um caminho de auto-realização, escolhemos tornar-nos indivíduos, indivisíveis, unos. Devemos abandonar definitivamente os laços primários que nos unem aos outros, e com eles a segurança que nos transmitiam. É doloroso, pois muitas vezes aqueles ao nosso redor não entendem porque desejaríamos nos tornarmos outra coisa do que o já somos agora. Por um lado, não desejamos ser diferentes e abandonar o conforto que nos cerca, mas sabemos em nosso íntimo que nunca teremos paz interior se não o fizermos.

Enfrento esta dúvida dilacerante, e apesar de ter claro em minha mente qual caminho devo e quero trilhar, com freqüência fraquejo. Escolhi ser um mestre em Wushu, mas falho em treinar; escolhi tornar-me psicólogo, mas não estudo tanto quanto deveria; escolhi ser bondoso, mas humilho e distrato outros; escolhi o solitário caminho da desaparição, mas sou atraído para as festas e os holofotes. Imagino-me como sendo perfeito, mas falho a todo momento. É duro buscar respostas quando se acha que possui todas.

E se falo sobre isso com algum de meus colegas, sinto-me profundamente incompreendido. Parece que lhes falta algo, mas pode ser que falta algo em mim. Não que eu ache que alguém neste mundo tenha uma solução para minha existência, que me faria sentir-me feliz, satisfeito, completo. A única forma de atingir a perfeição é a morte. Não, eu tenho as minhas próprias respostas, apenas preciso descobri-las.

Não lembro bem por que comecei a escrever este texto, no distante mês de fevereiro (3). Achei que estava bem escrito, e apesar de um pouco desconexo, que valia a pena aproveitá-lo. Não estou muito preocupado com nexo neste momento - talvez, daqui a 20 ou 30 anos este texto faça sentido, mas expressar-me parece mais urgente agora.


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1. Wushu e Budô são equivalentes, significando "Arte Marcial" em chinês e japonês, respectivamente.

2. Koans são histórias ou parábolas contadas pelos mestres zen para desafiar seus alunos a pensarem de forma diferente.

3. Dia 10 de fevereiro de 2008, para ser mais exato.

O Eterno Desafio da Impermanência

Sinto dentro de mim um forte desejo de crescer, expandir-me, mas não sei como, e não sei para onde. Hoje fui tomado pela angústia de existir. Encontro-me diante da porta de meu destino, sei que devo abri-la se desejo continuar, mas sinto um grande medo de fazer isto. É o certo a fazer? Ou irei desperdiçar o pouco tempo que disponho neste mundo sem nenhuma garantia que haja outro depois da minha morte? De qualquer forma, cada minuto que passa é outro prego em meu caixão, e nada posso fazer para congelar o tempo. Ele passa, indiferente a minha vida. Já era assim antes de eu nascer, e continuará sendo após meu último suspiro. Gostaria que a vida me desse respostas, mas é ela que exige de mim uma atitude. Sou eu quem deve agir, para transformar qualquer potência em ato. A vida nos desafia a viver e crescer.

Uma Teoria da Motivação Humana

Tenho uma teoria da motivação humana. Ela não é original, já que muitos teóricos antes de mim tiveram idéias muito semelhantes, como Jung, Rogers, Maslow, Frankl, Adler e tantos outros antes deles, e muito menos um consenso entre os psicólogos e cientistas humanos, pois para que ela seja verdadeira, é necessário que haja algo maior que todos nós regendo o universo.

Baseado no que tenho lido, visto e vivido, sinto-me seguro que nós somos livres, mas nossos corpos não o são. Todos os determinantes físicos, biológicos, psíquicos e sociais agem sobre nosso organismo, o veículo de nosso espírito, que por não poder manifestar-se independentemente, fica enormemente limitado, com apenas uma pequena margem de possibilidades para agir. Metaforicamente falando, somos motoristas presos dentro de nossos próprios carros. Por mais que isto tolha nosso poder, ainda dispomos de uma grande liberdade, pois apesar de todos os determinantes, ainda somos grandemente indeterminados.

Minha teoria é de que todos os nossos atos, conscientes ou não, são em direção a um bem maior. Mesmo atos cruéis buscam a transcendência, apesar de ser de uma forma distorcida e perversa. Todas as músicas compostas, todos os discursos escritos e lidos, todas as obras de arte criadas, as compras no mercado, as noites em claro, os beijos e abraços, as alegrias e as tristezas que vivenciamos são um degrau em direção ao Bem Supremo. O que é esse Bem Supremo? Minha mente está por demais envolvida na matéria para ser capaz de imaginar o que ele seria. Ficar pensando a respeito de sua natureza pode ser interessante, mas não passaria de um exercício escolástico tão útil quanto discutir o sexo dos anjos.

Dentro de nós, há um potencial para tornamo-nos algo. Isto pode ser dar através da genética, da evolução, do aprendizado social ou revoluções mentais, talvez até da influência dos quarks ou das estrelas distantes. O que quer que seja, esta vontade de potência não é fechada e imutável o bastante para tornar-nos em andróides, nem ilimitada – ela é circunstancial, e depende tanto do que acontece dentro de nós quanto em nossa volta. Uma pessoa saudável irá naturalmente seguir esta pulsão para o bem, enquanto que uma pessoa doente tentará seguir seu caminho de uma maneira mais canhestra, errática, buscará curar-se primeiro para então seguir adiante, ou se curará enquanto avança.

Este potencial é limitado, mas somos livres para decidir se queremos realizá-lo e transformá-lo em ato ou se desejamos fazer qualquer outra coisa. Parece-me que o único caminho saudável é aceitá-lo como nossa verdade de vida e realizá-lo. Uma semente de carvalho só tem um caminho a seguir, que é desenvolver-se e apontar para o alto, mas pode permanecer como é, mera e minúscula semente. Esta escolha existe, mas fica claro qual é preferível. Esta minha afirmação parece contradizer o que disse anteriormente sobre a liberdade humana de escolher pelo menos em parte seu destino, mas acredito firmemente que este caminho torna-se possível apenas quando ardorosamente desejado. Quando se busca tornar-se o que realmente se é. Podem existir pessoas mais bem preparadas para subir esta escadaria para o Céu, física e mentalmente, mas apenas as que isto tentaram tiveram sucesso, independente de sua força. O melhor corredor do mundo não pode ganhar nenhuma maratona se não competir, e nenhum forte alpinista pode escalar o Everest se não der o primeiro passo em direção ao leste.

Temos tudo que precisamos para esta jornada dentro de nós mesmos: as capacidades, a energia, a disposição. Mas elas sozinhas nada conseguem, se não forem guiadas por uma vontade persistente, que supera as barreiras impostas pelo mundo. E não existe jornada sem obstáculos – todo guerreiro já foi derrotado, fraquejou, desesperou-se. Uma jornada fácil não é uma verdadeira jornada, é apenas um passeio inconseqüente.

Nossas vidas não são caminhadas pelo parque – há um sentido na existência de todo ser vivo. Só por que somos incapazes de perceber isto não quer dizer que não exista. E no caso dos seres humanos, o sentido não apenas existe: ele pode ser encontrado, escolhido ou ativamente criado por nós.

Se nós somos meros fantoches de algum ser superior, ou se somos meros amontoados de átomos, pouco importa. Existimos, e isto para mim basta. Nossa existência é efêmera, mas isto é mais um motivo para desenvolvermos todo o potencial que pudermos. A morte torna nossas vidas belas, pois não importa o que façamos, será único. Talvez vivamos de forma parecida com outros, talvez as angústias que enfrentamos sejam as mesmas que a humanidade enfrenta há milênios, mas ainda assim somos únicos.

Somos programados para cumprir um destino: nascer, crescer, desenvolver todo nosso potencial, espalhá-lo pelo mundo e então cessar de existir. Brilhar tanto quanto pudermos, mesmo sabendo que nos apagaremos no final. Este é o melhor caminho que podemos seguir, mas ainda somos livres o suficiente para trilhar qualquer outro que houver. Mas se escolhemos o caminho do crescimento, devemos fazê-lo com todo nosso espírito, para que no fim nossos esforços frutifiquem.

Melhores Músicas da História III

Forever Young
Composição: Alphaville

Let's dance in style, let's dance for a while
Heaven can wait we're only watching the skies
Hoping for the best but expecting the worst
Are you going to drop the bomb or not?

Let us die young or let us live forever
We don't have the power but we never say never
Sitting in a sandpit, life is a short trip
The music's for the sad men

Can you imagine when this race is won
Turn our golden faces into the sun
Praising our leaders we're getting in tune
The music's played by the mad men

Forever young, i want to be forever young
Do you really want to live forever, forever and ever
Forever young, i want to be forever young
Do you really want to live forever? forever young

Some are like water, some are like the heat
Some are a melody and some are the beat
Sooner or later they all will be gone
Why don't they stay young

It's so hard to get old without a cause
I don't want to perish like a fading horse
Youth's like diamonds in the sun
And diamonds are forever

So many adventures couldn't happen today
So many songs we forgot to play
So many dreams swinging out of the blue
We let them come true

Forever young, i want to be forever young
Do you really want to live forever, forever and ever
Forever young, i want to be forever young
Do you really want to live forever, forever and ever

Forever young, i want to be forever young
Do you really want to live forever?
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Música que me tem feito pensar bastante.

As Provações da Faculdade IX

Está muito mais fácil fazer o relatório agora. É quase prazeiroso. Quase.
O café com leite com gosto de sola de sapato que fiz antes de começar deve estar fazendo efeito.

As Provações da Faculdade VIII

De volta à carga com os relatórios de Processos Grupais I. Agora não posso nem mais reclamar que as observações estão consumindo todo meu tempo.