terça-feira, 29 de maio de 2012

Copyright e Fluxo de Informações

Um dos pilares da nossa sociedade capitalista é a propriedade privada: o que é meu é meu, e o que é seu é seu, mas se você bobear, vai ser meu também, e logo. O objetivo do capitalista é crescer para todos os lados, expandir sua propriedade por todo o mundo, tornar-se dono do universo, e de todos os processos que nele acontecem. Isto aparece de maneira óbvia com os objetos materiais, como fábricas, máquinas, apartamentos e aparelhos eletrônicos, mas ocorre também com o que se convencionou chamar de "propriedade intelectual." Este é um termo particularmente vago, que abrange qualquer coisa que qualquer ser humano possa escrever, desenhar, falar ou registrar eletronicamente. Dizer que só recentemente a propriedade intelectual foi atacada pelo capitalismo seria uma ingenuidade da minha parte, por que a primeira coisa que fazem depois de inventar uma nova tecnologia de informação é descobrir como fazer para ganhar dinheiro com ela. Em nossos dias, porém, este processo está ainda mais gritante, por que acontece com cada vez mais velocidade e intensidade.

Através da internet, produzir conteúdo e compartilhá-lo deixou de ser monopólio de empresas especializadas nisto, como gravadoras de música e emissoras de televisão, e passou a ser uma possibilidade para todos que disponham de um computador e um modem. Esta possibilidade encerra em si uma outra: a de que no futuro eliminemos por completo o trabalho destas empresas especializadas e façamos tudo de maneira direta, sem mediadores e intermediários. O mero sonho de que isto possa acontecer um dia é tão assustador para a maior parte da indústria de propriedade intelectual que elas fizeram (e fazem) um esforço enorme para que leis de copyright como as infames SOPA, PIPA e ACTA, e regulamentar como se compartilha dados na internet. Tais leis,se aprovadas, teriam limitado a troca de informações entre usuários de internet de um modo tão profundo que até mesmo emails e mensagens pessoais poderiam ser investigados por quebra de copyright. A mera tramitação dos projetos de lei no congresso dos Estados Unidos deu direito ao FBI de fechar o Megaupload e prender seu presidente, Kim Dotcom, que morava na Nova Zelândia. Se tivessem sido aprovadas, a maneira como usamos a internet não mudaria radicalmente - morreria. É difícil, e um tanto quanto apelativo, tentar imaginar como seria um mundo onde as leis Anti-Pirataria na Internet tivessem sido aprovadas e postas em prática, mas a prisão de Dotcom indica que seria um grande estado policial, sempre buscando coibir qualquer coisa que violasse os direitos autorais e de lucro das grandes empresas.

Num mundo como este, o que fariam os anarquistas? Pra começo de história, essa cara:


Apesar do fechamento do Megaupload, junto com as restrições autoimpostas de outros sites de hospedagem de arquivos, ter diminuído consideravelmente o compartilhamento de arquivos, não quer dizer que as pessoas pararam de fazê-lo. O Pirate Bay e os milhares sites de torrents foram ameaçados, mas continuaram funcionando, e (tirando os eventuais cagaços que tomamos) parecem que vão continuar funcionando por muito mais tempo.

Um aspecto central de todos os governos modernos é que seu poder se baseia quase que exclusivamente em coerção: punir quem age contra os interesses do Estado, e ameaçar com possíveis punições aqueles que pensam em agir contra os interesses do Estado. A curto prazo, é uma estratégia eficaz, por que punições severas e ameaças graves inibem todo e qualquer comportamento indesejado. Por exemplo, a prisão de Kim Dotcom realmente fez com que o Megaupload parasse de funcionar, e de quebra ainda assustou outros os donos e administradores de outros sites parecidos. Entretanto, a longo prazo a coerção é um tiro no pé por que sempre suas vítimas sempre encontram uma maneira de contorná-la, obrigando quem coibe a aumentar suas punições e ameaças cada vez mais para continuar sendo "efetivo", até que o sistema entre em colapso. Como diz um ditado paraguaio: "hecha la ley, hecha la trampa" (feita a lei, feita a trapaça).

E para um anarquista que vive nestes tempos loucos, a internet é a melhor maneira de obter informações. Entretanto, para que ela seja realmente anarquista, e realmente eficaz como fonte de conhecimento, ela depende da colaboração espontânea e até certo ponto desinteressada (de uma perspectiva capitalista, pelo menos) de muitas pessoas e, principalmente, a sua própria colaboração espontânea e desinteressada. Muitas pessoas compartilham fotos, textos, livros, link, músicas e muitas outras coisas. Mas, se todas as pessoas que disto se beneficiam se limitarem a fazerem o download e deixarem seus novos arquivos bem guardados em seus computadores, sem os repassarem adiante de algum jeito ou de outro, a internet não teria tido o impacto que têm atualmente em nossas vidas. Seria, no máximo, uma moda passageira, como foram os tamagochi e os Menudos, sem nenhum impacto ou consequencia.

O fato dela ser tão importante e presente em todas as nossas atividades é, penso eu, por que ela potencializou práticas muito antigas de apoio mútuo, e serviu para agrupar e aproximar pessoas em torno de objetivos e gostos em comum (ainda que ela possa ser usada também para fazer o oposto). Na subcultura anarquista, sempre foi muito comum a troca de informações. Como falei em um texto mais antigo aqui do blog, informação é poder, e uma sociedade igualitária exige tanto uma distribuição equalitária tanto dos bens materiais, quanto dos bens simbólicos. Por isso, os anarquistas sempre teceram redes de troca de conhecimentos, fazendo empréstimos de livros, revistas, jornais e até mesmo fofocas, mitos, histórias e mentiras deslavadas. Antes da internet, esta troca simbólica era muito mais concreta, e por isso muito mais demorada. Além disso, era muito mais vulnerável à censura. No livro "História das Idéias e Movimentos Anarquistas", de George Woodcock, fica bem óbvio quanto interesse os governos e classes dominantes tinham em proibir a circulação de panfletos libertários e revolucionários de maneira geral.


 Hoje, tanto por causa das mudanças na relação entre população e Estado, bem como nas mudanças tecnológicas como o surgimento da internet e seus muitos acessórios, não é possível (pelo menos na nossa sociedade ocidental) censurar na cara dura. É preciso inventar alguma desculpa, dizer que é para a segurança da sociedade, fazer uma campanha terrorista mostrando todos os perigos  que a publicação de tais informações carregam consigo (especialmente contra as crianças), ou usar algum argumento econômico bastante duvidoso de que tais práticas estão ferindo os lucros das grandes empresas e, portanto, toda a sociedade. Frente a estes argumentos, é importante pensar em quem o Governo quer proteger: a população ou os grandes proprietários? Não quero dar nenhum spoiler, mas vou dar uma dica - nós não somos importantes para o Estado.