sábado, 19 de setembro de 2009

Vida Dura (Parte 26)

Há outra coisa no transporte público portoalegrense além da superlotação do D43 que me serve de pretexo pra fazer tempestade em copo d'água enche de horror: a BusTV. Se este ridículo nome, criado a partir da fusão das palavras "bus" e "TV", não foi óbvio o suficiente para você entender do que se trata, eu explico: são televisões dentro dos ônibus.

Praticamente todos os meus colegas de faculdade reclamam da programação da Rede Globo (e os que não fazem isso não assistem TV). No começo, eu pensava que era só empolamento de acadêmico, que acha que tudo no Brasil vai mal por que ele não é contatado pra arrumar as coisas, mas quando eu assisti "Fantástico" e "Caminho das Índias" depois de um jejum televisivo de quase um ano, fui obrigado a concordar. Os programas são feitos para retardados assistirem: superficiais, carnavalescamente coloridos e explicando até as vírgulas do que era dito, por que brasileiro é burro, e vai continuar burro com esse tratamento. Porém, meus amigos, quem critica a Globo certamente não anda de ônibus (o que não é uma má idéia), e não conhece a BusTV.

A programação da BusTV é ruim, muito ruim, tanto que me faz pensar que ela é montada por macacos com paralisia cerebral, por que só desta maneira seria possível escolher programas tão deploráveis. OK, talvez eu esteja sendo exagerado, mas só posso definir esse negócio como podre - são tomadas curtas que tentam imitar programas mais longos e atingir os mesmos resultados. Sem o menor sucesso, é claro. Poderia citar vários exemplos disto, mas minha memória é fraca e só lembro de dois. Esses dois, contudo, são para mim as cerejas do bolo: "Toque do Guru" e o Horóscopo. Que merdas fantásticas. O primeiro deve ser a realização do desejo reprimido de algum roteirista de escrever livros de auto-ajuda, dando conselhos profundos como um pires e cobertos de senso comum. O segundo é ainda melhor, por que, apesar de também dar conselhos profundos como um pires e cobertos de senso comum, ele faz de acordo com o signo das pessoas. Isto não significa que pessoas de Touro recebam conselhos diferentes das pessoas de Escorpião - a única diferença real é que se Peixes recebe o conselho de "Não faça nada que você possa se arrepender mais tarde" na terça, Aquário recebe na quarta. Só. E os conselhos são assim mesmo, puro senso comum. Se eu fosse um funcionário descontente da BusTV, eu certamente sabotaria esse quadro, e colocaria entre as pílulas diárias de sabedoria coisas como "pegue na minha e balance" ou "você é corno. Procure um terapeuta". Deixaria algumas senhoras de respeito escandalizadas e me tornaria simplesmente incapaz de arranjar qualquer emprego em Porto Alegre, mas valeria a pena. Há outros quadros que não são fixos (ou eu nunca vejo), mas que sempre me pegam num espírito de porco tal que, sempre que os vejo, preciso compartilhá-los com meus amigos por mensagem de celular. Se eu gostar de você e tiver seu telefone, você certamente receberá uma porcaria dessas (e vai me odiar por isso). Um deles é o "Recordes do Rio Grande do Sul", que compartilha com os passageiros do ônibus as coisas que o nosso amado estado tem de mais notável, como a maior cuia do mundo (4 metros de altura) e o maior arroz de leite do mundo (uma tonelada). É tão boboca e absurdo que eu quase tenho um surto psicótico de pensar nisso. Igualmente enlouquecedor é a sessão de piadas. Para sua decepção, não é o Ari  Toledo falando barbaridades a respeito das loiras ou dos papagaios, mas piadinhas família, que por serem limpas e comportadinhas, são completamente sem graça. Uma dessas ("O que o minhoco disse pra minhoca? Você minhoquece!") era tão ruim que o Marcelo me mandou tocar fogo no ônibus (é, eu tenho o celular dele, coitado). Por fim, digno de nota, foi no BusTV que eu descobri a existência de uma música chamada "Ur so Gay" (cujo clipe feito com barbies e uma letra bizarra é tão mesmerizante que eu deveria escrever um post só sobre como é a experiência de assisti-lo).

E tudo isso em câmera lenta. Sim, por que não basta fazer uma grade de programação só com lixo - ela tem que ser excruciantemente demorada, para te fazer sofrer todos os instantes dentro do coletivo. Aparentemente, os gorilas com paralisia cerebral além de tapados são lentos, então as legendas passam muito devagar. Assim sendo, para passar três horóscopos é necessário três paradas. E nesse tempo, meu cérebro morre um pouquinho, alguns milhões de neurônios de cada vez. Coloque-se no meu lugar, indo quase todas as manhãs de ônibus para o estágio, e quase todas as vezes sendo obrigado a assistir lavagens cerebrais em forma de dicas de guru e conselhos astrológicos. Até o final do curso eu vou estar no São Pedro, não como psicólogo, mas como um daqueles caras que anda pelado e carrega troncos de árvore de um lado para o outro! E isto não é um efeito colateral indesejável da BusTV: é tudo uma grande conspiração! Pesquisando no Google, encontrei um site listando todas as vantagens de anunciar pela BusTV. E não tenham dúvidas, meus amigos - eles querem conquistar o mundo. Vejam com seus próprios olhos:

Por que anunciar na BusTV?

* A 
BusTV conta com o apoio integral de instituições públicas e governamentais.

* A mensagem chegará de forma completa, sem interferência, sem efeito zapping.

* Atua em momento de pouca dispersão do usuário, o que permitirá maior fixação de seu produto na mente de seu consumidor.

* Entretenimento durante o tempo do percurso tornando a viagem mais agradável causando a sensação de menor tempo gasto.

* Fonte de informações úteis sobre assuntos de interesse público.

* Melhoria de visão que o usuário tem do transporte coletivo.

* Fidelização do usuário a uma programação atrativa procurando o seu bem estar psicológico.
 


Estão vendo? E o pior de tudo, meus amigos, é que isto não está acontecendo apenas em Porto Alegre, mas também em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Brasília, Belo Horizonte e Fortaleza, além de Caxias do Sul e seus Visatões tocando funk sem parar! Estamos perdidos, resistence is futile! E além do mais, eu preciso ir pro estágio, então o que me resta fazer é pegar um livro e tentar (bastante) ignorar essas porcarias.

Esta quinta-feira, porém, no ônibus para o Campus do Vale, a programação foi um pouco diferente: uma tela preta, com palavras em vermelho dizendo "Signal Loss". E a paz esteve conosco.