segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Vida Dura (Parte 19)

Sabem aquele programa “Mythbusters”, onde uma equipe de malucos chefiada por dois caras ainda mais malucos inventam experimentos absurdos para falsear lendas urbanas? Pois é, me senti fazendo o mesmo que eles hoje antes do almoço.

Eu moro do lado do Restaurante Universitário. É uma posição muito estratégica e positiva, que me permite almoçar a preço de banana quando eu bem entender. Como hoje o cardápio era bife com molho, decidi ficar em casa e comer um congelado. Peguei um calzone no congelador, coloquei num pirex de vidro (atentem para esta parte) e coloquei no forno. Quando ficou pronto, tirei do forno, coloquei meu calzone num prato e larguei o pirex na pia. Não satisfeito com isto, resolvi encher o pirex com água fria.

Eu sempre faço isso. Desde criancinha eu gosto de pegar a torradeira ainda quente e colocar debaixo da torneira para ouvir o barulho da evaporação súbita. Babaca e infantil, eu sei, mas muito divertido. O que mudou hoje, que me motivou a escrever um post a respeito, foi a quantidade de água envolvida na brincadeira e o fato do vidro ser termodinamicamente diferente dos metais. Coloquei o pirex na beira da pia, posicionei a torneira na melhor (ou seria a pior?) posição e abri a corrente. O barulhinho do “tshhh” era hipnotizante, e mantive a torneira aberta, enchendo tanto quanto fosse possível o pequeno recipiente, até que BLAM! Ele explodiu, arremessando caquinhos de vidro por toda a cozinha.

Sim, foi o choque térmico. Qualquer calouro de Física poderia dizer que essa foi uma idéia de arigó, pois por causa do resfriamento súbito, o material contrairia demais e trincaria. Deste ponto de vista, o pirex não explodiu, mas implodiu com muita violência, mas para todos os efeitos foi uma bela merda. Por sorte, o pirex só estourou para os lados, pegando apenas na minha camiseta, que me protegeu contra qualquer ferimento.

Minha primeira reação, ao ver toda a destruição que causei foi gritar “UHUUL! QUE MERDA EU FIZ?” É, ambivalente assim mesmo. Foi extremamente divertido brincar de cientista maluco, mas também foi extremamente encagaçante. Vidro voando para todo o lado tem esse poder. O experimento estava concluído, e as hipóteses testadas. Mas, ao contrário dos Mythbusters, eu não tenho uma equipe nos bastidores esperando a gravação terminar para limpar todo o estúdio. Pra começo de conversa, não tenho nem uma câmera para filmar nada, e meu estúdio é minha cozinha. De algum jeito eu teria que limpar aquela bagunça. Eu poderia ter deixado tudo como estava, escrever um bilhete dizendo “Surpresa, mãe!” e deixar lá. Só que, se fizesse isso, minha querida mãe me daria uma surra, a primeira em 19 anos de vida. Sim, ela me surraria. Por isso, fiz questão de ligar para ela e dizer “tenho uma boa e uma má notícia. A boa notícia é que eu sei muito mais sobre Física agora. A má notícia é que eu estourei um pirex e enchi a cozinha com caco de vidro no processo”. Uma bela merda. Catei tudo o que consegui por conta própria e deixei para minha mãe a limpeza final, mais refinada.

A hipótese testada foi: o Andarilho sabe o que faz? Conclusão: não sabe porra nenhuma. É impressionante que ele ainda esteja vivo com este cérebro.

A Volta do Filho Pródigo

Este final de semana, dei uma passada no meu antigo grupo de escoteiros. Tinha falado com um amigo meu que ainda participa, e resolvi aparecer para a atividade deste sábado.

Depois do almoço, peguei o ônibus linha Pioneiro, que vai até os Pavilhões da Festa da Uva, e ao chegar à sede, entrei direto na sala do Clã Pioneiro. Passei quase a tarde inteira sentado escutando os outros falarem. Mas, depois que a atividade acabou, fui junto com os outros para a chácara de um amigo, onde a tropa sênior estava acampando. Neste mesmo local passei muitos finais de semana divertidos, comendo porcarias, dizendo besteiras, nadando na piscina e construindo pioneirias. A partir do momento que me disseram que iríamos para lá, sabia que a minha pequena visita se tornaria uma viagem ao meu selvagem passado sênior.

Para ser sincero, não esperava que fosse uma experiência prazerosa. Achava que tanto tempo distante de todo aquela atmosfera me mudara demais para poder apreciá-la da mesma forma, e que eu não teria o que falar com meus amigos, que estão envolvidos com coisas muito diferentes do que eu. Em parte, estava certo: com certeza, não tive a mesma sensação que costumava ter ao ver aquela piscina suja e entrar naquele mato embarrado, e meus amigos achavam mais interessante falar sobre futebol e carros do que política e genética. Mas, ainda assim, foi muito bom ter ido.

Obviamente, o cheiro de fumaça ainda é o mesmo, mas eu o sinto de forma diferente agora, depois de quase dois anos morando e estudando em Porto Alegre, numa instituição de ensino superior considerada de excelência. Geralmente eu evitaria esta definição, mas o fato é que minha vida de dedicação exclusiva aos estudos me diferenciou bastante dos meus amigos, que estão mais preocupados em trabalhar e ganhar dinheiro. Não que eles não estudem nada, mas isto é meramente secundário para eles, enquanto que para mim isto é central.

Mesmo assim, senti-me em casa. Todo ex-escoteiro acaba um dia voltando para seu grupo, por um dia que seja. Fiz isto esse sábado. Visitei os cantos das patrulhas, elogiei sua organização e suas pioneirias. Acredito que fui o primeiro ex-sênior em muito tempo (se não o primeiro de todos) que, ao invés de criticar e reclamar da deterioração da tropa depois que saiu, elogiou e disse que eles estavam mais bem preparados do que eu estava na minha época. Acho que isto os animou (se algum veterano de tropa meu dissesse isso, eu certamente ficaria animado).

Mas apesar de achar que eles estão muito bem, ainda fiquei surpreso de vê-los por lá, sendo seniores. Cacete, quando eu era sênior aquela gurizada só ficava tirando ranho do nariz e brincando! Como podem agora estar montando torres de sinalização e trabalhando noites inteiras? Acho que só posso dizer que o tempo não pára, e as coisas sempre estão mudando. Eu, por exemplo, durante meus tempos de escoteiro nunca me imaginara largando o grupo para estudar em Porto Alegre. Aliás, eu achava que continuaria no movimento ad eternum, e seria pioneiro e chefe. Doce ilusão. Mal cheguei aos pioneiros e saí. Olhando para trás agora, posso dizer que foi uma decisão acertada. Contudo, durante a levemente chata reunião da tarde, ouvindo o que meus amigos fazem agora como pioneiros, pude ver que não teria sido uma má idéia continuar no movimento, pois são atividades realmente enriquecedoras. Isto me entristeceu um pouco, pois deixei para trás um pedaço importante da minha vida quando saí em definitivo, e fiquei com a sensação de ter perdido muita coisa. Claro, quem diz isto sou eu, Andarilho, depois de passar por muitas outras experiências fantásticas que me deram uma visão mais ampla da vida, visão que, talvez, eu não teria agora caso tivesse escolhido ficar em Caxias. Mas isto é pura especulação, e nunca saberei ao certo.

Mesmo as situações quem mais deixaram claro o meu distanciamento foram divertidas. As mais marcantes ocorreram quase em seqüência. Comecei a discutir sobre implicações éticas e filosóficas das pesquisas em genética e ser interrompido pelos demais, que se sentiam perdidos, para depois dar vexame por não conseguir rachar um pedaço de lenha a machadadas. Tornei-me um intelectual. Por um lado isto me agrada, e por outro me irrita. Não quero passar o resto da minha vida apenas discutindo: eu quero fazer! E para isto o escotismo me proporcionava grande número de oportunidades.

Pensando um pouco na minha carreira escoteira, posso dizer que fui esforçado. Não era particularmente brilhante ou adepto em fazer as coisas, mas minha persistência e força de vontade me colocavam de igual para igual com meus colegas mais fortes e habilidosos. Nunca fui o melhor em fazer amarras, nem em cozinhar ou em qualquer outra habilidade campeira (exceto em pagar flexões e competir em aventuras, que eram meu motivo de maior alegria e são agora motivo de maior nostalgia). Fui, contudo, suficientemente bom em todas elas.

Bem, acabei escrevendo um texto um tanto quanto desconexo e piegas, mas bastante honesto. Para concluí-lo, devo dizer que não voltarei para o meu grupo, não neste meu momento existencial atual. Porém, certamente aparecerei mais vezes na sede do velho Grupo Escoteiro Moacara, e me encontrarei mais com aquelas pessoas que tanto fizeram por mim, sejam meus ex-colegas, sejam meus chefes. De uma forma ou de outra, eles fazem parte do que sou hoje.