sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Dia de Debate

Esta semana que passou foi crucial para as eleições do DCE deste ano, pois aconteceram os debates de campus entre as chapas: terça-feira no Centro, quarta-feira no Vale e quinta-feira no Saúde, finalmente. Por ser eu estudante de Psicologia, e estar mais familiarizado com a rotina do campus, fui convidado pelos meus colegas de chapa a integrar a mesa. Olhando em retrospecto, confesso que não sabia bem onde estava me metendo, apesar de estar correto na minha crença de que me sairia bem.

Como já disse antes, sou bom em debates: sou bem informado, calmo, educado, sei defender meus argumentos de forma segura, porém não rígida demais, e posso aceitar os argumentos dos demais como corretos (ainda que nem sempre o faça na hora certa). Em outras palavras, debater comigo é um paraíso se você quer aprender e ensinar, mas um inferno se quer provar que está certo. E, de certa, forma, o debate de ontem tinha como objetivo provar qual chapa é a melhor, qual está mais certa e qual é mais capaz de fazer seja lá o que um DCE faz. Ainda assim, eu estava em séria desvantagem nesta batalha.

O primeiro fator que me deixou em desvantagem era a estrutura do debate, que foi dividido em quatro blocos: no primeiro, cada chapa dispunha de cinco minutos para se apresentar; no segundo, cada chapa faria uma pergunta para outra, com um minuto para formular a pergunta, dois minutos para resposta, um minuto para a réplica e um minuto para a tréplica; no terceiro, cada chapa responderia a uma pergunta feita pelo público (dois minutos para responder) e, por fim, no último bloco, cada chapa disporia de cinco minutos para fazer uma conclusão do debate, expondo seus argumentos e propostas mais uma vez. Resumindo em poucas palavras por que digo que fiquei em desvantagem: tinha pouco tempo disponível para apresentar de forma decente meus argumentos, e não havia espaço para espontaneidade ali.

O segundo fator era a experiência, tanto minha quanto dos demais presentes à mesa. Foi minha primeira experiência em debates políticos, e a primeira vez que tenho tanta exposição pública – o público em volta, apesar de pequeno em número, era oriundo de vários outros cursos além da Psicologia, muitos desconhecidos para mim, e impossível de ignorar seu olhar. Sabia que não me desesperaria e teria um colapso nervoso, e que me sairia bem, mas eu ainda era um “guri verde” ali. Outros membros da mesa, por outro lado, já participaram de outros debates, em outros anos, ou são lideranças consumadas do movimento estudantil dentro da UFRGS, bem versados na arte de falar para grandes concentrações de pessoas e conhecidos por todos (outra vez, ao contrário de mim, que sou conhecido apenas na Psicologia).

Há também um terceiro fator, que era o estado de ânimo dos presentes e seus objetivos. Explicarei o que quero dizer com isto ao longo do texto. Antes, contudo, farei uma descrição cronológica dos eventos, como eles foram acontecendo até a hora do debate e depois.

Se eu fosse (muito) paranóico, eu diria que a comissão eleitoral me sacaneou ao escolher fazer o debate na quinta-feira ao meio-dia no Campus Saúde, pois é o único dia da semana quando não tenho aula lá, mas no Campus do Vale, até às 11:50 da manhã! Isso significava que teria que sair mais cedo da aula de Genética, uma das poucas que realmente me animam. Ainda paranóico, poderia dizer que também o professor de genética me sacaneou, pois a aula ontem estava especialmente interessante quando peguei minha mochila e fui até o Bar do Antônio, onde combinara de me encontrar com o outro colega de chapa que integraria a mesa comigo. Depois de um pouco de conversa (e de eu ter que responder uma pergunta ética muito previsível sobre genética para meu colega, estudante de Ciências Sociais), pegamos o ônibus para o Campus Saúde, e no caminho discutimos como seria o debate em si, sua estrutura, o que esperar e o que falar. Precisávamos afinar nossos discursos, mas senti-me um pouco direcionado, combinando o que dizer em qual determinada situação, e inautêntico por fazer isso por livre espontânea vontade. Sabia que não era nada de errado, que as outras chapas provavelmente estavam fazendo a mesma coisa naquele momento e que era até esperado que se fizesse isso, mas a sensação continuou, até o momento em que decidi esquecê-la temporariamente e me concentrar na tarefa à minha frente. Eu sabia que em algum momento da campanha eu teria que enfrentar uma situação como esta, e agir contra meus princípios, ser guiado, esquecer meus ideais mais nobres e “pegar pesado” ou “jogar sujo”. Acho que não consegui fazer isso de verdade.

Chegamos ao Campus às 11:30, e fomos direto para o local do debate: o pátio do Instituto de Psicologia. Estava em território conhecido, familiar, e, como num jogo de futebol, jogava em casa. Mas isso não me tranqüilizava, nem me dava uma sensação de superioridade estratégica. Aquele prédio é uma segunda casa para mim, e aquele pátio um lugar mágico e querido por mim, mas para aquele debate, tudo mudava, e ele se transformava em algo diferente, estranho. Poderia ter debatido em qualquer outro lugar no campus, fosse na Medicina ou na FABICO e teria me saído da mesma forma – estaria fora de casa de qualquer jeito.

O evento estava marcado para começar ao meio-dia em ponto, mas, por algum erro de comunicação, acabara sendo atrasado em trinta minutos. Aproveitei para ir almoçar no RU, e fiquei ruminando sobre a campanha, tudo o que já se passou e o que estava prestes a acontecer, bem ali, no meu “quintal”. Depois de comer, voltei para o DAP, onde logo depois de mim chegaram alguns membros da comissão eleitoral, e os ajudei a montar o palco para o debate: mesas, cadeiras e amplificador para os debatedores, sofás, cadeiras e almofadas para os espectadores (que palavra feia essa). O pessoal das chapas foi chegando: primeiro os da 2, depois uns companheiros nossos, uns da chapa 1, ninguém da chapa 4, que deixaram a cadeira vazia e perderam por W.O. Depois de tudo preparado, fiquei apenas esperando a hora derradeira, lendo um livro dentro do DAP e ouvindo o que era dito do lado de fora pelos demais. Uma hora, ouvi alguém dizer “a chapa 1 saiu aplaudida das salas de aula!” Bacana. Todas foram em algum momento, inclusive a execrada chapa 2. É uma questão de estatística – em algum momento sairei aplaudido de uma sala de aula, se passar em muitas e muitas delas. Não tiro o mérito de arrancar os aplausos de uma turma que geralmente está imersa na inércia de uma aula chatíssima, mas sempre que alguém cita estes acontecimentos, não importa de qual chapa seja, soa como se isto fosse a regra ao invés da exceção, do outliner. Esta atitude, junto com muitas outras que presenciei ou ouvi, me levam a definir a política como “a arte de reinterpretar os fatos da forma mais vantajosa possível” – especialmente, mas não exclusivamente, em tempos de eleições.

Com mais atraso do que o esperado, começou o debate. À mesa, sentavam dois representantes de cada chapa. Foi feito um sorteio para ver quem começaria se apresentando. Fomos nós. Dividimos os cinco minutos a nossa disposição em duas partes – na primeira parte falou meu colega, na segunda falei eu. Enquanto ele falava, fiquei olhando para o público e, quando ele começou a falar das fundações de apoio e criticá-las, procurei ver como o Lorenzo, que na segunda reunião da chapa deu a cara à tapa por uma posição mais moderada em relação às fundações, estava reagindo. Curiosamente, ele estava afastado do resto do público, com uma cara de quem acaba de chupar limão. Achei que meu colega de mesa se focou demais no assunto do REUNI e não falou de outras coisas, tão ou mais interessantes para os estudantes da UFRGS (o que, diga-se de passagem, não é incoerente com nossa chapa, cuja proposta principal é ser contra o REUNI), e foi agressivo demais, dando a impressão de que a única coisa que nos diferencia da chapa 1 (além da posição em relação ao REUNI) é que somos mais irritados e rancorosos. Passados dois minutos e trinta segundos, e era minha vez. Fiquei sentado e gaguejei bastante, ou pelo menos mais do que gostaria. O nervosismo me afetou, mas não tomou conta de mim. Em alguns momentos do debate, enquanto eu falava e me sentia nervoso, eu era tomado por uma estranha força que me fazia pensar “foda-se o medo, eu vou falar para valer” e ser enérgico, enfático, concentrado e destemido. Eles logo acabavam e me deixavam com a cara vermelha, procurando palavras que concluíssem meu raciocínio de forma magistral, mas acabei sempre finalizando minhas falas com um anticlímax como “terminei” ou “e era isso”. Sai-me bem, apesar da pouca experiência.

Depois de nós, falaram os candidatos da chapa 2. Naquele momento, não falaram nada digno de nota, muito bom ou muito ruim – apenas o que era esperado deles. Mas, conforme o debate foi andando, eles passaram a falar bobagens em cima de bobagens, fizeram papel de idiotas, e não foi por serem a única chapa de direita, mas por serem idiotas mesmo e não saberem o que falam. O pessoal da chapa 1 queria vender a idéia de que esta eleição, da mesma forma que a do ano passado, era uma luta entre direita e esquerda, e que as chapas 1, 3 e 4 deveriam se unir para bater na chapa 2. Contudo, essa idéia não colou – primeiro, por que não é verdade. Se comparada com o ano passado, a chapa 2 não tem a metade dos apoiadores ou do dinheiro que tinha. Segundo, por que não é necessário bater em quem bate em si mesmo. Como disse meu bixo Carlos, “só faltou eles entrarem em combustão espontânea” de tanto que se queimaram. Não vou transcrever todas as babaquices proferidas por estes indivíduos, exceto que “sem patrões não há empregados” (mostrando que não sabe nada sobre modelos alternativos de administração) e “a eleição para o DCE envolve muita ideologia, mas nós não ligamos muito para isso” (mostrando que não sabem nada de filosofia, e que poderiam ser facilmente manipuláveis). Contudo, só tenho o que agradecer a presença deles no debate, pois, caso não tivessem comparecido, eu seria o pior orador à mesa, e mais cara de babaca.

E, logo após o show de burrices da direita, foi a vez do pessoal da chapa 1 falar. O desempenho deles foi impressionante. Se estivesse na platéia, apenas ouvindo os debatedores falar, talvez eu pensasse que foi apenas mais do mesmo de sempre, mas ter que fazer o mesmo que eles, sentar na mesa e tentar convencer os ouvintes de que a minha chapa é a melhor para o DCE, me fez ver tudo por um ângulo completamente diferente. Primeiro, por que os dois falaram em pé, ao invés de permanecerem sentados o tempo todo como eu e os demais fizemos. Eles não só falaram de maneira clara, como passaram a impressão de que já sabiam o que falar, que tinham um discurso ali, pronto, com o detalhe que, não, não tinham nenhum discurso escrito. Dos debatedores, os da chapa 1 de longe eram os mais notáveis. Ambos estão concorrendo para cargos importantes dentro da burocracia do DCE, militam a um tempo considerável no movimento estudantil e, ainda por cima, são namorados. Ele eu já conhecia há algum tempo, pois em 2007 ele várias vezes passou no nosso diretório em nome do DCE, e ela, estudante de Medicina, é uma das líderes da virada à esquerda do pessoal de seu curso, tradicionalmente direitista e eleitor do Movimento Estudantil Liberdade (representado pela chapa 2 esse ano). Naquela mesa, eles eram os profissionais. Fiquei apenas contemplando a maneira como eles falavam, sem titubeações e usando o que nós tínhamos falado antes a favor deles próprios, e como gesticulavam para dar ênfase ao que diziam. Foi espetacular, e eu pude assisti-los do camarote.

Ainda assim, muitas vezes os dois me assustavam. Na minha fala inicial, eu abordei o assunto da saúde, e como nós estudantes daquele Campus, chamado Saúde, deveríamos nos unir em nome do bem maior. E ela, como estudante de Medicina e da Saúde, enquanto falava do projeto de sua chapa para a criação do Núcleo Saúdes, olhou para mim com seus profundos olhos azuis e disse “e eu queria chamar O ANDARILHO aqui para participar também”. Sei que foi só uma forma de comunicação não-verbal, para enfatizar o que era dito verbalmente para o público ali presente, mas aquele olhar penetrante e cheio de energia me assustou. Foram os mesmos olhos que se encheram de ternura para falar da irmã ali presente, que encararam o namorado cheio de amor e que vieram falar comigo cheios de simpatia. Estranho quantos paradoxos podem residir em uma só pessoa. Ele, por outro lado, apesar de estar no controle ali, estava sempre na defensiva. Não era de se estranhar, pois tanto o pessoal da chapa 2 quanto nós mesmos criticávamos eles sem dó nem piedade durante o debate, como num pacto tácito. Mas isso acabou prejudicando sua visão do que era um ataque verbal do que não era. Quando chegou a hora de respondermos as perguntas do público, perguntaram para nossa chapa como pretendíamos chamar os demais estudantes que não integrassem a nossa gestão para participarem conosco no DCE. Num arroubo autotranscendental, peguei o microfone e falei que, naquele momento, estávamos só conversando, mas que na hora de trabalhar, iríamos passar de curso em curso e chamar pessoalmente os estudantes para ajudarem, se quisessem. Não fiz menção nenhuma à atual gestão ou à anterior, nem ao menos pensei nelas! Mas, quando foi a vez da chapa 1 falar, ele foi enfático, e até mesmo raivoso, ao dizer “E tu, Andarilho, não podes negar que eu passei um monte de vezes no DA de vocês! Que nós trabalhamos!” CA-CE-TE. Eu pagava para ver minha cara nessa hora, pois fui pego completamente de surpresa. Disse que ele perdeu muito de sua capacidade de discernir o que é um ataque e o que não é, mas na hora, concluí que eu me expressara de forma inadequada e, na minha fala final, pedi desculpas pelo mal-entendido, e expressei meu desejo de trabalhar em conjunto com o DCE, especialmente no Núcleo Saúdes, não importando qual chapa fosse eleita. Fui absolutamente sincero aqui, pois acredito sinceramente que a missão de uma entidade estudantil, seja CA, DA ou DCE, é representar os estudantes de todas as orientações políticas, lutar e defender seus direitos e apoiá-los na hora de cumprir com seus deveres. Foi meu ponto alto neste debate e, depois que acabou tudo, quando cumprimentei os representantes da chapa 1, vi que eles foram tocados pelo o que disse.

Mas foi justamente esse meu espírito conciliador que me causou a maior angústia do dia. Pensando que seria interessante conhecerem quais minhas intenções ao participar de uma chapa para o DCE, entreguei para ele uma cópia do PSIU!, nosso jornalzinho, e falei que havia na última página um texto meu (publicado no post abaixo) explicando as razões do meu envolvimento. Na mesma hora, a expressão facial dele mudou, e disse que isso que eu tinha feito, publicar um texto no jornalzinho gratuito do diretório fazendo propaganda para uma chapa do DCE, era algo grave, e que encaminharia queixa para a comissão eleitoral. Senti-me muito assustado com isso, pois, se fosse realmente proibido pela comissão eleitoral, eu poderia impugnar toda nossa chapa. Mais do que isso, sentia vergonha de ter feito algo de errado, mesmo sem saber. Tentei me explicar para ele, dizer que meu texto era apenas um relato subjetivo das coisas que me levaram a entrar para a chapa 3 e que em nenhum momento pedi votos para ninguém, mas ele parou de me escutar e foi falar com outras pessoas sobre isso. Procurei a comissão eleitoral, expliquei meu caso para eles e pedi se isso acarretaria em alguma punição para nossa chapa. Eles não pareciam dar muita importância para aquilo. Vi então que o representante da chapa 1 estava conversando com alguns colegas meus, e falava que eu tinha feito propaganda através do PSIU! – lendo em voz alta a parte onde diz “Então, decidi agir e entrar para a chapa 3”. Naquele momento, estava assustado demais para perceber que aquilo era, na verdade, um ato de extrema má fé, pois ignorava quase o texto inteiro e pegava duas frases fora de contexto e as lia como uma acusação contra minha pessoa. Para minha sorte, ele estava falando com ninguém menos que o Daitx, o estudante de psicologia mais antigo e o menos ingênuo. Ele falou que, se alguém quisesse escrever um texto fazendo campanha pro Fogaça, não haveria problema nenhum, pois nosso jornal é livre. Naquele momento, quando ia me justificar, falar que o texto não era propaganda, ele disse que “dessa vez a gente releva”, me deu um tapinha nas costas e foi embora.

Depois, falando com amigos e colegas de chapa, ficou claro para mim que aquilo era só um golpe para me desmoralizar perante meus colegas, ganhar os votos deles e me intimidar. Destes, ele conseguiu só último, e por bem pouco tempo. Ainda assim, fiquei muito mal. Eu não era capaz de imaginar que alguém pudesse fazer isto. Qual o propósito? E por que ele faria isto com alguém que tentava ser amigável como eu? Percebi que sou muito ingênuo. E este é o terceiro fator que me deixou em desvantagem ao longo de todo o debate: eu achava que, no fundo, seria um processo honesto, um pouco brutal e infantil em sua forma, mas honesto ainda assim. Fui para o debate sem nenhuma intenção de vender a nossa chapa como a ideal ou a melhor, mas mostrar-me da forma mais transparente possível para todos os presentes, e deixar nas suas mãos que decidissem quem era melhor. Ninguém além de mim foi com esta intenção, com este estado de espírito. Em última instância, o debate não passou de um show pirotécnico, onde as chapas tentavam brilhar mais do que as outras e, se possível, ofuscá-las e destruí-las, por que não basta vencer: os outros têm que perder também. E não só os debatedores fizeram isso, mas também uma boa parte do público, que já tinha chapa definida, e aplaudia toda vez que seus cupinchas terminavam de falar, por mais bestial que fosse.

Acho que todos conseguiram cumprir o que, consciente ou inconscientemente, se propuseram a fazer, especialmente eu: eu me mostrei transparente e honesto para os demais, e não escondi nada. O debatedor da chapa 1 percebeu isso, e viu que eu era inocente e que cairia fácil no seu truque, como realmente caí. Mas acho que deveria agradecê-lo por ter feito isto, pois, no fim, tornei-me mais forte. Antes, eu apenas sabia que a política é um antro de mentirosos, aproveitadores e enganadores, mas até ontem, eu sabia disto apenas intelectualmente. Agora, sei de forma inteira, pois já fui vítima de um destes. E garanto que serei enganado de novo no futuro, pois nunca estarei no mesmo nível deles, que fazem da política sua vida, e da mentira seu instrumento de trabalho. Eu poderia, se quisesse, me igualar a esta pessoa, mas não quero, pois isto significaria mentir e praticar outros atos de covardia. Este batismo de fogo pelo qual passei me levou a decidir que, se o preço de ser verdadeiro é ser feito de idiota, ser enganado e manipulado, assim o serei. “O satyagrahi nasceu para ser enganado” dizia Gandhi. Adoto também esta filosofia para minha vida.

E, pela primeira vez em minha vida, não sinto raiva ou ódio por ter sido manipulado, nem contra mim mesmo, nem contra esta pessoa, pois nós dois agimos conforme nossas naturezas mais profundas. Vivo em um mundo transparente e honesto, onde a verdade é mais importante do que a aparência ou o lucro, e onde o amor e a bondade são as virtudes supremas. Neste mundo, aprendi a ver cada pessoa como um fim em si mesmo, digna de confiança e respeito, e que nunca deveria usá-las de forma unilateral em benefício próprio. Não sei em que mundo este meu amigo vive, mas não posso culpá-lo por lá viver. Posso apenas sentir pena, pois, se o preço de ser honesto é ser constantemente enganado, o preço de enganar constantemente os outros é viver sempre em guarda, na defensiva para que ninguém lhe engane. Não é o tipo de vida que desejo para mim, nem para ninguém.

O debate foi, como um todo, uma excelente experiência. Sinto-me muito bem agora, talvez justamente por ter sido enganado e feito de tonto. Contudo, não desejo repeti-la se for possível.

Por que eu entrei para uma chapa

(Texto publicado no PSIU! número 17, de outubro/novembro de 2008)

Estamos em plena campanha para as eleições do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Quatro chapas concorrem este ano, e como vocês talvez já saibam, estou na nominata (lista oficial de integrantes) da chapa 3, a “Pode Chegar”. Foi uma decisão inesperada da minha parte, porém, ainda assim, um número considerável de colegas disse votará na nossa chapa ou nos apoiará por minha causa. É uma grande responsabilidade. Por isto, acredito que devo dar uma explicação sobre por que decidi concorrer pela chapa 3 para o cargo de coordenador do Campus Saúde.

Das muitas pessoas que conheci por causa da campanha, várias mostraram-se surpresas em ver um estudante de Psicologia envolvido de forma tão profunda nestas eleições. Isto não me surpreende. A nossa entidade política mais representativa, o DAP, é uma auto-gestão, e não tem eleições, chapas nem partidões influenciando seu trabalho – só quem realmente quer trabalhar por uma Psico melhor está lá, sacrificando um tempinho do seu dia informando sobre o que acontece em algum departamento, reclamando do banheiro do segundo andar para a diretoria ou indo nas reuniões do DAP e dando sua opinião. E este jeito DAP de ser é o exato oposto do que sempre imaginei o DCE, com suas campanhas barulhentas, chapas se bicando e siglas como PT, PSOL e PSTU financiando tudo isto. Nenhum dos DAPessauros esconde sua desconfiança em relação a tudo isto, e cita vários motivos para que ninguém se meta nisto. Então, que motivos eu teria para me envolver com esta bagunça?

Vejo a mim mesmo como um indivíduo impetuoso. Não gosto de ser apenas um observador e ficar olhando de longe a ação acontecer, especialmente quando se trata de algo importante, que possa influenciar de maneira positiva os estudantes, o DAP, a universidade ou a sociedade. Não quero ser apenas um espectador. E, com o DCE, não só eu, mas a Psicologia quase que em sua totalidade tem feito isto: olhar e não fazer nada. De vez em quando nós fazemos alguma crítica ao sistema representativo de democracia, elogiamos a nós mesmos e nossa auto-gestão e nos isolamos em nossa conchinha. Não é para menos que o pessoal que eu conheci se surpreendeu. E o DCE, por mais impuro que possa nos parecer, é uma das ferramentas de mudança positiva mais poderosas que os estudantes têm a sua disposição, pois através dele torna-se possível aglutinar a força não só da Psicologia, mas de todos os cursos de graduação da UFRGS e transformá-la para melhor. Eu quero e eu posso contribuir para que isto aconteça. Mas na mesma intensidade em que o DCE pode fazer o bem, também pode fazer o mal, colocando colega contra colega, incitando preconceitos, criando intrigas ou fazendo bobagens em larga escala. Eu também posso fazer isso tudo, apesar de não ser meu desejo. Para ser sincero, esta possibilidade me faz ter medo de realmente ser eleito, pois posso não corresponder a confiança que meus amigos depositam em mim.

Ainda assim, prefiro arriscar. Eu posso cometer muitos erros, mas mesmo a mera tentativa de fazer algo positivo no DCE é melhor do que apenas ficar deitado no sofá do DAP bebendo e reclamando da vida. Não acho que a chapa 3 seja perfeita, e sei que discordo de muitas posições de muitos companheiros que nela também participam. Mas é justamente neste ponto que acredito poder dar a minha melhor contribuição: a de discordar de forma educada, porém firme, de apontar as incoerências que vejo, de fazer como Sócrates e questionar o porquê de nossas decisões. É um trabalho difícil, e o próprio Sócrates pode atestar isto. Mais do que isto, eu quero aprender e crescer com esta experiência, e tornar-me uma pessoa melhor.

Decidi agir, e entrar para a chapa 3. Não peço seu voto, pois não posso assegurar que realmente sou a melhor opção para ser coordenador do Campus Saúde, nem que nossa chapa é a melhor para a UFRGS. Mas prometo que faremos o possível para que isto se torne verdade. Talvez no futuro eu venha a me arrepender de ter tomado esta decisão, mas só vou poder dizer isto depois de ter tudo acabado.

Dramas de Estágio (Parte 7) - Ataque dos Clones

Terminei mais um trabalho! Faltam 4 ainda, e mais uma prova, mas estão todos encaminhados de uma forma ou de outra. Quero falar um pouco mais sobre meus estágios. Mas, desta vez, quero falar não sobre os estágios básicos ou de ênfase, mas sobre os extracurriculares, aqueles que não possuem vínculo com a universidade, mas que mesmo assim são importantes pra cacete.

Considero a opção de fazer um estágio nas férias faz um bom tempo. No final do segundo semestre, participei de uma reunião do COREPSUL na UCS e, como estávamos alojados em um dos blocos onde a Psicologia tem aula, dei uma conferida nos murais, e acabei encontrando uma proposta de estágio voluntário no Hospital Geral. Era aberto também para estudantes de Serviço Social, Medicina e alguns outros cursos, além de Psicologia. Anotei o telefone para contato mas, no último dia, achei melhor ter férias e arquivar essa idéia de ficar trabalhando de graça para ser reutilizada novamente.

Contudo, apareceu esses dias na minha caixa de entrada um e-mail a respeito da oitava edição do Estágio de Vivência Transdisciplinar em Saúde Mental, que é um estágio de férias que acontece todos os anos em São Lourenço do Sul e alguma outra cidade (esse ano é Pelotas, e ano passado foi Novo Hamburgo), e que dura duas semanas. Geralmente eu preferiria passar meu tempo livre treinando, lendo ou vendo filmes, mas essa oportunidade parece boa demais para eu não tentar pelo menos. O Brunão fez esse estágio ano passado, nas férias de inverno, e falou muito bem de toda a experiência. Mas, mais do que isso, é o desejo de me aventurar que fala mais alto. Parece uma bola de neve isso: quanto mais eu exploro o mundo e todas as suas possibilidades, mais quero descobrir coisas novas. Não nego que essa possibilidade existe se decidir passar minhas férias em Porto Alegre ou Caxias e coçar meu saco, mas ela é bem menor do que se tentar pegar esse estágio.