domingo, 29 de junho de 2008

A Arte de Escrever

Escrever é um negócio complicado. Primeiro, precisamos aprender a desenhar as letrinhas, depois a colocá-las em ordem coerente para formar palavras, e então, temos que aprender as regras gramaticais para poder colocar as palavras umas depois das outras para construir uma frase que faça sentido e não fira os olhos. Só isso já é bastante complicado, mas escrever verdadeiramente é uma tarefa que envolve muito mais.

Podemos num mesmo dia ler dois textos escritos por duas pessoas diferentes, que usam a mesma linguagem, as mesmas metáforas e até mesmo as mesmas palavras, mas ambos ressoam de forma completamente diferente um do outro, como se um fosse feito de prata e o outro de alumínio. Obviamente, eles são feitos do mesmo material etéreo que são as palavras, mas falta algo essencial – uma alma. Esta propriedade única é tão sublime que transcende as próprias palavras, e é muito difícil de explicá-la num texto.

Provavelmente você já leu um livro, revista, blog flog onde alguém falava de suas angústias e dores, e sentiu aquilo como sendo falso. Em descrições de pacientes com Transtorno Histriônico de Personalidade (outro nome para histeria) se diz que, apesar de toda a dramaticidade que colocam em seus gestos e palavras, é difícil ter qualquer empatia por elas, pois tudo parece forçado, artificial, como se feito apenas para chamar a atenção. Mas como esta condição psiquiátrica já definida como transtorno, podemos inferir que há algo faltando, ou algo torpe na personalidade destas pessoas que as impede de entrar em contato genuíno com os outros e consigo mesmo. Talvez isto não aconteça apenas com histriônicos e dramatizações, mas com pessoas comuns e por escrito.

Por outro lado, quando lemos um texto sincero, por mais simples que seja, parece que acontece justamente o oposto, e somos tomados por uma corrente viva de emoção, que torna os demais textos cinzentos e mortos por comparação. Já ouvi várias vezes que os maiores psicólogos não se formaram em faculdades ou centros de formação, mas escreveram livros como “Guerra e Paz”, “McBeth” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Acho que é isto que diferencia um texto qualquer de algo especial – a capacidade do autor de colocar a si mesmo por entre as palavras, mas mais do que isso, colocar a si mesmo sem máscaras, sem mentiras, e com o único propósito de ser tão verdadeiro quanto possível.

Nada foi em vão

Em um post anterior, disse que não sou muito dado a explosões sentimentais. Esta definição, apesar de bastante precisa, é insuficiente, pois é uma afirmação negativa – diz o que não sou com certeza, mas não diz o que sou verdadeiramente. Se tivesse que definir-me de tal maneira, poética mas brevemente, diria que sou implacável como uma força da natureza. Sturm und drang, tempestade e ímpeto! Do fundo de meu ser, brota uma energia muito grande, que quando posta em ação é simplesmente irresistível, e tentar me impedir é como tentar impedir o Sol de nascer. Não é algo que consigo sempre, pois como uma habilidade há muito perdida, preciso trazê-la de volta à consciência e praticá-la, e neste processo, muitos erros acontecem. É assim que deve ser. Mas todas as vezes que toquei esta força e tornei-me uno com ela, meus movimentos, pensamentos e sentimentos fluíram em harmonia, tornei-me sagaz, ágil e forte. Quando estou neste estado, posso ser atrasado por contingências externas, mas nunca derrotado. Algum estranho que porventura venha a ler este meu texto provavelmente pensará que sou um megalomaníaco dos mais afetados. E, para ser sincero, eu mesmo tenho dificuldades em diferenciar esta minha descrição do depoimento de uma pessoa com Transtorno de Humor Bipolar em sua fase maníaca, ou de alguém com Transtorno Narcisista de Personalidade. Mas apesar destas dificuldades, não tenho a menor dúvida de este estado de fluxo está para o narcisismo assim como o mestre está para o charlatão. É algo que a ciência simplesmente não é capaz de compreender, quanto mais explicar.

Esta semana que passou foi provavelmente uma das mais difíceis que já tive que encarar. Meu adversário não era a natureza que tantas vezes enfrentei, ou as outras pessoas que tanto confrontei. Meu inimigo era eu mesmo, armado com todas as dúvidas que me afligiam. Cada angústia que me afligia era como fogo a queimar minha alma, e a dor quase insuportável. Talvez esteja sendo dramático demais, mas não importa agora. Mas eu suportei a dor, e uma hora ela passou. No seu lugar, ficou uma sensação de leveza e bem-estar, como se o fogo tivesse queimado apenas aquilo que me feria, apesar de acreditar serem parte de mim – parasitas que em algum momento se agarraram a meu ser, e que de mim sugavam força e vida. O tempo deles acabara, e era preciso arrancá-los de mim, por mais doloroso que pudesse ser.

Ficou, contudo, também a sensação de que todos os eventos recentes por que passei foram sem propósito, e que todas as memórias seriam mera fonte de dor e nostalgia. Então, tive um insight. Em minha jornada da alma, passando por uma rua, avistei uma pequena igreja, que logo chamou minha atenção. Ela era mal cuidada, e o reboco estava caindo. Mesmo assim, subi as escadarias que levavam até ela.



Passo os olhos em revista pelo pórtico, quando a minha atenção é capturada.

Nada foi em vão. Nada nunca é.

Honestidade Existencial

Comparando-me com outras pessoas, vejo que sou diferente. Ao contrário dos demais de minha idade, fiz coisas concebidas como absurdas ou deixei de fazer outras consideradas como “essenciais” ou boas para a vida de qualquer um, pelo simples fato de achar que era o correto, se não para todos, pelo menos para mim. Falando desta maneira não dá para identificar qualquer diferença entre eu e outras pessoas já que, em teoria, todos fazem o que acham correto. E, de fato, isto é verdade. Mas o que acredito diferenciar-me de boa parcela da humanidade é o que fundamenta o que acho certo – busco sempre a mais absoluta pureza, em meu corpo, minha mente e meu espírito. Pensando racionalmente, não consigo encontrar nenhum argumento que comprove a superioridade de minha conduta sobre a de acatar o que os outros dizem e agir como qualquer um agiria. Seria até mais fácil seguir a corrente. Apenas não consigo fazer isto. É como se voltasse agora para Caxias e passasse a estudar na UCS: seria muito mais fácil, pois teria o carro dos meus pais à minha disposição (em termos), casa limpa, comida quente e roupa lavada todo dia, além da tranqüilidade de voltar a andar por ruas que são velhas conhecidas minhas. Seria muito mais prático, mas não dá. É como a resposta que uma colega de Kung Fu deu quando lhe perguntaram se ela nunca tinha pensado em praticar um esporte mais leve – “eu adoraria, mas não quero”. Seria navegar com a corrente, mas ir contra mim mesmo.

Não estou dizendo que consigo esta pureza de espírito sempre – apenas tento atingi-la em tudo o que eu faço. No fim, tomar as próprias decisões de acordo com o que tua alma diz é muito mais doloroso, pois ela está acima e além dos grilhões do tempo e do espaço, e seus chamados ignoram a matéria rude que nos envolve. E por mais cruel que possa parecer não há liberdade maior do que aceitar a própria essência. Podemos ter todo o prestígio, dinheiro, poder e prazer do mundo e ver tudo como insignificante, pois não fomos sinceros com nós mesmos nesta busca. É como Ricardo III de Shakespeare (obra que infelizmente não li, por que deve valer muito a pena), que tudo fez para subir ao trono da Inglaterra – enganou, trapaceou, matou todos os que via como pedras em seu caminho – para então, já rei, sentir uma estranha angústia, mas que nunca admitiu ser por envergonhar-se de si mesmo. É triste saber que todos, em pelo menos um momento de suas vidas têm a oportunidade de serem verdadeiros consigo mesmos, mas deixam passar, e sofrem pelo resto de suas vidas, e sem saber por que! Enganam as dores, compram mais roupas, vão em mais festas, mas a acídia continua lá. Não quero seguir este caminho. Prefiro assumir toda a dor que tiver que sentir, e carregarei a minha cruz. Eu quero mais. Mais uma vez, tenho que ser sincero e dizer que não sei se este é o melhor caminho a se seguir – mas é o que tenho a minha frente.