terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Vida Dura (Parte 3)

Apesar de posts anteriores aparentemente degradarem a imagem infantil, eu respeito imensamente as crianças. Afinal, eu também já fui uma. E devo dizer, ser criança é mais difícil do que pode parecer para observadores externos. Uma das épocas mais tenebrosas é o Natal. "Mas é quando as crianças mais ganham presentes, Amiguinho Andarilho!" Verdade, meu astuto amigo imaginário (que de agora em diante chamarei de Bob. Bob Alhão). Mas para que elas possam receber os cobiçados presentes (o CD do RBD, a fantasia de RBD, a boneca do RBD, o vibrador do RBD... et cetera) elas precisam passar por provações quase infinitas.

A mais dura pela qual tive que passar foi cantar no coral de Natal da escola. A professora que organiza este tipo de bobagem geralmente é uma senhora de 50 anos, 30 destes dedicados ao magistério, lendo livros do Paulo Coelho e de educadores de formação psicanalítica (péssimo). Ou seja, nada que preste. Então, para sublimar sua libido, elas inventam alguma merda para seus aluninhos queridos fazerem, como cantar músicas escrotas de Natal (perdoem a redundância). A seleção musical é sempre a mesma, o que me leva a acreditar que estas senhoras compartilham de apenas um cérebro coletivo, cujo uso pessoal está condicionado à um sorteio semanal. A música mais clássica de todas é a "Música da Família". Sim, caro amigo, você pode não se lembrar, mas já cantou esta obra de arte para centenas de pessoas, entre elas pais entusiasmados a filmar, irmãos mais velhos entediados e namorados de irmãs mais velhas querendo ganhar uns pontos com o sogrão. Caso você não lembre desta maravilha sonora, relembrar é viver! Acompanhe a melodia e cante junto. Isto não aconteceu uma ou duas vezes comigo, mas várias vezes. Como nosso colégio não tinha um auditório, iamos nos apresentar na escola Cristovão de Mendoza.

Mas meu espírito de fogo se revoltou contra esta situação, e em um certo ano (acho que foi na quarta ou quinta série), nos revoltamos, e ficamos rindo e cutucando o microfone no meio da música. Foi divertido pra cacete. O que não foi divertido foi a psicóloga da escola, Vânia, por nos chamada de Fânia, devido ao seu pouco entrosamento com os outros trabalhadores da área da saúde, fonoaudiólogos principalmente, nos puxando pelo braço e nos botando de castigo num canto escondido da platéia. Também não foi divertido o outro castigo que eu tomei do meu pai (sempre ele. Começo a pensar que Freud estava certo) por este desrespeito ao sistema. Fiquei um mês sem videogame. Ou uma semana. Sei lá. Isso não importa mais. O que realmente importa agora é que tive que me comportar como um bom menino em uma outra apresentação, desta vez nos pavilhões da Festa da Uva para algum outro feriado besta. Mas então já era tarde. Eu já era um cretino de carteirinha. E eu ganhei presente igual. Enganei Papai Noel.

Vida Dura (Parte 2)

Lavar louça. Eis um serviço ingrato. É só você terminar de lavar todos os talheres, todos os pratos e todas as panelas que chega a hora do almoço e você tem que sujar tudo de novo.

Raramente lavei a louça enquanto morava com meus pais. As vezes tomava vergonha na cara depois de um esporro paterno sobre como "eu era mimado e não ajudava em nada com a organização da casa". Claro que eu ajudava! Eu não bagunçava mais do que o necessário. Mas isso não vem ao caso agora. Achava uma merda ter que lavar a louça. Pra ser sincero, ainda acho. Mas agora não tenho muita escolha, pois ou eu faço este trabalho ou a casa fica com cheiro de esgoto por uma semana. Acabo de lavar um pote que serviu para transportar lingüiças fritas. Sexta-feira. Não consegui lavar tudo a tempo depois da aula antes de pegar meu ônibus (que, diga-se de passsagem, eu perdi). Ficou tudo parado, por três dias, apodrecendo. Quando voltei para Porto Alegre, senti medo ao olhar para aquele pote. Senti medo de que, ao abrí-lo, uma lingüiça mutante pularia no meu pescoço falando "pa...pai, pa...pai!" e arracaria minha jugular. Felizmente, mantive meu rosto (e principalmente meu nariz) afastado do pote e esfreguei-o com toda a força que pude (ele ainda está cheio de graxa, a propósito).

A pia não colabora com o andamento das coisas. O balcão para deixar a louça suja é muito apertado, o que me obriga a deixar muitas coisas dentro da pia em si, impedindo o escoamento da água. Suja. Engraxada. Nojenta. Que fica emporcalhando o resto da louça. Então, eu me obrigo a deixar os pratos em cima do balcão, as panelas em cima do fogão, os copos dentro da pia propriamente dita e os talheres dentro de copos ou panelas cheias de água (pra sujeira desgrudar, pois a relação de apego entre a comida e o talher se tornam muito fortes depois de três ou quatro dias juntos. É mais difícil que separar mãe e bebê. Winicott e Bowlby são para os fracos. Os fortes lavam louça).

O ralo da pia é outro problema. Tem uma gradezinha protetora que em teoria impede que resíduos mais largos de comida não caiam no ralo, mas isto é só em teoria, por que aquela porcaria de grade sempre sai do lugar por causa da água caíndo da torneira ou das panelas. Já tentei todo o tipo de técnica para impedir que isto aconteça, mas nenhuma é satisfatória: não deixar a água cair diretamente em cima do ralo, espalhar a água dentro das panelas em círculos dentro da pia, abrir a torneira apenas de leve... sempre a gradezinha sai do lugar. Neste exato momento, uma avançada civilização de germes de carne e queijo se desenvolve no cano da pia da cozinha. Preparem-se, o deus deles já disse que ele quer que eles conquistem o mundo e façam sacrifícios humanos diários em seu nome. E eu vou ter que chamar o encanador.

Vida Dura

Uma coisa que nunca entendi é o fascínio feminino por bebês pequenos. Não estou falando de mães de recém-nascidos que vivem quase que uma simbiose com seus filhos (até porque isto é esperado e necessário), estou falando de integrantes do sexo feminino, de 6 à 60 anos, que não têm filhos por perto pra ficar mostrando. Observe bem a reação da mulherada* a próxima vez que aquela colega que saiu em licença-maternidade ou o pai babão levarem o pimpolho para exibição: a grande maioria das mulheres vai pular em cima, querer segurar, abraçar e dizer "Qui coisinha maix lindinha!" ou "mas é a cara do pai!"

"Coisinha maix lindinha"? Só se for mais bonito que meu joelho. Bebê é tudo igual: nasce tudo com cara torta. Entendo que as mães e os pais os achem as coisas mais graciosas do mundo, mas, por Deus, eles são pais de um recém-nascido! Vocês esperariam outra reação?Mas e o resto das mulheres? Por que a súbita perda de capacidade discriminativa quando aparece um ser humano com menos de 2 anos por perto? Questões evolutivas? Não sei, mas até ontem eu achava que os abobados eram os primeiros a serem pisoteados pelos mamutes no tempo das Cavernas, ou os primeiros a comerem os cogumelos vermelhos com bolinhas brancas. Coisas que eu imagino que uma integrante do sexo feminino faça quando aparece um bebê por perto.

Tudo que os pequerruchos fazem é bonitinho. Tudo mesmo. Olhou para alguém? A reação é "Oooooh, ele gostou de mim! Que bibito!" Começou a chorar? Sempre vai aparecer a voluntária pra dizer "aaaaah, tadinho! " e pegar no colo. Arrotou? Todo mundo acha uma G-R-A-Ç-A. Aposto que se fosse eu de fraldas, cagando, peidando, arrotando e chorando por aí no colo do meu pai (por que duvido que minha mãe consiga me carregar nestas alturas do campeonato) ninguém ia achar bonitinho. Isso é injusto. E idiota.







*alguns homens também fazem isso, mas como os homens são seres infinitamente mais simples do que as mulheres, seu comportamento é compreensível: eles querem mostrar para a mulherada extasiada com o PpP (Pirralho por Perto) que eles também são sensíveis, e ganhar alguns pontos com elas. Assim, eles poderão talvez pegar uma delas, engravidá-la, levar seus filhos para o serviço e continuar com este ciclo de imbecilidades, e talvez ajudar algum outro marmanjo.