segunda-feira, 18 de maio de 2009

Experiências subjetivas de um treino incomum

Gostaria de, neste post, relatar uma experiência subjetiva que, apesar de relativamente banal e pouco interessante de um ponto de vista externo, impressionou-me profundamente este final de semana, a ponto de achar essencial descrevê-lo fenomenologicamente aqui.

Todos os sábados à noite, na academia de Kung Fu, ocorrem treinos extras, para aqueles que querem participar de competições e demonstrações públicas. Eles são estruturados de maneira bastante diversa dos treinos regulares, pois o treino físico é grandemente reduzido, deixando muito mais tempo para a prática de formas a serem apresentadas em eventos externos. Outro ponto em que eles diferem da norma é que nem sempre o professor está presente - quando, por um motivo ou outro ele não está, as atividades feitas em conjunto, como o aquecimento e o alongamento, são ditadas pelo aluno mais antigo. Depois que elas são concluídas, cada um vai para seu canto (tanto quanto isso é possível) e treina as formas que decidiu apresentar em eventos externos individualmente. Quando o professor está na academia, ele impõe maior ordem no treino e acaba funcionando como um fator de "coesão social" entre nós e os outros colegas. Porém, isto não muda o fato de que cada um dos presentes tem que praticar suas técnicas independentemente dos demais. Ao final de cada treino, apresentamos as formas que praticamos para os outros, simulando uma competição. Pessoalmente, acredito que este momento final é o mais interessante, por que nele posso ver como os outros se comportam diante de uma situação potencialmente estressante e, principalmente, como eu me comporto nestas mesmas condições - se minha técnica está boa, se esqueço das coisas, se me mantenho calmo e concentrado.

Até então, meus "resultados" nesta apresentação final tinham sido de certo modo desapontadores. Uso este termo por não existirem outros mais adequados, já que, na verdade, não me senti verdadeiramente desapontado ou chateado em nenhuma das vezes, apenas notei que cometi muitos erros e segui adiante. Meu erro mais comum, de longe, é esquecer partes das formas durante as apresentações. Ficava preocupado demais em fazer tudo corretamente, e deixava de prestar atenção ao que estava fazendo naquele instante.

Neste último treino, entretanto, notei uma grande diferença em mim mesmo. Depois de termos aquecido e alongado, nos separamos e começamos a treinar separadamente, como sempre. Só que, desta vez, em quanto fazia minhas formas, senti uma mudança radical: não tinha nenhuma opinião sobre se o que eu estava fazendo estava certo, errado, bom ou ruim, mas me sentia extremamente satisfeito apenas em fazer. Quando parei e tentei observar esta sensação de forma mais atenta e entender o que a causava, ela sumiu, e voltou apenas quando deixei de procurá-la. Mais tarde, na hora das apresentações, ficou decidido que cada um mostraria apenas uma forma, para a coisa toda não levar muito tempo. Tinha treinado duas formas diferentes - uma de mãos livres, e outra de bastão. Enquanto a primeira eu sentia dominar relativamente bem, a segunda eu sentia certa insegurança, pois costumo esquecer ou confundir vários pedaços dela. Quando falaram que apresentariamos apenas uma forma, pensei que seria mais fácil apresentar aquela que dominava mais. Porém, logo em seguida pensei "por que eu não me desafio e apresento a forma mais ansiogênica?" e decidi demonstrar a forma de bastão. Para minha surpresa, pela primeira vez não esqueci nem errei nada. Relembrando a experiência e a colocando em palavras, parece tudo muito engraçado e paradoxal, pois durante minha apresentação eu não pensava, pelo menos não do mesmo jeito que estamos acostumados, pois mesmo assim eu estava plenamente consciente que não estava pensando! Os únicos pensamentos que quebravam este padrão de absorção ocorriam quando eu percebia algum erro na minha movimentação - e assim que o movimento errado fosse corrigido, eu voltava ao estado anterior. Não havia nenhum sentimento ou emoção, mas eu ainda assim (paradoxalmente), me sentia extremamente bem.

Não posso dizer se este estado de consciência que experimentei se tornará cada vez mais freqüente ou se foi apenas um caso isolado. Tomara que seja o primeiro. Se não for, paciência.