quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Impressões de um ciclista pedalando por aí

Depois de deixá-la parada por um tempo dentro do meu quarto, finalmente sacudi a poeira da minha bicicleta e coloquei-a novamente no seu devido lugar: nas ruas de Porto Alegre. Este reencontro, além de me fazer entender a necessidade de ter um testamento atualizado por causa do nosso trânsito, trouxe à minha consciência uma série de memórias e percepções.

Eu sabia que minha bicicleta é um tanto quanto desengonçada, mas não lembrava o que isto significava na prática. Como o fuscão preto, ela é feita de aço, e por isso muito pesada. Para mim, pedalar fortalece também os braços, por que nosso prédio não tem elevador e preciso carregá-la escada abaixo e escada acima. Fortaleço minha a musculatura dos meus membros superiores também quando vou prendê-la em no corrimão de alguma escadaria ou em uma lomba, tarefa que exige, além de pegar a corrente e colocá-la de maneira segura ao redor do quadro e da roda dianteira, impedir que a bike saia rolando ladeira abaixo. Com apenas uma mão, por que a outra está ocupada demais se atrapalhando com as chaves.

Na hora de pedalar e pegar velocidade, ela também é problemática, por que além do seu peso descomunal, ela também possui um sistema de amortecimento que, se por um lado deixa a viagem muito mais confortável, também a deixa muito mais lenta, visto que absorve a energia de todos os impactos - inclusive das pedaladas, que precisam ser dobradas para manter um ritmo decente.

Se minha bicicleta fosse uma criança, certamente seria enquadrada na categoria de "aluno especial", dadas todas as suas peculiaridades e diferenças. Um amigo meu já me aconselhou a vendê-la ou trocá-la por outra, mais leve e fácil de manejar, e por um tempo, concordei que este era o melhor curso de ação. Hoje, porém, não vejo as dificuldades de pedalá-la como problemas - vejo como desafios a serem conquistados. Minha bicicleta não é "especial" por causa de suas limitações, mas especial por que preciso fazer por merecer para manejar seu guidão. Ela é uma bicicleta Shaolin, e estar com ela é estar em constante treinamento.

Para além das peculiaridades do meu veículo particular, pedalar pelo trânsito de uma cidade grande de modo geral é um constante treino mental. No trajeto de casa para um outro lugar, além de observar os carros que comigo dividiam a rua, observei como eu os observava. O processo cognitivo de um ciclista nesta hora é bastante complexo e cheio de tarefas. Para chegar vivo no final do dia, é preciso prestar atenção aos veículos, aos pedestres, aos outros ciclistas e aos motoqueiros; perceber quando é necessário freiar, trocar de marcha, acelerar ou desmontar e empurrar a bicicleta; os barulhos que vem dos carros, das pessoas e (muito importante) da própria bike. E eu, pelo menos, precisei dizer várias vezes para mim mesmo que devia focar mais na rua do que na minha própria mente. Na hora de subir os lances de escada que separam a rua do meu lar, preciso também tomar nota da melhor maneira de carregar a bike - quando tinha a recém adquirido, precisei desenvolver uma estratégia para melhor utilizar minha força braçal e não me cansar excessivamente. Até agora, o algoritmo "subir três lances usando a mão direita e então passar para a mão esquerda" parece ser o mais eficaz na conservação de energia, mas ainda estou tentando aprimorá-lo.

E em casa, no meu quarto, observei os meus músculos, tanto das pernas quanto dos braços, e percebi meu cansaço. "Estou fora de forma" penso eu "se essa pernadinha me deixou desse jeito". Ao mesmo tempo, é com certa alegria que percebo que mal posso esperar pela próxima oportunidade de fazer tudo de novo. Não sei por que diabos deixei minha bike tanto tempo parada, mas estou feliz por poder pedalar por Porto Alegre outra vez.