sábado, 23 de agosto de 2008

Norte

Neste momento solitário que vivo em meu apartamento, acompanhado apenas da música e da chuva caíndo lá fora, as memórias brotam em minha consciência, e o som das gotas tamborilando no chão da rua e no vidro de meu quarto levam-me diretamente à uma tarde de 2005 - acabara de almoçar, e recebera uma mensagem de uma certa menina, pedindo para que fosse até onde ela estava. Apesar da chuva que fustigava minha face, atendi seu pedido, e peguei o ônibus que passasse perto do colégio dela. Lá chegando, fui quase que imediatamente mandado de volta, como se eu fosse qualquer um e não tivesse a menor importância. Na verdade, para ela, eu era qualquer um e não tinha a menor importância. Apenas estive no lugar certo na hora certa com ela algumas semanas antes. Lembro-me muito vivamente da chuva escorrendo por meus cabelos, e da minha raiva de fazer tanto por tão pouco.

E esta mesma memória me joga de volta para o ano de 2008, há apenas alguns meses, quando planejei e executei uma viagem para Novo Hamburgo no Dia dos Namorados - uma hora e meia dentro de um ônibus apenas para entregar uma rosa para uma outra menina e ir embora. E, mais uma vez, todo meu esforço foi debalde, pois esta outra menina também não estava disposta a abrir mão de muita coisa por minha causa.

Nestas duas vezes, senti grande revolta e raiva por dar tudo e não receber nada em troca, de ir além de mim mesmo por outro que, não exagero, mal notava minha existência. Mas hoje, percebo que toda chuva e poeira que encarei me purificou, me tornou mais forte, confiante e decidido, e que, por mais que naqueles momentos eu senti-me desprezado, eu era verdadeiramente livre, pois nenhuma distância ou barreira me impediram de ir onde quisesse para ficar com quem eu queria, mesmo que o desejo não fosse recíproco! Junto com a liberdade veio o amargo gosto da solidão, mas também a autêntica felicidade que apenas os que buscam a Verdade sentem. Sim! Em cada jornada que andei, não buscava apenas os beijos e abraços desta ou daquela menina, mas a minha própria Verdade, que dá sentido para minha vida! Não posso culpar estas meninas por não perceberem o valor da minha renúncia, por que estão demais presas na teia que condiciona seu pensar, seu agir e seu sentir. Não posso esperar que entendam por que um homem age. Eu também ainda estou muito preso nesta mesma teia - percebo isto todo dia e cada vez mais - mas não há nada que eu deseje mais do que libertar-me, mesmo que para isto eu precise me ferir, me magoar e me humilhar, como aconteceu nestas minhas duas jornadas. Percebo, neste momento solitário que vivo em meu apartamento, acompanhado apenas pela música e pela chuva, que não posso esperar que mais ninguém além de mim tenha tal norte, que não posso culpar ninguém por buscar algo que não a Verdade, mas que devo ser tolerante e compassivo. A liberdade é para os poucos que amam a solidão.

Neurose Dominical

Frequentemente, sou assaltado por uma dúvida cruel: vou treinar na academia, ou fico em casa lendo? As duas atividades me proporcionam igual prazer, só que em alguns dias eu desejo mais ficar correndo e suando, enquanto em outros prefiro ficar deitado no sofá da sala do meu apartamento com um livro em mãos.

Hoje, fui mais uma vez assombrado por este questionamento, e depois de muito pensar, decidi ficar em casa, pois achava que não tinha lido o suficiente. Foi um erro, pois fiquei apático, como um animal de zoológico, pois nenhum dos livros ao meu alcance me interessaram. Fiquei, então, lendo apenas por não ter nada melhor para fazer. Se tivesse ido para a academia, a sensação seria completamente diferente, pois teria deliberada e ativamente buscado o treino.

O psicanalista Sandor Ferenczi percebeu que seus pacientes ficavam mais deprimidos em feriados e finais de semana, e chamou este fenômeno de neurose dominical - a "domingueira" que volta e meia assola o Marcelo. É curioso que isto aconteça justamente no nosso tempo livre, que deveria ser o mais feliz de todos. Estou tendo um episódio de neurose dominical, e o tédio torna até mesmo os livros mais legais em amontoados sem graça de papel escrito.

Acho que se tivesse ido treinar, isto não estaria acontecendo. A atividade física tem umas propriedades miraculosas, tanto que nosso cérebro libera endorfinas quando exercitamos nossos músculos! Deixei isso de lado por que achei que seria melhor procurar a realização de hoje nos livros. Má idéia, pelo menos hoje. Amanhã terei um dia cheio, e esta apatia desaparecerá, e no domingo de manhã, vou para a academia treinar, para evitar que este dia também seja meio neurótico.