segunda-feira, 16 de abril de 2012

Mais sobre aborto

Já que meu texto anterior foi sobre o aborto de anencéfalos, acho que preciso falar do tema mais amplo, que é o aborto em si. Como eu disse anteriormente, a decisão do STF foi, sim, uma conquista, mas uma conquista mirrada e pouco ousada, por que abortar fetos incapazes de sobreviver por mais de uma semana não deveria causar mais desconforto do que extrair um tumor maligno. O aborto de fetos biologicamente viáveis, por outro lado, é um problema ético, por que não há consenso sobre a conduta correta, e todas as alternativas envolvem riscos e prejuízos.

Em discussões éticas, penso que a melhor postura é ser claro e honesto, dizendo diretamente o que se pensa. Em relação ao aborto, tenho duas opiniões. A primeira é que eu acho o aborto em si uma coisa horrorosa. A segunda é que eu acho que o aborto deve ser legalizado. "Espera" você que está lendo este texto agora deve estar exclamando. "Como é que alguém que defende a clareza tem opiniões tão divergentes sobre o mesmo assunto? Tu não está sendo incoerente em tuas posições?" Penso que não. Para ser franco, tenho a impressão de que todos os defensores da legalização do aborto possuem estas mesmas opiniões, inclusive as feministas.

Apesar da pieguice do que eu vou dizer agora, a gravidez é de fato um "ato sagrado", pois é assim que geramos novas vidas. Não há como manter-se indiferente a isto. Carregar uma vida dentro de si é uma responsabilidade muito séria, e não deve ser assumida sem comprometimento, sem desejo, sem preparo. Porém, acontece muito frequentemente o exato oposto - mulheres engravidando sem desejo algum de serem mães, seja por acidente, como uma camisinha furada, descuido, como esquecer de tomar a pílula anticoncepcional, ou alguma tragédia, como o estupro. Em todas estas situações, as mulheres têm o direito de decidirem se querem levar a gestação à termo, ou se não estão preparadas para terem uma criança, não importa o motivo pelo qual engravidaram sem querer. Correm no Facebook muitas mensagens dizendo coisas do tipo "quem mandou não se cuidar? Agora tem que arcar com as consequencias!" como se engravidar por acidente fosse algo como derrubar refrigerante no tapete, que sujou tem que limpar. É um pensamento muito limitado, por que, depois que a gravidez acabar, não vai ser como o tapete, que vai estar limpo e (com sorte) sem mancha nenhuma: vai ter um bebê, cheio de necessidades, nas mãos de uma mãe que nunca quis ser mãe. Pode ser que ela aprenda a amar a criança, e cuide bem dela, mas e se isso não acontecer, como é que fica? Sim, a criança poderia ser adotada por uma família amorosa. Porém, até onde eu sei, já existem muitas outras crianças aqui no Brasil esperando serem adotadas. Por que colocar mais uma nessa lista de espera? Por que colocar mais uma criatura inocente para sofrer no mundo? Para fazer a mãe "arcar com as consequencias"? Por que Deus quer?

Ter um filho é uma das coisas mais sérias que se pode fazer, e mesmo as mulheres que não desejam engravidar concordam com isto. Na verdade, é justamente por saberem que é algo grave que elas optam por não ter filhos. E elas devem ter seu direito de escolha amparado pela lei, independente delas terem engravidado por descuido ou não. O aborto não é a única ferramenta disponível para ajudar as mulheres a não engravidarem, mas apenas o último recurso caso tudo mais falhe. Existem as pílulas anticoncepcionais, as pílulas do dia seguinte, os preservativos, dispositivos intrauterinos, e mais um monte de outras opções seguras. Atualmente, como o aborto é considerado crime, a última alternativa de mulheres que engravidaram e que não querem ser mães são ou clínicas de aborto clandestinas, ou soluções mais caseiras mesmo, como chás abortivos ou as "boas e velhas" agulhas de crochê. Não precisa ser residente em Medicina Interna pra saber que estas alternativas populares não são exatamente as mais seguras, e que anualmente milhares de mulheres morrem por causa delas. O aborto legalizado, feito com higiene e segurança em hospitais de qualidade, não seria para fazer "Festivais do Aborto", nem encorajariam mulheres a engravidar só por que "agora eu posso abortar quando eu quiser." Da mesma forma que a gravidez, o aborto também é uma decisão muito grave, e dificilmente será feita de forma inconsequente.

O aborto já é uma realidade agora, e sua prática, ao invés de ser combatida, deve ser legalizada e regulamentada, para evitar a morte de mulheres fazendo abortos inseguros, o nascimento de crianças com deformidade por causa de abortos mal feitos, e o sofrimento de crianças que não foram desejadas. Ele não deve ser a única alternativa para casos de gravidez acidental ou indesejada: deve ser feito, por exemplo, acompanhamento psicológico para mulheres que engravidaram por causa de estupro, e a decisão de abortar ou não deve ser muito bem discutida. Entretanto, a decisão final deve ser sempre da mulher, seja ela qual for. Qualquer política pública que não envolva isto será, no máximo, um forçar a mulher fazer algo que não quer, com um verniz humanitário.