segunda-feira, 12 de maio de 2008

E no próximo episódio...

Amanhã, depois do Kung Fu, é pau e corda fazer quatro relatórios de Seminário de Pesquisa em Psicologia, um relatório de Processos Grupais e um trabalho de Processos Institucionais.

Grasshopper's Way

Esta sexta-feira, treinei na minha antiga academia em Caxias do Sul. Pensava em fazer isso havia um bom tempo, mas nunca encontrava a disposição para matar a aula de sexta-feira e sair de Porto Alegre. Fiz isto semana passada, e parece que o universo conspirou a meu favor. De manhã, quando me dirigia ao dentista, encontrei meu velho professor, que depois de jogar um pouco de conversa fora, perguntou-me se não eu não gostaria de treinar por lá. Aceitei na hora.

Foi um treino bem mais curto do que estou acostumado – uma hora, contra uma hora e meia de sempre em Porto Alegre. Fiquei com uma sensação de faltar alguma coisa, como mais tempo para fazer técnicas, e uma parte física completa. Não pense o leitor, porém, que não me cansei: repetir o mesmo chute ad nauseam é mais cansativo do que lembrava.

Com este pequeno desvio de rota, pude treinar com supervisão e revisar algumas técnicas que me deixavam em dúvida. Entretanto, não foi essa a grande vantagem do treino de sexta.

Pude relembrar como as coisas eram quando comecei a treinar Kung Fu. Refiro-me tanto à academia, como local de treino e socialização, quanto a mim mesmo, e a meu professor. Ele parece ter uma tendência a pegar mais pesado com os novos, não fisicamente (até por que, para quem está recém começando a treinar, qualquer coisa física é pesada), mas verbalmente. Um advogado poderia dizer que ele quase agride psicologicamente os faixas brancas. Quando eu próprio era um deles, tinha que ouvir todos os treinos algo como “tá horrível!”, “credo!” ou o clássico “pensa numa coisa horrível, e multiplica por 10: é isso aí o que tu fez agora”.

Não tenho muita certeza dos números, mas acredito que na academia em Caxias, haja em torno de 100 alunos. Desses, 70 são alunos passionais – começaram a treinar, mas dificilmente irão passar da faixa branca ou irão muito longe na faixa amarela. Os outros 30 são um núcleo duro, que treina há pelo menos três anos. Entrei para o Kung Fu em 2003, e devo dizer que, dos muitos que posso considerar sendo da “minha turma”, eu era o pior em muitos aspectos: demorava para entender as técnicas, facilmente divagava ou conversava com outros durante o treino, retrucava o que o professor dizia, e fui o que mais demorou para trocar de faixa (além de ter dado um pequeno vexame no exame). Mas sou o único que continua treinando até hoje. Não quero diminuir o valor dos colegas que desistiram – provavelmente tiveram bons motivos para tanto. Mas definitivamente, eu era um “azarão”, e continuei treinando sabe-se lá por que. Mas continuo. Aos trancos e barrancos, frequentemente deixando a peteca cair, mas nunca desistindo.

No primeiro episódio de um famoso seriado dos anos 70, Kung Fu, aparecia como o personagem principal fora aceito como discípulo no Templo Shaolin. Ele esperou sentado, de baixo de sol escaldante, de chuva congelante, com todo tipo de distração ao seu redor, os portões do templo se abrirem para ele. No fim, o grande mestre o aceitou. Acho que, de uma forma ou de outra, todos aqueles que seguem uma arte marcial passam por similar calvário: cansaço, humilhação, sensação de poder estar em um lugar mais divertido. É aí que muitos viram suas costas e voltam para o mundo; permanecem apenas aqueles que não buscam apenas novas sensações, mas um sentido novo para suas vidas. No meu caso, a espera era uma aparente humilhação. Mas logo que se vence este obstáculo, o despeito transforma-se em respeito contido, uma verdadeira admiração do professor pela persistência de continuarmos treinando, apesar do cansaço e do deboche.

Pode não ser uma coisa consciente, mas acho que, por mais que sejam os 70 inconstantes que coloquem comida na mesa do meu antigo professor, são os outros 30 que o mantém dando aula – e que nos tornemos parte destes 30 é o que ele busca que nos tornemos. E eu sou um deles. Pelo menos até o momento.