terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Histórias que entretêm - Passeio Etílico em Uruguaiana (Parte IV)

Sim, da mesma forma que Forrest Gump fez quando estava prestes a ter a cara amassada pelos valentões do bairro, corri, corri, corri, com a diferença que por causa disso ninguém iria me colocar como quarterback de time de futebol americano nenhum. Porém, consegui chegar na boléia do caminhão e me trancar ali dentro. Não teria muito tempo antes de Tijolão começar a arrebentar os vidros a pazadas, então coloquei-me a trabalhar em uma solução para minha situação assim que pude. Olhei ao meu redor. As latinhas de cerveja ainda estavam lá, bem como os talheres e o taco de basebol. O taco de basebol, é claro! Chekhov provavelmente deve ter rolado em seu túmulo no mesmo momento em que eu percebi que este item desportivo poderia me ser útil naquela perigosa situação. Continuava fraco demais para enfrentar meu oponente de igual para igual, mas aquele taco seria de grande ajuda, por que, além de longo, ele era feito de alumínio, e bastante pesado.

Abafados e distantes, ouvi os gritos de Tijolão se aproximarem com uma rapidez demoníaca, e quando percebi, ele arrebentara o vidro do lado do motorista. Esta era a minha deixa. Aproveitando-me do fato daquele caminhão ter uma janela a menos, peguei o taco de basebol e acertei em cheio uma estocada na testa de Tijolão. O que, para meu horror, não serviu para nada, além de deixá-lo ainda mais furioso. Sentindo a morte se aproximando, desesperei-me e gritei: "Tu acaba de falhar no primeiro teste, Pedro Tijolão! O Coronel vai ficar muito desapontado quando eu lhe disser o que aconteceu aqui esta noite". Para meu espanto, ele parou e olhou para mim, com uma expressão confusa no rosto. "Quer dizer que tu conhece o... o Coronel?". Oh meu bom Deus, obrigado por um dos delírios dele ser a respeito de um Coronel! Agarrei-me à esta oportunidade de salvar-me como um náufrago se agarraria à uma tábua de madeira e continuei desfiando abobrinha em cima de abobrinha.

- Sim, conheço o Coronel, por que eu sou enviado direto dele. Eu vim testar a tua fé, e tu falhou, Pedro, falhou miseravelmente.
- Desculpa, patrão, desculpa! Mas como é que eu ia saber que tu não era um comunista? Até o telefone tu usou!
- Mas era essa a idéia, Pedro! Esse teste serviria para ver se tu era digno de levar adiante o plano, e agora não me resta outra escolha se não procurar alguém que seja.
- Por favor, patrão! Me dá outra chance, eu sei que eu posso!
- Não, não, não! Tu já teve a tua chance, e tu jogou ela fora. O Coronel foi bem claro quanto a isto!
- Por favor! Eu te peço de joelhos!

Claro que eu ia dar mais uma "chance" para ele! Mas, como em qualquer barganha, eu precisava bancar o difícil, e inventar uma nova prova de fé, que servisse o triplo propósito de acalmar os ânimos de Tijolão, impedir ele de chegar em Florianópolis e me deixar em casa. Quando pensei em "casa", lembrei que tinha perdido minhas chaves, e que precisaria arrombar a porta ou chamar um chaveiro, o que fosse mais conveniente. Como este pensamento não tem nada a ver com o que está acontecendo agora, me desconcentrei e disse:

- A chave! Há uma chave para tua salvação, Pedro! Uma só! E ela reside em uma simples tarefa. Mas antes de te dizer o que ela é, vou ter que consultar o Coronel. Vem comigo.

Desci do caminhão e caminhei em direção ao posto de gasolina da maneira mais digna e aristocrática que um homem que acabara de defecar nas próprias calças poderia. Fui até o balcão da lanchonete e pedi "o telefone, por favor". Esse "por favor" foi dito mais por hábito do que por desejo de ser educado, afinal de contas, por que eu tinha que ser educado se eu tinha um psicótico armado com uma pá me seguindo como um guarda-costas? A assustada garçonete não pensou duas vezes, e logo me trouxe um sem-fio. Tijolão, que acompanhava todos os meus movimentos com seus olhos esbugalhados e abraçando a sua pá como uma criança que abraça seu ursinho, parecia ansioso por alguma palavra minha, e para saber o que o Coronel teria a dizer para mim. A fim de aumentar a tensão dramática, e impedir que ele ouvisse a minha conversa com meu "chefe", disse "espera lá perto do caminhão. Tu vai saber o que fazer quando eu achar que tu deve saber". Papo para boi dormir, mas ele obedeceu.

Assim que ele saiu da lanchonete e não podia mais me ver, abandonei o ar pomposo e voltei a me comportar como um rato acuado, agarrando-me com toda a minha força ao telefone, e dizendo com a maior rapidez possível quando o outro lado atendeu:

- Borat, tô na merda!
- Que?!

Para meu azar, era a mãe dele.

- Quero dizer... o Lucas se encontra?
- Não, ele acabou de sair. Quer deixar recado?
- Ele levou o celular dele? Me diz por favor que ele levou o celular...
- Não, tá aqui em cima da mesa o celular dele.
- Ai...
- Não quer deixar recado mesmo?
- Não... quero dizer, sim! Pensando bem, tia, me faz um favor?

Acho que ela não gostou muito de ser chamada de "tia", pois respondeu com a maior das más vontades:

- O quê tu quer?
- Bom dona, tem como tu olhar a agenda do telefone dele e procurar uns telefones?
- Por que eu faria isso? Olha, liga mais tarde e fala com o Lucas.

Desesperado com a possibilidade dela desligar o telefone, dei minha última cartada:

- Não desliga, por favor! Olha só, é caso de vida ou morte, e isso não é metafórico! Por favor, por favor, por favor, OLHA O CELULAR DELE POR MIM! Se fosse o teu filho ligando para a minha mãe, tu não ia querer que ela fizesse isso por ele?

Sensibilizada pelo meu medo e seu instinto materno, ela se dispôs a fazer isto, e me passou o contato de todas as pessoas que eu conhecia e que Borat tinha um número, e de algumas que nunca vi mais gordas. Depois de agradecer profusa e efusivamente pela ajuda que me dera, desliguei e imediatamente liguei para uma amiga:

- Alô? Cháris, me salva!
- Andarilho, é tu? Onde tu tá? Uma hora tu estava com a gente na festa, e na outra, tu sumiu! O Borat nos contou que tu tá em Uruguaiana, isso é verdade?
- Não tô mais. Consegui carona e viajei uns 50km, e devo estar mais pros lados de Alegrete agora. Não tomo banho à 4 dias, tô coberto de bosta, tô fedendo, meu caroneiro é um psicótico em surto e acabou de tentar me matar com uma pá!
- Como assim?!
- É isso aí. Quando eu disse "Cháris, me salva" não foi por força de expressão!
- Mas o que tu quer que eu faça?
- Rouba um carro e vem me buscar. Sei lá. Só arranja um jeito de me buscar! Fala com o Borat que tem carro, e diz pra ele que eu tô num posto de gasolina pra depois de Alegrete, e que um pirado pode me matar. Depois que ele se matar de rir da minha cara, ele vai vir me buscar. Ah! E diz pra ele que eu vou chamar ele de "Coronel".
- Tá...
- Ah, e diz pra ele cobrir os bancos do carro com algum plástico para eu sentar e não estragar o estofamento.
- Tá...
- E que eu não vou ficar triste se ele trouxer uma arma junto.

Ao desligar o telefone, sentia-me tão alegre, tranquilo e leve quanto Homer Simpson se sentiria na Terra das Rosquinhas. Claro que essa minha alegria não durou muito, pois logo lembrei que precisava ir falar com o meu maluco favorito e inventar alguma tarefa redentora que o deixasse ocupado por pelo menos 8 horas, tempo que imaginava ser suficiente para Borat pegar o carro e vir me buscar. Dependendo de como Tijolão reagisse, tudo ficaria mais fácil ou mais difícil. Preciso dizer qual alternativa vai ser?

Continua...

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