sábado, 19 de julho de 2008

Argonautas do Asfalto - Parte IV

Antes de começar o relato propriamente dito, gostaria de abrir um parênteses, e dizer que, talvez não tenha sido a melhor das escolhas falar sobre o ENEP cronologicamente, pois, de certa forma, ele está além do tempo. O Marcelo bem disse que cada um viveu seu próprio ENEP. Eu acrescentaria que cada um o viveu em seu próprio tempo.

O quinto e último dia oficial de encontro chegou, e com ele, um ar cheio de alegria e tristeza. Alegria pelo o que vivemos, e tristeza pela despedida, precoce na opinião da grande maioria dos participantes. A plenária final tomou lugar no centro do alojamento. Bem diferente da do ano anterior, foi apenas um círculo informal, sem frescuras burocráticas para falar ou votar: bastava chegar ali e dar sua opinião. Apesar deste clima mais livre, evitei tanto quanto pude participar dela: não estava lá para aquilo.

Nossa sociedade se dividia e dissipava pelo Brasil: Karol ficaria em Campo Grande, para ir num show; Lucas e Natanael decidiram ir para Belo Horizonte com o pessoal de Minas Gerais que estava por ali; Roger voltaria mais cedo de avião, enquanto que eu, Marcelo, Chico, Dani e William pegaríamos o primeiro ônibus que pudéssemos; os porto-alegrenses voltariam para Porto Alegre, e o William voltaria para aquela cidade dele cujo nome não me recordo. Mas é uma cidade amável, tenho certeza.

Para nossa insatisfação, não conseguimos passagem alguma para aquele dia, e teríamos que ficar mais uma noite no alojamento, quando o evento já tivesse acabado e os seguranças ido embora. Mas nossa insatisfação não foi tão grande, pois ninguém estava tão interessado assim em encarar mais 20 e tantas horas de viagem para voltar a fazer o que sempre fazemos em casa.

As despedidas tomaram conta do ENEP – tínhamos que dar adeus não só as pessoas que conhecemos ou reencontramos, mas do alojamento, das capivaras, de Campo Grande e de toda a experiência transformadora que foi este encontro. Para onde quer que olhássemos, víamos aspirantes à psicólogos fazendo isso. Dei meu adeus para tudo aos poucos: primeiro dos amigos, depois do alojamento e, por fim, da cidade. Da menina do vestido amarelo, despedi-me pelo menos quatro vezes. Não me despedi, porém, do próprio ENEP, pois ele continua a acontecer dentro de mim, pois as marcas que em mim deixou são indeléveis.

Pouco a pouco, aquele espaço vibrante e cheio de vida que era o Moreninho foi esvaindo-se, esvaziando-se, e onde havia anteriormente um grande acampamento colorido foi transformando-se novamente em um grande piso de madeira, frio e vazio. Pouco a pouco, as pessoas foram indo embora, mergulhando aquele ginásio cada vez mais no silêncio. Houve, contudo, um movimento de resistência contra isto – nos unimos e cantamos juntos, por uma última vez em Campo Grande, todas as besteiras que aprendemos nesse tempo de faculdade, fizemos aquelas dancinhas ridículas e humilhantes e afastamos, ainda que por um breve instante, o pensamento que logo iríamos embora, e por um breve instante, vivemos uma vez mais o ENEP em toda sua força.

Esse instante acabou, e cada um foi para seu lugar. Tentei ir dormir mais cedo, mas acabei indo parar no churrasquinho atrás do ginásio, e conversando com um colega de artes marciais de Porto Velho, RO. Após a conversa acabar, esbocei uma tentativa de leitura, mas ela soçobrou diante meu sono.

Na manhã que se seguiu a última noite de festa, fomos de carona para a rodoviária. Eram nossos últimos momentos na capital do Mato Grosso do Sul. Nos despedimos de William, que iria em outro ônibus, e embarcamos para nossa viagem de volta. Nas trinta horas que se seguiram, em todas as paradas e durante o caminho, o silêncio foi nosso mais constante companheiro. Mas este silêncio já não era o mesmo da ida, pois nós também não éramos os mesmos. Não havia constrangimento ou vergonha no fato de permanecermos quietos – talvez o cansaço tenha contribuído para esta situação, mas havia algo maior por trás de tudo. Este silêncio era fruto e símbolo da profunda amizade que brotou entre nós, argonautas do asfalto, que decidimos, juntos, buscar a riqueza, a aventura e a loucura em Campo Grande, no Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia. Nós tivemos a coragem e o desapego para viajarmos mil quilômetros, e sofremos e sorrimos juntos. Se tivéssemos viajado em um grande grupo, nossa jornada não teria o mesmo significado que teve e tem até agora. Nenhum de nós é o mesmo agora.

E assim, concluo minha breve narrativa sobre o ENEP. Ano que vem tem mais: EREP Maringá e ENEP Belo Horizonte. Até lá, quando desbravaremos mais rodovias do Brasil.

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