domingo, 2 de março de 2008

O Jogo Geográfico e Econômico da Política

Política é uma coisa engraçada. Engraçada por que, coisas que por si só não tem grande valor, em certas circunstâncias de relevância política, tornam-se importantes também. E coisas que são importantes em um sentido pragmático tornam-se mais importantes ainda devido ao seu simbolismo.

Tomemos como exemplo as prévias para candidato à presidência dos Estados Unidos da América. Nas prévias, os candidatos dos dois principais e mais poderosos partidos, o Republicano e o Democrata, são escolhidos em algo que poderia se chamar de pré-eleições, e que no fim acabam servindo como um termômetro da popularidade dos candidatos escolhidos. Mas a coisa não é lá muito simples, pois há dois processos diferentes de votação nas primárias: as votações primárias em si, em que eleitores sem qualquer filiação política podem votar em qual candidato eles gostariam de ver concorrendo para a vaga na Casa Branca, e os Caucus, que envolvem votações com apenas membros do partido. Mas apesar disso, não são os eleitores quem decidem diretamente quem ganha: são os delegados de partido. Os delegados de partido são obrigados a votar no mesmo candidato que seu estado votou, portanto, se nas prévias 50% dos eleitores votaram no candidato X, 50% dos delegados vão para X. Só que existem os Superdelegados, delegados comuns que exercem cargos executivos importantes no partido, como presidente estadual. Eles podem votar em quem eles quiserem, não importa o que os eleitores do seu estado decidam. Last but not least, cada estado decide quando as prévias e os caucus serão realizados.

Só as informações contidas no parágrafo anterior são suficientes para dar um nó na cabeça de qualquer um, mas são apenas os dados quantitativos das prévias. Os dados qualitativos complicam o entendimento e o decorrer das prévias de maneiras muito piores.

Como disse antes, algumas coisas ganham mais importância do que realmente deveriam. Nesta eleição, as prévias começaram no estado de Iowa - que possui algo em torno de 65 delegados para os dois partidos, o que não é muito expressivo numericamente. Mas, por ser a linha de largada da eleição, ganhar aqui é fundamental. Hillary Clinton, que antes de toda a inana começar era considerada a favorita dos democratas, tomou um tufo em Iowa e terminou em terceiro lugar - começou com o pé esquerdo. No outro lado da moeda, eventos importantes por si só ganham muito mais importância por causa de seu simbolismo. Foi o que aconteceu com a Super-Terça. A terça que virou super foi 5 de fevereiro - o dia que mais de 20 estados decidiram fazer suas prévias eleitorais, colocando em jogo milhares de delegados. No lado democrata, quem levasse a Super-Terça para casa levava a candidatura para a presidência também - ou pelo menos, sairia tão na frente que seria difícil alcançar. E no fim, o que aconteceu foi um empate técnico, que levou os pré-candidatos a terem que encarar uma luta muito mais prolongada. Para Hillary Clinton e seus aliados, isso foi um banho de água fria - e um tempero amargo para os salgadinhos caros que tinham sido comprados para antecipar sua vitória sobre Barack Obama, o azarão deste ano. Já para Obama, isso foi muito vantajoso, pois mostrou para os eleitores indecisos que valia a pena votar nele, pois ele tinha uma chance real de ganhar. E depois da Super-Terça, dos 11 confrontos democrátas, ele levou todos. Foi uma verdadeira surra de pau mole, que deixou Hillary & Friends desmoralizados e desmotivados. Afinal, quem vai votar num pré-candidato que já saiu perdendo?

A última prévia/caucus que aconteceu foi no Hawaii e no Wisconsin, em 19 de fevereiro, este último meu estado de adoção. Em termos práticos, o Wisconsin não é grande coisa no plano político americano: população pequena, majoritariamente de colarinho azul (trabalhadores assalariados da indústria) e de baixo poder aquisitivo. Em outros anos, ninguém daria a mínima para o resultado do Wisconsin, mas neste ano ele foi crucial, pois eleitores de colarinho azul são parte importante da base de votantes de Mrs. Clinton, e perder ali deixaria claro que este setor importante está migrando para Obama. Além disso, ela precisava mostrar que era capaz de ganhar de Obama e que ainda podia lutar pela cadeira da Casa Branca. Tomou outro tufo, e ficou 17% atrás de Obama.

Depois da Batalha do Wisconsin, uma trégua: as próximas prévias seriam apenas em 4 de março, em Ohio, Rhode Island, Texas e Vermont. Apesar de Ohio e Texas serem os mais importantes em números de delegados para os democratas (161 e 228, respectivamente), os estados de Vermont e Rhode Island (23 e 32 delegados, respectivamente) são considerados importantíssimos. Primeiro, por que se Hillary ganhar lá, ela mostra que a luta para ela não está perdida ainda. Mas há mais por trás disso: Rhode Island é tradicionalmente um reduto democrata nas eleições gerais, e principalmente, é um reduto de eleitores do clã Clinton. Perder ali é perder toda a credibilidade para Hillary. Complicando um pouco mais as coisas neste 4 de março, o sistema de pré-eleições no Texas é provavelmente o mais bizarro dos EUA inteiros, por ser uma mistura de prévias com caucus que ninguém entende, exceto, como disse uma colunista do The New York Times, quem tem doutorado em Física Quântica.

As próximas prévias são consideradas a batalha final de Hillary por muitos, ou no máximo, sua última chance de ganhar alguma coisa e mostrar que tem força para concorrer pela presidência.

Outro fenômeno importante que se tornou mais importante ainda é a arrecadação e administração de fundos para a campanha - Obama quebrou recordes de arrecadação e sua campanha é um exemplo de dinheiro bem investido, ao passo que Hillary, que arrecadou bastante mas ainda assim muito menos do que Obama, tem sido extremamente criticada pelas constantes cagadas da coordenação de sua campanha, que chegou a gastar em um mês 1200 dólares em rosquinhas. Além dela sofrer as conseqüências práticas de ter menos dinheiro, ela tem que responder perguntas dos eleitores do tipo "como posso confiar que a senhora vai administrar bem a economia do país se não consegue administrar a própria campanha decentemente?"

A questão do dinheiro arrecadado também traz outros problemas à reboque, como um trato feito entre o candidato quase certo à presidência John McCain e Obama de usarem verbas federais de campanha e limitarem os gastos. Na época, valia a pena para Obama vender uma imagem de político ético, pois tinha pouco dinheiro à disposição. Mas agora que ele tem pelo menos mais de 50 milhões de dólares à sua disposição, parece ser um tiro no pé. McCain, que apesar de popular tem pouco pila vai encher o saco de Obama com certeza se ele não cumprir com sua palavra.

E, indo na direção contrária do fenômeno que descrevi no primeiro parágrafo, eventos importantes pragmática e simbolicamente, dentro de certos contextos deixam de ser tão importantes quando deveriam ou costumavam. Por exemplo, Hillary Clinton levou as prévias de New York, New Hampshire, New Jersey e California - 281, 121, 127 e 441 delegados respectivamente, e que juntos são os estados que mais representam os EUA - tanto dentro do país quanto fora. E o fato dela ter ganho nestes importantes estados perdeu quase toda sua importância, porque Obama ganhou em todos os outros! O coordenador da campanha de Hillary, depois de uma das 11 derrotas que ela sofreu, frequentemente vinha falar ao público que o estado recém-perdido não representava os eleitores dos EUA - fato que virou a piada dos "40 estados que não representam os eleitores dos EUA".

Há muitos outros fatores na política, especialmente nos EUA, que influenciam os eleitores, mas são demais para um post só. Talvez outro dia eu fale mais sobre isso.

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