terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

As Três Forças da Psicologia


Historicamente, a Psicologia nunca foi uma ciência unida, mas vários grupos de pesquisa com ideais epistemológicos e lógicas diferentes, estudando o mesmo assunto de maneiras muito diversas, quando não antagônicas.

São vários movimentos distintos, mas é possível agrupá-los em três grandes correntes, uma para cada ponta da letra grega Psi, de acordo com suas histórias e pressupostos filosóficos: Psicoanalítica, Comportamentalista, Humanista-Existencial.

As teorias e preceitos filosóficos por trás da Corrente Psicoanalítica* foran concebidas por vários filósofos, entre eles Platão, ao longo da história, mas foi só com Sigmund Freud que ela ganhou corpo e influência, quando ele desenvolveu a técnica da Psicanálise. Segundo a teoria freudiana, o ser humano não é completamenta racional e consciente, pois grande parte de suas ações são determinadas pela parte inconsciente e instintual da mente, e para uma vida mentalmente saudável, é necessário integrar a parte inconsciente com a parte consciente. Geralmente, as teorias psicoanalíticas consideram o ser humano uma criatura anti-social e egoísta, que vive com outros seres humanos para sobreviver. A Corrente Psicoanalítica não consiste apenas das diversas teorias dentro da própria Psicanálise, como a escola freudiana clássica, da Melanie Klein, de Lacan, Bion e outros, mas teorias concorrentes criadas por discípulos rebeldes de Freud, como a Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, a Psicologia Individual de Alfred Adler, a Orgonômia de Wilhelm Reich, a teoria do apego de John Bowlby, as Etapas do Desenvolvimento de Erik Erikson e a Terapia Psicodinâmica. Esta corrente, apesar de ser historicamente a mais influente no campo da Psicologia, é a mais avessa ao método científico, pois muitas destas correntes apenas seguem as idéias de seus mestres, sem testá-las ou pô-las em dúvida. Além disso, suas teorias são geralmente do tipo "ou é isto ou não é", sendo sempre capazes de aceitar qualquer tipo de evento. Isto para a ciência não é algo desejável, pois seu objetivo é prever e controlar.

A Corrente Comportamentalista considera tudo o que seres humanos e organismos vivos fazem - ações, emoções e pensamentos - como comportamentos, e prefere explicá-los de forma científica independente da Fisiologia ou de construtos hipotéticos como a mente. Para evitar o dualismo, comportamentos encobertos, como pensamentos, não são considerados diferentes dos comportamentos visíveis. Esta corrente é a mais fiel ao método científico, por causa de seu enfoque em eventos observáveis ou passíveis de inferência segura. O precursor da Psicologia Comportamental foi Ivan Pavlov, que estudou o condicionamento do comportamento clássico com cachorros. John B. Watson foi o pai do Comportamentalismo norte-americano (Behaviorism), e o B. F. Skinner, maior teórico dos EUA nesta área, que desenvolveu a teoria do Condicionamento Operante através de suas pesquisas com ratos e pombos (além de outros animais, que foram utilizados por ele e por outros pesquisadores), e propôs o Behaviorismo Radical como filosofia a sustentar as Ciências do Comportamento.

Esta corrente pode ainda ser subdivida em três ondas de terapia, cujas técnicas são influenciadas pelas descobertas recentes: a Primeira Onda foi a Psicologia Comportamental clássica, representada pela Análise Experimental do Comportamento de B. F. Skinner, que focava-se exclusivamente no condicionamento e alteração de comportamentos indesejáveis; a Segunda Onda foi a Psicologia Cognitivo-Comportamental, representada pela Psicologia Cognitiva de Aaron Beck, que mantêm o foco em alterar comportamentos indesejáveis, mas dá maior enfoque para mudar pensamentos prejudiciais, ao contrário da onda anterior, que considerava que pensamentos e emoções não afetavam os comportamentos externos; e a Terceira Onda, representada pela Acceptance and Commitment Therapy (ACT) de Steven Hayes, que absorveu as práticas das ondas anteriores, e passou a utilizar técnicas antes ignoradas pelos terapeutas, como meditação e 'mindfulness' (mente cheia).

A terceira corrente, também conhecida como Psicologia da Terceira Força, é a Corrente Humanista-Existencial. Baseado nas obras dos filósofos Soren Kierkegaard, Nietzsche, Sartre e principalmente Heidegger e na Fenomenologia, esta corrente tem pressupostos básicos muito diferentes das outras duas. James Bugental resumiu a epistemologia humanista-existencial em 5 postulados:
1. O ser humano não pode ser reduzido ao seus componentes;
2. O ser humano possui dentro de si um contexto humano ímpar;
3. A consciência humana possui uma percepção (awareness) de si mesmo e do contexto dos outros;
4. O ser humano tem escolhas e responsabilidades não desejadas;
5. O ser humano tem intenção própria, e busca sentido, valor e criatividade;

Eu ainda adicionaria um sexto postulado, de que o ser humano tende para a bondade, e um sétimo, que a natureza humana transcende os aspectos biológicos e sociais, diferentemente das outras duas correntes, que dão maior ênfase para os aspectos biológicos, ambientais-sociais e hedonistas das pessoas. A Corrente Humanista-Existencial foi lançada como a Psicologia da Terceira Força na década de 1950, pelo psicólogo Abraham Maslow, como uma reação à Psicologia da Primeira Força, e à Psicologia da Segunda Força, o Behaviorismo, que focavam-se apenas em alguns aspectos da personalidade (como o inconsciente e os comportamentos condicionados), e negligenciavam aspectos centrais do ser humano: personalidade, auto-atualização, saúde, esperança, amor, criatividade, natureza, ser, vir a ser, individualidade e sentido, ou seja, o que realmente significa ser uma pessoa. As principais linhas teóricas desta corrente são a Psicologia do Ser de Abraham Maslow, a Abordagem Centrada-na-Pessoa (ACP) de Carl Rogers, a Gestalt-Terapia de Frederick Perls, a Psicanálise Humanista de Erich Fromm, a Daseinanálise ou Análise Existencial de Martin Heidegger, a Psicoterapia Existencial de Rollo May e a Logoterapia de Viktor Frankl; os quatro primeiros sendo humanistas e os dois últimos existencialistas. Existe ainda a Psicologia Transpessoal, também chamada de Psicologia da Quarta Força, que vem a ser um desenvolvimento da Psicologia Humanista.
Divido esta corrente em duas por que, apesar de compartilharem dos mesmos pressupostos filosóficos, ainda existem diferenças substanciais. Os Existencialistas tem grande parte de suas origens na cultura européia, e portanto, são mais pessimistas e dão maior ênfase para os aspectos negativos da existência, como a solidão existencial e a náusea de existir. Já os humanistas são em sua maioria americanos (tanto do norte quanto do sul), e preocupam-se mais com aspectos do crescimento positivo, como a auto-atualização (desenvolvimento como ser humano), capacidade conviver em harmonia com os outros, motivação e o que o ser humano pode se tornar (devir ou vir a ser).
Na questão científica, esta corrente é um pouco mais ambígua do que as outras duas. De fato, são utilizadas as técnicas de pesquisa fenomenológica, qualitativas por natureza, e que se focam em condições internas do ser humano, como pensamentos e emoções. A Fenomenologia é bastante rigorosa, sendo considerada por muitos como sendo a metodologia por excelência para as ciências humanas, mas por não dispor de meios de quantificar as suas descobertas, e por se utilizar da introspecção como método de pesquisa, sua validade é posta em dúvida por muitos outros críticos.

Mas a coisa não é tão simples como esta divisão pode fazer parecer, pois cada corrente influenciou a outra, e mesmo dentro da mesma corrente há diferenças cruciais. Por exemplo, Viktor Frankl estudou Psicanálise e Psicologia Individual no começo de sua carreira como psiquiátra, e mais tarde em sua teoria logoterapêutica postulou a existência de um insconsciente espiritual no ser humano, e a Análise Experimental do Comportamento considera as pessoas como meras "bolas de bilhar", que precisam de um impulso exterior para realizarem qualquer comportamento, enquanto a Psicologia Cognitiva já aceita a existência da vontade, ou a auto-determinação do indivíduo, entre outras desavenças epistemológicas menores. Além disso, alguns teóricos são educados na filosofia e nas técnicas de uma corrente, mas desenvolvem conceitos diferentes demais, como no caso de Erich Fromm, que apesar de ser psicanalista de carteirinha, desenvolveu a teoria da Psicanálise Humanista (que tem mais de humanista do que de psicanálise), e há casos como o da Esquizoanálise, que foi influenciada tanto pela Psicanálise como pela Daseinanálise.
Nenhuma das três correntes é superior às outras; se assim fosse, já teria sido decidido qual caminho tomar. Todas as três abordam fatores importantes da natureza humana: os comportamentos inconscientes, os comportamentos observáveis ou inferíveis e a potencialidade e motivações, e todas as três podem cair em reducionismos imbecis, que só atrapalham o progresso científico. Ainda assim, seguidores e teóricos de todos os matizes lutam por supremacia como num jogo de xadrez, pois tem certeza de serem melhores que os outros, e plenamente capazes de "explicar tudo" em nosso mundo.
Para melhor compreendermos o ser humano, devemos levar em conta todos os aspectos levantados e pesquisados por estas correntes, de maneira integrada entre elas e com outras ciências que estudam o Homo Sapiens, como a Biologia, representada pelas Neurociências, a Genética e a Bioquímica, e as Ciências Sociais, representada pela Sociologia, Antropologia e Ciências Políticas. Devemos estudar e levar sempre em conta que o ser humano é determinado por forças biológicas, sociais e psicológicas, e que mesmo assim ele é capaz de transcender todas estas forças. Caso contrário, estaremos sempre correndo atrás do nosso próprio rabo, e caíremos em simplificações perigosas de nossa própria natureza.

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