sexta-feira, 29 de abril de 2011

Nostalgia, Perda e Dor

Acho que uma das muitas coisas que crianças, e às vezes adolescentes, não entendem é a nostalgia. Por terem caído aqui no mundo a muito pouco tempo, tudo parece não apenas novo, mas também eterno - as coisas sempre foram assim desde que elas se conhecem por gente. Porém, as crianças crescem, as coisas mudam, e quando elas percebem, sentem falta. No que parece pouco tempo atrás, as pessoas falavam da década de 1980 com esse sentimento de falta. Eu nunca fiz isso por que, poxa vida, eu nasci em 1988, e não vi nada das coisas interessantes daquela década. A década de 1990, contudo, é outra história: eu tive minha infância nessa época, e sou culpado de todos os crimes que as crianças cometiam naquela época.

Um dia desses, vi aquele vídeo no YouTube onde crianças (de hoje) são apresentadas a objetos que eram usados 20 ou 30 anos atrás, como disquetes, fitas cassete e telefones de discar, e tinham que adivinhar para que serviam. Enquanto elas faziam suas apostas (algumas bastante próximas), eu me dei conta que eu sabia exatamente o que cada uma daquelas porcarias fazia, por que eu cresci com elas! Eu me senti não só velho, como também saudoso daquelas coisas - me peguei dizendo para mim mesmo "aquela época sim é que era boa", e desejando voltar a um tempo onde celular era coisa de grã-fino e se podia sumir na rua sem nenhum esforço se assim se desejasse, a internet não existia e todos os amigos que moravam longe se comunicavam por cartas. As coisas eram mais difíceis de se conseguir, e por isso muito mais belas, por serem mais raras, e o esforço daqueles que as procuravam era muito mais merecedor de elogio do que é hoje.

Pelo menos na minha cabeça.

No mesmo momento em que eu flagrei este fragmento de desejo, eu pensei "que bobagem, pelo amor de Deus." Continuei sentindo, pensando, imaginando como o mundo era mais bonito em 1990 por que me fazia (e ainda faz) me sentir bem, mas o meu senso de honestidade comigo mesmo me trouxe, como um secretário diligente, todos os dados que eu sei a respeito da década de 1990, da tecnologia e do mundo em geral. Obviamente as coisas não eram melhores 20 anos atrás - os meios de comunicação, além de ser de menor qualidade, eram totalmente controlados por três famílias; comprar livros era uma coisa que só se fazia em cidade grande e dos títulos que estavam disponíveis ali no estoque da livraria; amigos que moravam longe trocavam cartas, mas depois de um tempo qualquer um enche o saco de ficar escrevendo à mão (ou na máquina de escrever) e esperando os Correios levarem tua mensagem; e apesar do meu romantismo a respeito de todo o lance de "sumir nas ruas sem o celular", eu sei quão chato, pra não dizer trágico e desesperador, pode ser uma pessoa desaparecer sem deixar vestígios. Além de tudo isso, existe o fato de que a tecnologia, toda ela, era muito inferior à que temos hoje, desde aparelhos de som até os modelos de psicoterapia e saúde mental. Resumindo, mesmo que fosse possível voltar ao estado tecnológico de 20 anos atrás, não seria desejável, muito menos vantajoso, fazê-lo por que estamos muito melhor hoje (pelo menos neste sentido).

Então, tenho essas duas coisas acontecendo ao mesmo tempo dentro de mim - a nostalgia e a idealização do meu tempo de criança, junto com a clara noção de que estou vendo o passado através de lentes cor-de-rosa. Afetivamente, eu anseio pelos meus tempos de infância, e racionalmente, eu prefiro os dias de hoje. Por que? Não quero que a resposta para esta pergunta seja excessivamente emotiva, nem racionalista ao ponto de ser psicologicamente aleijada. Ambas as reações, por mais discrepantes que sejam, estão corretas, por que foram construídas a partir de informações coletadas de modos muito diferentes. É como a eletricidade, que é ao mesmo tempo corrente alternada e luz contínua, ou os fótons, que são simultaneamente onda e partícula. É um paradoxo, uma pergunta que não precisa de resolução, e sim de uma síntese.

Hoje, esse homem de 22 anos que escreve para este blog, racional e analítico, consegue ver as vantagens que o progresso científico trouxe para a humanidade e para si mesmo, pois ele lembra das dificuldades que ele e outras pessoas enfrentaram por não existirem tecnologias suficientemente avançadas em sua infância. Por outro lado, ele sente falta daquele tempo por que, quando ele era criança, ele era inegavelmente feliz. Viver era simples, uma grande brincadeira que só acabava quando precisava dormir. Os problemas a resolver eram simples, e quando não se conseguia fazer algo, as "pessoas grandes" ao seu redor o ajudariam. Não existia pressão, nem questões de vida ou morte. Hoje, porém, parece que o mundo vai desabar a qualquer momento sobre minha cabeça; as questões com que me deparo são, sim, de vida e morte, e são tão complicadas que não existe mais nenhuma "pessoa grande" que possa resolvê-las, a não ser eu. A brincadeira acabou, e é no sono que eu encontro meu descanso. Se meu intelecto percebe que muitas coisas mudaram para melhor de 20 anos para cá, meu coração percebe que muitas outras também mudaram, e mudaram para pior.

Essa semana, meu pai disse que era muito mais fácil lidar comigo quando eu tinha cinco anos, por que eu era uma criança feliz. Eu não engolia sapos ou levava desaforos para casa, por que eu não sabia como fazer isso. As ofensas batiam em mim, mas eu logo esquecia delas, por elas simplesmente não serem parte da brincadeira. Porém, em algum ponto. eu aprendi a engolir sapo, e deixei de ser uma criança feliz para ser... adulto, talvez. Nesse ponto, algo se perdeu, a brincadeira acabou e eu me tornei igual a todas as outras pessoas no mundo. Maturidade? Ser maduro é ser "normótico"? Eu acho que não - apenas seguir os outros apenas por que não se sabe para onde ir é mau sinal, especialmente se as pessoas que você segue também não sabem para onde vão (aquele adesivo de carro "não me siga, também estou perdido" é mais verdadeiro do que pode parecer num primeiro momento). Algo se perdeu, se rompeu, se foi, e eu fui expulso do Paraíso, que agora busco sem achar. Alguém pode me indicar o caminho? Eu não sei.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Experiências Cinemáticas - O Exterminador do Futuro III

Acabei de assistir "O Exterminador do Futuro 3 - A Rebelião das Máquinas". Como eu escrevi posts a respeito dos dois primeiros filmes, sinto ser necessário fazer o mesmo com o terceiro. Aliás, fiquei me coçando para não pegar o laptop, levar ele para a sala e fazer um "liveblogging" enquanto eu o assistia.

Ao contrário dos outros dois filmes, que gostei muito, esse me deixou... em dúvida. Eu não sei se gosto dele e elogio seus méritos, ou se eu não gosto, e falo mal daquilo que eu não gostei. Acreditem, a disputa é forte aqui. Acho que vou começar falando mal e apontando aquilo que vejo como erro, para só aos poucos começar a trazer à tona aquilo que considero os pontos positivos do filme. Acho que a estrutura que estou dando para este texto não é por acaso, por que eu fui entrando na história, me envolvendo com os personagens, gostando deles e torcendo por eles, pra não dizer gostando do filme de maneira geral, conforme os minutos foram passando.

A primeira coisa que eu pensei quando passou dos créditos foi "dá pra ver que o James Cameron não dirigiu esse daí." Talvez isso seja só impressão minha, por que eu li em algum lugar da internet que ele perdeu os direitos autorais da séries já faz um bom tempo, que o novo dono da franquia queria botar ela outra vez pra ganhar dinheiro, e isso me fez ter um viés a respeito do negócio. Entretanto, acho que, mesmo com o viés, é notável que James Cameron não enconstou o dedo em "O Exterminador do Futuro 3". Digam o que quiserem do cara - que ele é um mercenário, que ele tortura seus empregados, que ele é completamente louco - só não digam que ele não sabe fazer filmes marcantes (e rentáveis). Ele consegue criar uma estética e um ritmo envolventes, que te fazem ficar completamente sem ar, esperando o que vai acontecer na próxima cena. A sensação que eu tive hoje foi que tentaram imitar a estética e o timing que Cameron deu aos dois primeiros filmes, e que fizeram uma imitação muito bem feita. Entretanto, como aqueles chalés de Gramado imitando casas alemãs podem atestar, a cópia nunca fica igual ao original. Não é impossível que a cópia supere o original, só que é improvável, e não foi o que aconteceu em "Exterminador do Futuro 3". Ainda nos 15 minutos iniciais, eu pensei também "fizeram esse filme só pra ganhar dinheiro". Uau, grande conclusão a minha! Como se os dois primeiros tivessem sido filmados por que o Cameron queria mudar o mundo com sua arte (só pra constar, ele mudou: a cultura pop e o tamanho da conta bancária dele). Só que os dois primeiros têm uma diferença. Com eles, eu imagino que Cameron tenha procurado os produtores de Hollywood e dito "olha só, eu tenho esse roteiro aqui que é do caralho, e vai dar muito dinheiro pra vocês e pra mim". Com oterceiro, eu imagino que quem quer que seja dono dos direitos autorais agora deve ter pensado "eu tenho essa franquia que rendeu muito dinheiro, vou inventar uma história nova e ganhar mais ainda". Não acho que isso seja problemático em si, ou que só sai filme ruim desse jeito. O que eu acho é que, se a história tivesse vindo em primeiro lugar, ela teria sido muito melhor. Claro que eu não sei como é que foi o processo da produção e filmagem de "O Exterminador do Futuro 3" e eu posso estar falando uma grande bobagem, mas minha opinião é essa.

Além disso, eu tenho evidências que atestam ao meu favor. Elas não são do filme em si, mas do contexto cinematográfico dos últimos dez anos. Conforme Mr. Plinkett muito sabiamente apontou em seu review do último filme da série "Jornada nas Estrelas", a última década foi dura para o cinema, por que a competição aumentou muito. 30 anos atrás, o lançamento de um filme era um grande evento, que chamava a atenção da mídia e do público, e, se fosse bom, poderia ficar muito tempo em cartaz, e as pessoas continuariam indo assisti-lo, por que as décadas antes de 1990 eram chatas pra caralho e tudo que o povo tinha para fazer era ir ao cinema ou fazer sexo (ou, se você gostasse de viver perigosamente, os dois, ao mesmo tempo - muitos dos meus leitores devem ter sido concebidos desta maneira). Hoje a situação é completamente diferente. Todos os anos nós vemos centenas de lançamentos de filmes novos, que, além de competirem entre si, precisam competir com as séries de TV, a internet, a pornografia, a pirataria e o zoológico. Um filme pra chamar a atenção precisa ser muito, muito bom (como "A Origem") ou muito, muito familiar. Como Hollywood é um negócio essencialmente conservador e dirigido por gente medíocre que só quer ganhar dinheiro, nós temos poucos filmes muito, muito bons, e temos muitos filmes muito, muito familiares. Por isso que nós estamos tendo esta onda de filmes baseados em seriados antigos, continuações que não precisariam de fato existir, "gritty reboots" e coisas simplesmente bizarras como a adaptação para o cinema de "Banco Imobiliário" por Ridley Scott. "Exterminador do Futuro" é uma série extremamente conhecida, e que se lançarem outro filme agora mesmo, vai encher os bolsos de quem investiu nele.

No fim, o que importa é que o público reconheça os elementos mais conhecidos da série. Referências aos filmes anteriores, como"I'll be back", "hasta la vista, baby" e "you're terminated, fucker", aparecem do início ao fim da película, mas as mais óbvias aparecem no começo, quando os dois exterminadores, Arnold e a Dinamarquesa Peituda (mais a respeito dela abaixo) aparecem pelados nos lugares mais improváveis e vão procurar roupas e armamentos para cumprirem suas missões. Digo que as referências iniciais são as mais óbvias por que o diretor do filme queria que o público notasse a referência, e que dissessem para si mesmos "ei, eu conheço essa cena!" Dito de outra forma, a cena sabe que o papel dela é chamar a atenção e fazer as pessoas que assistem o filme se sentirem em casa com o material familiar. Com estas cenas, eu tive a mesma impressão que eu tenho quando assisto os episódios mais retardados de "Smallville" - eu sei o que vai acontecer agora, mesmo que os elementos não sejam exatamente os mesmos. A cena em que isto ficou mais óbvio foi Arnold entrando no bar para conseguir roupas - ele está seguindo o mesmo padrão dos dois filmes anteriores. Porém, desta vez, não é um bar cheio de machos usando couro e fazendo pose de macho, é uma despedida de solteira, cheia de mulheres bêbadas esperando pelo show de striptease masculino ao som de Village People. Aqui devia ser o momento em que eu encarno o Shayamalan e digo "What a Twist!", mas acabou sendo o momento em que eu disse "meh." A perseguição de carro na cidade, além de me fazer pensar onde diabos está o exército nessas horas pra parar aquela perda total da cidade, me deu a impressão de que o diretor estava adotando a abordagem da Crise de Meia-Idade: na falta de algo, compense com algo muito grande ou muito caro. Um homem de 40 anos sofrendo de dúvidas existenciais compra uma Ferrari e arranja uma amante 20 anos mais nova, esse filme pegou uma cena empolgante do segundo filme, aumentou ela em dez vezes e disse "pronto, fiz melhor." Sim, a cena é legal, mas não tanto quanto a do segundo filme, por que fica claro que é uma imitação (de novo). O problema que eu vejo aqui é que o filme é previsível demais para qualquer um que tenha ido no cinema mais de uma vez na vida. Eu sabia o enredo e o final da história do primeiro "Exterminador do Futuro", e portanto não tinha como me surpreender com ele. Mesmo assim, eu passei o tempo todo em expectativa, com medo de que Sarah Connor ou Kyle Reese morressem nas mãos daquele assassino metálico implacável. No segundo, de novo, eu sabia como ia terminar, por que devo ter visto a porcaria do filme mais de dez vezes na "Tela Quente" e, mesmo assim, de novo eu me preocupava com os protagonistas e seu destino. Eu sabia intelectualmente o que ia acontecer, mas intuitivamente, alguma coisa ainda me dizia que algo podia dar errado e o filme acabar de um jeito diferente. O terceiro foi o contrário: a estrutura utilizada já é tão conhecida que eu não preciso ler o roteiro pra saber o que vai acontecer em seguida. Cena de perseguição? OK, eles vão sobreviver, e então vamos ter uma cena bem curta explicando o que nós, o público, precisamos saber para entender a próxima cena, que vai ser mais cheia de ação do que o seu final de semana num puteiro em João Pessoa. A obrigação de cada cena era fazer a próxima vir sem problemas, só isso.

Ah, e quanto à Exterminatrix, Dinamarquesa Peituda: tirando a cena em que ela aparece pelada, achei que ela foi um desperdício. O conflito entre os viajantes do tempo é um aspecto central de "O Exterminador do Futuro", por que mostra as diferenças entre os lados em guerra. No primeiro filme, temos um conflito entre a máquina fria e indestrutível, que usa da força bruta para conseguir o que quer, contra um humano frágil, porém inteligente e habilidoso, e que deixa claro que sua motivação principal é afetiva, e não "programática". No segundo, temos um conflito de máquina versus máquina, só que uma delas é comandada por uma criança humana - chata e que quase estragou o filme, mas compassiva e determinada. Contudo, o conflito sempre foi entre homens. O terceiro filme mudou isso e colocou uma mulher como adversária. E não explorou nenhuma das possibilidades (exceto a parte em que ela aparece pelada, e a parte em que ela infla os próprios peitos, cenas pelas quais eu sou muito agradecido). Ela seria tratada diferente pelos humanos? Usaria mais da astúcia e menos da força bruta? Seduziria os policiais para convencê-loa a ajudá-la? Nenhuma destas questões foi explorada de maneira adequada. Talvez foi feita uma piada (peitos infláveis, lembra?), mas nada além disso, o que é uma pena.

OK, você que leu meu texto até aqui deve estar pensando "depois de todos estes problemas, sobrou algo pra se gostar nessa porcaria?" Ao que eu lhes respondo, bravos leitores: sim, sobra, e bastante coisa. Apesar do começo ruinzinho, o filme tem um conflito importante, e que não é tratado como algo superficial ou deixado em segundo plano para os efeitos especiais. Talvez seja só eu e meus processos intelectuais hipertrofiados que veja na série "Exterminador do Futuro" como um intrigante estudo filosófico sobre Destino, Livre Arbítrio e Natureza Humana. O primeiro tem um ar de pesadelo, quase filme de terror, por nos fazer pensar "e se um dia as nossas criações se voltarem contra nós? Teremos qualquer chance contra elas?" O segundo dá maior enfoque para as relações humanas, e até que ponto nós podemos escolher o que acontece em nossas vidas. Particularmente importante nesse filme é a relação de John Connor com sua mãe, e com Arnold, que apesar de ser um andróide "incapaz" de emoções, acaba virando uma figura paterna para ele. O terceiro filme trouxe a questão "como é a vida de alguém que sabe ser o futuro Salvador da Humanidade, e que sofreu muito por causa disto?" John Connor começa o filme sozinho, vivendo de trabalhos braçais e fugindo de tudo que lhe faça lembrar de seu passado e de seu futuro. Ele está vivendo muito abaixo do que ele poderia viver, mas ele prefere que seja assim, por que sabe que, para atingir seu potencial, o mundo precisa acabar, e muita gente precisa morrer. Não vemos mais a sua relação com a mãe, que morreu alguns anos antes da história atual. Para alguns, isto pode ser uma pena. Eu, por outro lado, penso que o diretor aproveitou bem a situação, e permitiu que Connor, agora um jovem adulto, desenvolvesse outras relações - no caso, um relacionamento amoroso com uma mulher que conheceu ainda na juventude. De maneira geral, achei a maneira como a relação se construiu bastante positiva, por ser diferente do molde hollywoodiano normal. Sim, em alguns momentos eu tive que gritar "ÉDIPO!" e pensar se John Connor não está tentando substituir sua mãe por sua mulher, mas isso não vem ao caso.

John Connor, Kate Brewster e mesmo o Exterminador são personagens comoventes, e é possível acreditar que eles existiriam. Sei que o filme é relativamente absurdo em sua premissa (quem aqui esqueceu que John Connor é filho do soldado que ele mesmo mandou viajar através do tempo para proteger sua mãe?), mas dentro dela, os personagens parecem humanos, e não pedaços do roteiro que ganharam o poder da fala. O dilema do Destino versus Livre Arbítrio se manifesta com toda força através de seu comportamento: o Dia do Julgamento Final é inevitável, a guerra contra as máquinas vai acontecer e 3 bilhões de pessoas vão morrer, mas um andróide precisa seguir sua programação à risca, ou pode ele escolher o que fazer? Um último ponto importante que precisa ser destacado: o final do filme não é previsível. Isso ganha pontos comigo.

Resumindo tudo: "Exterminador do Futuro 3" é um bom filme. Ele deixa muito a desejar quando comparado com os filmes anteriores, mas, apesar de seus defeitos, ainda diverte e nos faz pensar sobre a vida, o universo e tudo mais.

domingo, 20 de março de 2011

Utopias (8)

Temos, em nossa sociedade, a idéia bastante entrincherada de que "se todo mundo fizesse o que bem entendesse, tudo ia virar um caos, e todo mundo iria morrer". Com base nessa idéia, votamos em nossos governantes e lhes conferimos poderes para regular nossas vidas, na esperança de que eles nos protejam da desordeme façam os trens saírem da estação na hora. Essa idéia é bastante poderosa, e influencia todos os aspectos de nossas vidas, mas será que ela é necessariamente verdadeira? Será que, se os indivíduos pudessem fazer o que mais desejam, a sociedade seria destruída por dentro?

Não se sabe de nenhum caso no mundo onde isto tenha acontecido em larga escala. Porém, desde a antigüidade, percebe-se a existência de pequenos lugares, no tempo e no espaço, onde as pessoas se reuniram, não seguiram as leis de nenhum governo além do próprio desejo, deixaram todos fazerem o que queriam, e o resultado final não foi um banho de sangue. A este fenômeno, o autor anarquista pós-moderno Hakim Bey deu o nome de "Zona Autônoma Temporária", por serem espaços onde, por um tempo limitado, as leis do governo não se aplicam, e são criadas de forma tácita por aqueles que ali convivem. Existem, ainda, as Zonas Autônomas Permanentes, que costumam durar mais tempo, e as Zonas Autônomas Sazonais, que existem em algumas épocas do ano, como as férias de verão são para as crianças em idade escolar.

A idéia da TAZ (Temporary Autonomous Zone, em inglês), como eu já disse, é uma manifestação do movimento anarquista pós-moderno, que dá enfoque a construção de redes subversivas e pequenos focos de resistência libertária, ao contrário do anarquismo mais tradicional, que visa a revolução anarquista em todos os cantos do mundo. Apesar da TAZ parecer uma idéia mais derrotista do que a Revolução Total, penso que ela é uma meta muito mais realista, e uma maneira muito mais concreta de mudar o mundo. Se buscamos a Revolução Total, qualquer coisa menor do que o mundo inteiro é um fracasso. Além disso, fazer com que todo o planeta adira ao mesmo sistema político me parece ser o exato oposto do ideal de liberdade anarquista, por que não respeita a vontade individual. Em outras palavras, a revolução parece uma coisa muito distante, tanto no tempo, quanto de mim mesmo. O que seria eu no meio de algo tão grande?

A TAZ é o exato oposto disto. Ela pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar onde duas ou mais pessoas assim desejem. Normalmente, ela envolve alguma atividade como criar algo, mas pode ser muito bem apenas uma festa. E por ser tão próxima e envolver tanto o indivíduo, estar e ajudar a constituir uma TAZ normalmente é uma experiência afetiva bastante forte. Independente do que se faça, fazer um ato de criação junto de outras pessoas, seguindo o mesmo ideal e buscando o mesmo objetivo te dá uma sensação de unidade com elas muito grande, tanto que, mesmo muito tempo depois, quando a TAZ já foi reabsorvida pelo sistema e desaparecido, o sentimento de ter vivido algo tão intenso persiste. Baseado nas minhas experiências anteriores, talvez seja incorreto dizer que as Zonas Autônomas sejam temporárias ou que desapareçam, por que este sentimento de que falo não é meramente relembrar passivamente: ele é a marca indelével que a TAZ deixou em você, e que te faz querer sentir aquilo outra vez e em outros lugares. Te faz querer que outras pessoas conheçam essa maravilhosa sensação, e te faz querer criar outra vez uma ilha de liberdade nesse mar de escravidão, nem que seja por apenas uma hora.

Desse modo, a TAZ nunca morre, por que ao fim de cada uma, fica não só a vontade de recriá-la, como o conhecimento de como fazê-lo. Na primeira vez que se participa de uma experiência desse tipo, esse conhecimento é um tanto quanto instável. Porém, conforme se entra e sai em TAZ, ele vai se tornando mais sólido, e vai mudando o indivíduo, que, por sua vez, possibilita a mudança de outras pessoas. A Revolução Total não é atingida, mas, pouco a pouco, o caminho em sua direção é pavimentado, uma TAZ de cada vez.

Utopias (7)

E, conforme o prometido, dedico este post a comentar o livro "Utopias Piratas: mouros, hereges e piratas", do autor anarquista Peter Lamborn Wilson. Diferentemente dos livros anteriores, que delineavam sociedades perfeitas conforme a imaginação e crenças pessoais do autor, esta obra faz um levantamento histórico de sociedades reais. Assim sendo, elas são muito menos "perfeitas" do que as obras anteriores, mas também são muito mais interessantes, por terem existido de fato em algum ponto da história. Claro, as preferências pessoais do autor ainda exercem papel central na descrição destas comunidades, mas, de alguma maneira, elas são diminuídas pelas evidências materiais por trás do livro, enquanto que utopias totalmente imaginárias são "experimentos mentais" absolutos, e possuem pouca (ou nenhuma) evidência empírica comprovando sua viabilidade. Então, feitas estas considerações, vamos ao que interessa: Utopias Piratas!

O autor, um autodeclarado "piratólogo amador"escreveu este livro com base em suas pesquisas a respeito das antigas "repúblicas piratas". Elas existiram em todos os lugares do mundo onde a pirataria foi forte, como no Caribe ou em Madagascar, mas sua principal fonte de dados são as repúblicas mouras do Mar Mediterrâneo - Tunis, Algiers e Salé. O interesse de Wilson nestas micro-nações reside no fato de que elas apresentaram um funcionamento político muito diferente de todos os outros estados da época. Primeiro, toda sua economia era baseada na pirataria e no saque, com pouca ou nenhuma produção própria. Os corsários e piratas profissionais do Mediterrâneo atacavam barcos europeus, pegavam sua carga e sua tripulação e os vendiam nos mercados destas cidades, as únicas que lhes garantiam porto seguro e a possibilidade de comprar novos mantimentos, bem como o de gastar o dinheiro dos saques. Segundo, estes estados, apesar de estarem localizados dentro do que seria o então Império Turco-Otomano, desfrutavam de um grau de autonomia bastante elevado. Se o sultão, ou algum funcionário do alto escalão, decidisse cobrar seu tributo de Tunis ou Algiers, ele não só não receberia um tostão, como teria uma grande dor de cabeça, graças aos esforços dos piratas em manterem-se independentes de qualquer governo central. Além disso, era muito comum que, em cada uma destas cidades, existissem embaixadores e consules especialmente designados pelas nações navais européias, como Holanda e Inglaterra, para estabelecer pactos de não-agressão (isto é, os piratas não atacariam os seus navios mercantes) e, de vez em quando, libertar súditos escravizados por piratas. Terceiro, junto com esta autonomia política, veio junto uma forma muito distinta de governar. Em seu conjunto, Tunis, Algiers e Salé não eram chamadas de "Repúblicas Piratas" por conveniência estilística, mas por que, de fato, elas funcionavam de maneira muito mais democrática que qualquer outro governo de então. Não vou me lembrar dos detalhes aqui (e posso até estar confundindo as coisas), mas Salé, que é considerada por Wilson como a mais autêntica das repúblicas piratas, governava a si própria através de uma espécie de "câmara dos deputados", onde os capitães se candidatavam para mandatos de um ano, e eram eleitos por seus pares. Apesar de apenas uma certa parte da população poder se candidatar, era bastante possível que alguém de uma classe inferior, como por exemplo um escravo, subisse na vida, se tornasse um capitão, comandasse uma frota de considerável tamanho e entrasse para o conselho diretor (que, se não me engano, era chamado de Divã).

Uma crítica que poderia ser feita a estas utopias, e que considero bastante válida, vem do próprio nome dado a elas: piratas. Ora, como todos nós sabemos, a pirataria envolve o saque de navios mercantes, escravização das tripulações saqueadas, violência, estupro e muito, muito rum, tanto que utilizar o termo "Utopia Pirata" parece um contra-senso. Agora, até que ponto nós podemos desconsiderar a experiência destas cidades-estado baseados neste argumento moralista? Será que os piratas eram estas criaturas cruéis que vemos em filmes como "A Ilha do Tesouro"? Será que todos eram sadistas consumados, que viviam para matar, torturar, estuprar e saquear? Wilson defende que as coisas não eram bem assim. Sim, eles eram ladrões que atacavam navios mercantes, mas apenas se achassem que não corriam riscos e que seria uma presa fácil. Se percebessem que tinham uma briga dura pela frente, não se atreviam a atacar. Além disso, apesar de existirem relatos de prisioneiros torturados e estuprados, existem também relatos de escravos capturados que foram muito bem tratados pelos seus proprietários, sendo até mesmo libertos depois de algum tempo de trabalho não-tão-forçado. O que Wilson defende é que, apesar dos piratas dessas repúblicas não serem exatamente exemplos de seres humanos, eles não estavam fazendo nada de diferente do que as nações estados maiores como Inglaterra e Holanda faziam, e que, se eles são tão mal falados até hoje, é por que eles não deixaram nada por escrito, ao contrário do que acontece nos países mercantes da Europa.

Muitos dos piratas que moravam em Tunis, Algiers e Salé não eram de origem moura, ou de alguma outra população dominada pelo Império Turco-Otomano, e sim europeus renegados que fugiram de suas cidades de origem para se converterem ao Islã e viverem vidas menos restritas do que a viviam anteriormente. Na Europa cristã de então, todos os prazeres sensuais, como comida, bebida e sexo, eram vistos como pecaminosos, e que quanto menos eles fossem aproveitados, mais pura era nossa existência, e maior a nossa possibilidade de entrar no Paraíso após a morte e sentar ao lado direito de Deus. Para a Igreja, o Islã, que então não possuía nenhum destes tabus, era visto como uma grande religião da perdição, e que portanto deveria ser destruída o mais rápido possível. Todos os cristãos "acreditavam" nesta história, mas a imagem de odaliscas sensuais dando de beber e de comer para um sultão eram atraentes demais para muitos europeus. E, aqui está a parte engraçada: muitos europeus converteram-se ao Islã, mas quase nenhum muçulmano se converteu ao Cristianismo para defender as frotas cristãs dos piratas islãmicos. Por que? Esta pergunta assustava os europeus cristãos, que então fizeram todo o possível para demonizar os piratas, que, em muitos aspectos, eram muito mais democráticos e próximos dos ideais republicanos a que hoje aderimos do que, digamos, a Rainha da Inglaterra.

Por fim, o último ponto levantado por Wilson em defesa das repúblicas piratas foi a semelhança delas com as Zonas Autônomas de Hakim Bey. Ao contrário do que acontecia nos reinos cristãos do outro lado do Mediterrâneo, os governos piratas não interferiam na vida particular de seus "cidadãos", e os deixavam muito mais livres para fazerem o que bem desejavam. Apesar desta qualidade ser exatamente o que esperaríamos de um porto pirata licencioso e pecaminoso, não era o caos generalizado que dominava as repúblicas (como "Piratas do Caribe" nos levaria a crer). Isso fica óbvio pelo fato das repúblicas piratas terem existido de maneira contínua por um tempo bastante longo. Pelo contrário, elas eram bastante organizadas, com sistemas políticos e militares sofisticados, e deram muito trabalho antes de serem destruídas ou desaparecerem. Mas, além disso, elas foram o primeiro embrião de uma nova possibilidade de sociedade, mais libertária e menos opressora, que garante autonomia total ao indivíduo, sem por isso degringolar em entropia. Repito, elas não eram sociedades perfeitas e sem injustiças. Contudo, ainda me pergunto: será que o maior risco que elas ofereciam para as nações européias era mesmo a pirataria?

Bom, demorei, porém postei. Espero que vocês gostem das minhas considerações a respeito de "Utopias Piratas". Como passou-se um grande tempo entre a leitura do livro e a escrita deste post, devo ter deixado muita coisa de fora, e escrito algumas outras bobagens incorretas. Por favor, não se atenham ao meu texto como referência final no assunto, e leiam o livro, publicado pela Editora Conrad. Para o próximo texto desta série, pretendo seguir a linha anarquista, e escrever sobre o conceito de Zona Autônoma, ou, quem sabe, sobre Bolo'bolo.

Justin Bieber, Restart e outros modismos musicais

Hoje em dia, temos duas grandes modas na música brasileira: Restart, e falar mal de Restart. No cenário mundial, algo parecido acontece com as fãs fanáticas por Justin Bieber de um lado, e os fãs fanáticos por falar mal do adolescente com voz de menina do outro. Em grande parte, o que eu sei desses dois fenômenos se restringe ao que vi na mídia, ou em algum blog por aí (que normalmente se restringem a duvidar da sexualidade dos supra citados músicos). Então, para não dizerem que eu sou um alienado da cultura pop, realizei o supremo esforço de abrir a página do YouTube e ouvir algumas músicas de Restart e Justin Bieber, para então dizer minha opinião a respeito. Sabe qual foi a minha conclusão? Não é tão ruim assim.

"Mas como assim, Andarilho?" você me pergunta "como é que você pode não detestar e desejar a morte de músicos tão ruins?" Ou, se você é fã de algum desses cantores, pode me perguntar "como é que você pode não achar o que eles fazem um orgasmo em forma de música?" Eu respondo a ambas as perguntas.

Sinceramente, nem Restart, nem Justin Bieber constituem o que eu chamo de "boa música". Ambos dependem pesadamente de refrões para serem enfiados na memória coletiva lembrados pelo público, usam todo tipo de truques possíveis para chamar a atenção de seu público-alvo (meninas de 13 anos) e não são nada originais. Qualquer pessoa que tenha vivido 22 anos numa sociedade ocidental já ouviu esse tipo de música milhares e milhares de vezes tocando na rádio antes do advento da Revolução Colorida e do Ataque do Menino com Cara de Menina. São músicas que apelam da maneira mais simplória aos sentimentos dos ouvintes, e são muito facilmente relembradas. Eu não tenho nenhum problema com isso.

"O QUÊ?" alguém deve ter gritado ao ler a última frase do parágrafo anterior, depois de cuspir todo seu café na tela do computador. Então, agora que o choque já passou, repito o que disse: eu não me importo com músicas baratas, extremamente comerciais ou que só possuem apelo por aderirem ao menor denominador comum. Não tenho nenhum problema quanto a isso por que 90% de todas as músicas já feitas na história caem nesta categoria. É a chamada Lei de Sturgeon: 90% de tudo que já foi feito é lixo. Isso se aplica aos nossos dias, aos dias de nossos antepassados, e se aplicará aos dias de nossos descendentes.

Imagino que algum vivente que leia este blog, indignado com a minha afirmativa de que quase tudo que a humanidade produz é cacaca, iria me apontar a música da década de 1970, o rock brasileiro da década de 1980, os grandes compositores clássicos como Bach, Mozart e Chopin, e perguntar se eles são porcaria também. Ao receber esta pergunta, eu diria que não, eles não são porcaria - eles são aqueles que nós nos damos ao trabalho de relembrar, coisa que não acontece com todos os outros compositores e músicas de suas épocas que nós graciosamente relegamos ao esquecimento. A humanidade produz uma grande quantidade de idéias (memes) a todo momento, e querer manter todos eles em nossa memória coletiva seria muito nocivo para a civilização, pois nos tornaríamos incapazes de diferenciar o excelente do horroroso. E na maioria das vezes, só por que algo é popular, não quer dizer que este algo seja bom. Querem um exemplo além de Restart e Justin Bieber? Sugar Sugar. Numa época em que os Beatles, Jimmy Hendrix e Bob Dylan estavam em seu auge, essa era a música mais popular, a que tocava em todas as rádios. Ela é ruim? Não. Ela fez alguma diferença no cenário mundial? Também não. Beatles, Hendrix e Dylan fizeram? Hell yes. Por que nós lembramos mais deles do que The Archies, se eles não eram tão populares? Por que eles eram muito, muito bons, e revolucionaram a maneira de fazer música, enquanto que Sugar Sugar é só mais uma dessas músicas que grudam no seu ouvido e não saem nunca mais.

Então, ao invés de ficar falando mal de Restart e Justin Bieber, e como eles são a prova definitiva de que a música morreu, pare de ouvir Atlântida FM e vá ouvir alguma música nova, que talvez pouca gente escuta mas que te dá calafrios. Quem sabe você não descobre um novo Paul McCartney.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Um problema para a ciência da Psicoterapia (epílogo) - Sete Livros e Um Destino

Depois de quase cinco anos fazendo trabalhos acadêmicos e colocando referências no final da maioria deles, não consigo mais citar um livro em um texto sem depois dar as informações necessárias para que outras pessoas possam lê-los e ver por conta própria se o que eu falei a respeito deles é verdadeiro ou não. Então, como eu sou um nerd incorrigível como eu adoro a ABNT como eu defendo o livre conhecimento, passo aqui a lista dos sete livros que chamaram minha atenção enquanto eu escrevia o post anterior, mais alguns que eu penso serem tão importantes quanto eles. É importante ressaltar que só agora eu percebi que, dos sete livros que chamaram minha atenção, eu só tenha começado a ler um, por que os outros foram comprados apenas recentemente e/ou se perderam na minha longa lista de "livros por ler". Para balancear este problema, listarei mais sete livros que eu realmente li, e cuja leitura considero vital para qualquer empreitada séria em Saúde Coletiva.

Os Sete Que Eu Não Li
1) Neurociencia Aplicada a la Conducta Criminal y Corrupta - Elba Tornese e René Ugarte
2) A Practical Guide to Acceptance and Commitment Therapy - Steven Hayes e Kirk Strosahl
3) Psicoterapia Personalista - Arnold Lazarus
4) Buddha's Brain - Rick Hanson e Richard Mendius
5) Metacognitive Therapy for Anxiety and Depression - Adrian Wells
6) Relational Frame Theory - Steven Hayes, Dermot Barnes-Holmes e Bryan Roche
7) The Neuroscience of Psychotherapy - Louis Cozolino

Os Sete Que Eu Li (pelo menos um pouco)
1) Mindfulness for Two - Kelly Wilson e Troy DuFrene
2) Emotional Disorders and Metacognition - Adrian Wells
3) Learning RFT - Niklas Törneke
4) Psicoterapia Analítica Funcional - Robert Kohlenberg e Mavis Tsai
5) Processos Humanos de Mudança - Michael Mahoney
6) Psicoterapia Breve e Abrangente - Arnold Lazarus
7) The Will to Believe and other essays in popular philosophy - William James

Pensei em escrever também uma pequena justificativa para cada livro, mas depois mudei de idéia, primeiro por que ia estragar a surpresa do leitor descobrir por conta própria o que estes livros tem de atraente, e segundo por que ia dar trabalho demais para um domingo às cinco da manhã. Entretanto, é interessante notar o que essa lista diz a meu respeito. Por exemplo, depois de escrever essa lista, percebi que todos os livros, exceto um, são sobre psicoterapia ou neurociências, e que não há um livro sequer sobre Saúde Coletiva. Isto significa que eu não li nenhum livro sobre este assunto, ou que eu considerei todos os que li irrelevantes para o propósito deste post. Qualquer que seja a resposta correta, eu preciso ler mais. Aceito sugestões.

Um problema para a ciência da Psicoterapia

A ciência da Psicoterapia, como ela é ensinada e difundida nos dias de hoje, tem um problema seríssimo, na minha opinião. Temos mais de 100 anos de conhecimento acumulado, diversos modelos teóricos altamente eficazes para o tratamento de diversos transtornos psiquiátricos e muitos profissionais competentes, tanto no "campo", atendendo pacientes, quanto na "academia", pensando e fazendo pesquisa básica. Desde que Freud começou sua revolução psicanalítica, nós avançamos muito, tanto que até me atrevo a dizer que finalmente começamos a entender aquilo que chamamos de "natureza humana". Então, qual é o problema?

O problema que eu vejo é que, apesar de todo esse conhecimento acumulado ao longo de um século, o índice de transtornos mentais parece estar aumentando ao invés de diminuindo. Um leitor atento e bem informado poderia por a culpa disso nos maus métodos diagnósticos preconizados pelas principais organizações psiquiátricas do mundo, que acabam enviesando nosso olhar de modo a ver mais doenças, mas penso que há mais por trás do nosso problema do que apenas um erro estatístico, por que ainda é possível ver muitos homens e muitas mulheres sofrendo profundamente sem nunca receberem nenhum diagnóstico psiquiátrico de brinde. O que quero dizer com este longo rodeio é que 90% das grandes descobertas no campo da psicoterapia não refletem em mudanças positivas para a vasta maioria da população, e parte do problema se encontra justamente no treinamento dos profissionais da área da saúde mental, especialmente o dos psicoterapeutas. Falo deste ramo profissional por ser o que melhor conheço, por eu mesmo ser um psicoterapeuta em treinamento, e por achar que este é o ramo com o maior potencial desperdiçado. Explico por que.

No começo do século XX, quando Sigmund Freud começou a psicanálise, a idéia de tratar problemas de saúde que não podiam ser atribuídos a causas biológicas óbvias era um tanto quanto nova, e precisava se fundamentar em outras ciências. Freud, por ser neurologista, fundamentou a nova ciência que estava nascendo na tradicional clínica médica, que consiste (de maneira resumida) em atender um paciente de cada vez, escutar seus problemas com bastante atenção e então formular um tratamento adequado para as necessidades daquele indíviduo particular. Para treinar novos psicanalistas, era necessário encontrar pupilos brilhantes que se interessassem por este tipo de problema, e se dispusessem a passar por uma longa e trabalhosa análise didática, que serviria, entre outras coisas, para tornar o futuro psicanalista consciente de seus próprios problemas psicológicos, até então inconscientes. Este modelo foi o melhor que Freud conseguiu criar, e era suficiente e adequado para os tempos em que ele viveu. Entretanto, da maneira como eu vejo, o mundo e suas necessidades mudaram, mas a maneira de treinar terapeutas continua essencialmente o mesmo.

No imaginário popular, quem entra para a faculdade de Psicologia, ou para a residência em Psiquiatria, vai trabalhar com pacientes, montando seu consultório em um bairro acessível, ou atendendo no postinho em alguma favela vila comunidade bastante afastada do centro da cidade. Na faculdade, apesar de vermos muito mais coisas para além da Clínica "pura e simples", e de em nossa formação nós sermos obrigados a ver muitas outras coisas para além dela, essa mentalidade se mantém praticamente intacta. Talvez, a imagem que nós, acadêmicos, temos da Psicologia Clínica é ainda mais engessada do que a da população, justamente por que nós sabemos em detalhe como deve ser uma clínica: primeiro, ela deve acontecer em um consultório, tecnicamente chamado de "setting terapêutico", que deve ter uma série de características físicas (duas poltronas em distância confortável, talvez um divã e uma mesa de centro, aspecto neutro ou agradável, sala de espera com revistas mais ou menos atuais e, se você mora em uma cidade úmida e quente como Porto Alegre, um ar condicionado bem calibrado), durar de quarenta à sessenta minutos e ser realizada com apenas um paciente por vez. Dependendo da orientação teórica do psicoterapeuta em questão, esse número de "um paciente por vez" pode aumentar consideravelmente, podendo virar "um grupo famíliar por vez" ou "um grupo terapêutico por vez". Mesmo assim, o problema persiste, por que não é amplo o bastante.

Treinar psicoterapeutas é caro, por que envolve pelo menos cinco anos de muito estudo na faculdade, comprar muitos livros e pagar muitas idas a congressos, sem contar as eventuais pós-graduações que podem aparecer no caminho. Os psicoterapeutas formados sabem que precisaram ralar muito para conseguirem seu diploma, e por isso cobram um preço justo por seus serviços. Quanto é esse preço, você quer saber? Segundo o site do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, o preço mínimo para uma consulta psicológica é de R$81,62, e o preço máximo é de R$139,93, mas é notório e sabido que profissionais a mais tempo no mercado podem cobrar muito mais do que isso por sessão. Quem é que pode pagar um preço desses? Quem tem casa própria, carro na garagem, renda fixa mais ou menos elevada, e que possui os meios necessários para comparecer pelo menos uma vez por semana ao consultório do psicólogo ou do psiquiatra. Quem são essas pessoas? Os membros das classes econômicas A e B. É bem possível que pessoas que pertencem às classes C, D e E paguem por sessões de psicoterapia, mas com grande sacrifício financeiro e pessoal. Quando este sacrifício não é possível ou desejável, existe a possibilidade de procurar ajuda gratuita em clínicas-escola, hospitais públicos e dispositivos do SUS como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS, antigamente conhecidos como "CAIS Mental"), ou a Unidade Básica de Saúde (UBS, popularmente chamado de posto de saúde). Os serviços oferecidos nestes lugares, contudo, não atende às necessidades de quem os procura, seja por falta de equipe, seja por que a dita equipe está sobrecarregada. Em outras palavras, quem não tem dinheiro, não tem acesso à psicoterapia, de maneira geral (e, também de maneira geral, quem mais precisa de tratamento psicológico é justamente quem menos chance tem de pagar por ele).

Depois de toda essa exposição, você poderia ficar incomodado com toda essa minha ênfase na psicoterapia e dizer "OK, teus argumentos fazem sentido, mas a psicoterapia NÃO é a única ferramenta de saúde mental de que dispomos. Existem muitos outros serviços e modelos que poderiam dar conta desse problema, e que são muito mais vantajosos em termos de custo-benefício." Você poderia ainda me listar algumas destas alternativas, como aquelas desenvolvidas pela Psicologia Social Comunitária, a Psicodinâmica do Trabalho e a Terapia Comunitária, e me indicar toda uma série de leituras a respeito delas para saber de suas aplicações práticas. Eu aceitaria sua resposta, por que conheço estas linhas de trabalho, e as respeito. Entretanto, apesar de elas irem além da visão restrita que a maioria dos psicoterapeutas têm a respeito do tratamento em saúde mental, elas possuem um grande defeito: elas não são cientificamente embasadas. Todas elas, até onde eu sei, foram desenvolvidas por indivíduos excepcionalmente criativos, as aplicaram aos problemas do "mundo real" e colheram frutos, mas elas não foram devidamente testadas e reguladas como as teorias de psicoterapia modernas foram. Isto significa que elas podem ser fundamentadas em idéias inadequadas a respeito do comportamento humano, e no longo prazo causarem mais dano do que benefício. Esta é uma profecia que não precisa se realizar.

Olhando por cima do meu ombro, dentre os muitos livros espalhados no tapete do meu quarto, sete chamam minha atenção. Estes livros, apesar de obviamente terem sido escritos por pessoas tão reais e imperfeitas quanto eu, não representam apenas o que estas pessoas pensam a respeito da saúde mental, ou o que elas gostariam que fosse verdadeiro a respeito da natureza humana. Não, todos estes livros são o produto final de décadas de pesquisa rigorosa, do acúmulo do conhecimento de milhares de indivíduos inteligentes, que dedicaram boa parte de suas vidas para desvendar os mistérios por trás do nosso comportamento, do nosso pensamento e da nossa emoção. São livros de psicopatologia, personalidade, psicoterapia e neurociência e eu não tenho a menor dúvida de que, dentro deles, se encontra a resposta para o sofrimento psíquico, e que, com base neles, poderia se fazer uma verdadeira revolução na Saúde Coletiva brasileira. Quero dizer com isto que eles são o caminho, a verdade e a luz? Não, nada disso. Quero dizer que com o conhecimento que eles nos oferecem, podemos melhorar a vida de muitas pessoas, se os usarmos para reformular a maneira como a saúde mental é abordada e tratada em nosso país, por que não são apenas uma "sugestão educada". Entretanto, eles não oferecem uma resposta para todos os nossos problemas, por que eles foram escritos dentro do mesmo paradigma de treinamento de psicoterapeutas que critiquei acima. É preciso encontrar uma maneira de empregar este conhecimento em larga escala, não "um paciente a cada cinquenta minutos no consultório", mas "dez mil pessoas, o tempo todo, em qualquer lugar", desenvolver métodos para utilizar tudo isto que sabemos em salas de aula, em empresas, em calçadas movimentadas e mesmo filas de banco. Isto não significa que os dias da clínica e da psicoterapia individual estejam contados e que ela será abandonada. Significa que, no futuro, ela deixará seu lugar central no quadro geral da Saúde Coletiva para ocupar um outro, mais periférico. Entretanto, ao assumir este novo lugar, ela será finalmente livre, e trabalhará com o que ela sabe fazer de melhor, estimulando o crescimento pessoal e a realização de quem a procura.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Reflexões das Férias

Decidi que iria escrever alguma coisa aqui no blog. O quê? Não sei. Qualquer coisa serve. Qualquer coisa que passar pela minha cabeça. É divertido fazer isso, por que surgem idéias inusitadas. Elas podem ser retardadas, como a história de um texugo assassino que quer vingar a morte de sua família, mas às vezes, bem às vezes, sai uma coisa que preste.

É divertido escrever o fluxo de consciência, porque é uma maneira mais natural de escrever. Quando se escreve "seriamente", tem que parar, reler o texto, ver se as palavras se encaixam, se não tem coisa demais, e cortar o que fica feio e/ou sobrando. Assim não - tudo fica bom, mesmo que fique uma merda. Escrita de fluxo de consciência também é bom para exercitar os músculos mentais, as redes neurais responsáveis pela criatividade e pela linguagem em geral.

Outra vantagem desse método: enche murcilha que uma beleza. Por exemplo, eu tenho uns sete ou oito textos por terminar de escrever e publicar, mas dá muito trabalho fazer isso. Então, pra não deixar isso aqui abandonado, eu martelo bem rápido meu teclado pra formar umas frases mais ou menos concatenadas, não reviso porcaria nenhuma e pronto, tenho um post novo! Claro, alguém vai ali nos comentários reclamar que eu sou um vagabundo, só que isso não é ofensa, é constatação de fatos. Sou adepto da filosofia de "quanto menos trabalho der, melhor", por que, afinal de contas, pra que se cansar se eu posso não me cansar? Cansaço é cansativo. Descanso, por outro lado, é bom. No presente momento, eu estou de férias de tudo - aulas, estágio, bolsa - e estou muito feliz por isso. Nos últimos dias de janeiro, quando eu ainda estava trabalhando, percebi que estava mais do que cansado ou de saco cheio: eu estava queimado: Burnout, aquela síndrome comportamental que afeta pessoas sobrecarregadas, e que acontece muito em trabalhadores da área da saúde. Então, se vierem me entrevistar sobre esse tipo de situação, eu vou ser parte da estatística daqueles que se ferraram por não saber quando parar.

Por um lado, contudo, foi bom, por que me fez perceber que eu não sei cuidar de mim, apesar de trabalhar cuidando dos outros. Rememorei outras situações, recentes e não tão recentes assim, em que eu me coloquei em situações desnecessariamente desgastantes por que "eu tinha que fazer aquilo", "seria uma vergonha para todo o sempre não fazer isso" e coisas parecidas. Eu chamo isso de Complexo de Salvador: faz tudo para salvar a vida de todos ao seu redor, e a única pessoa que não consegue ajudar é a si próprio. Tem outro nome pra isso também - Curador Ferido. Eu gosto dessa imagem, por que ela é carregada de tragédia e ironia.

Estou aprendendo a dividir as coisas, nomeá-las adequadamente e a colocá-las em seu lugar de direito. O que é do estágio, fica no estágio; o que é da faculdade, fica na faculdade; o que é da minha própria vida pessoal fica comigo e não se mistura com o resto. Talvez seja um tanto quanto duro dizer que "as coisas não se misturam" - se misturam, sim, mas de um jeito diferente. Eu não deixo de ser eu mesmo por estar em um contexto diferente. O que muda são meus papéis, e esses não podem se misturar: não ser amigo com os pacientes, não ser psicólogo com os amigos, e, principalmente, saber quando parar e deixar meu corpo se curar e cuidar de si. Parece óbvio, ululante, mas é mais difícil do que parece, pelo menos para mim. Sinto como se estivesse cometendo um erro, desperdiçando minha energia de maneira não-produtiva. "Há livros pra ler, filmes por ver e pacientes para curar, seu vagabundo!" digo para mim mesmo. Só que não adianta tentar salvar o mundo se você não tem vontade nem de sair da cama de manhã, como aconteceu comigo nos últimos dias antes das férias. É necessário cuidar de si, para poder cuidar melhor dos outros.

Bom, para um texto que começou bobo e nada a ver até que saiu um negócio profundo.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Direitos Humanos, Direitos Animais

Enquanto o mundo comemora a renúncia do ditador egípcio como uma conquista dos direitos humanos e da liberdade, outros, mais modestos e mais próximos de casa, comemoram o cancelamento do Show de Touros do XV Rodeio Internacional de Passo Fundo:

"Em virtude dos protestos recebidos pela Prefeitura Municipal e Funzoctur a respeito do show de touros, marcado para acontecer no XV Rodeio Internacional de Passo Fundo a partir desta noite, a atividade foi cancelada pela coordenação de evento. A apresentação, que já foi realizada em outras edições do evento e também em dezenas de rodeios por todo o Rio Grande do Sul, prevê brincadeiras envolvendo o público e o gado que corre solto dentro da pista.
O presidente da Funzoctur, Antônio Augusto Reveilleau destaca que jamais seriam permitidos maus tratos aos animais dentro do Rodeio de Passo Fundo e que a intenção da atividade era divertir e integrar o público que participa da festa. “Estamos suspendendo a atividade para atender as solicitações das pessoas que se colocaram contra. Mas temos consciência de que nenhum animal seria maltratado durante a apresentação”, concluiu.
O show deveria durar 45 minutos e teria vários momentos, como a Mesa da Amargura, onde 4 pessoas da platéia são convidadas a sentar no meio da arena, junto com um boi sem chifres, que corre solto pelo local."

Vejo um certo paralelismo entre esses dois acontecimentos, e que vai além do fato de ambos terem se tornado realidade graças ao ativismo de um número considerável de pessoas. Permitam-me explicar por que.

Desde o início do ano passado, adotei uma dieta estritamente vegetariana, depois de um longo e gradativo processo de diminuição no meu consumo de carne e derivados. Apesar de ter sido apreciador de um bom bife desde a mais tenra idade, tomei esta decisão por vários motivos. Entretanto, o fundamento básico por trás dessa decisão é bastante simples: os animais sacrificados para meu consumo sofrem, e eu não quero mais ser responsável por este sofrimento. Nunca adotei uma posição ativa como defensor da ética vegetariana, por detestar o proselitismo, e preferir que as pessoas tomem suas decisões baseadas em suas próprias experiências ao invés de sofrerem influências invasivas e excessivas de pregadores inadequados. Escrevo este texto com sabor mais militante, contudo, por que não o vejo como um artigo do proselitismo: cada um que visitar este blog poderá lê-lo, refletir a respeito dele, considerá-lo correto ou não e, se quiser, pode adotar ou não uma ética vegetariana. Por favor, lembrem-se disso ao lerem este texto. Considero o posicionamento aqui explicitado como sendo o correto, mas estou aberto a outras opiniões.

O mesmo não pode ser dito de muitas pessoas carnívoras que conheço. Quando falo que sou vegetariano para alguns conhecidos, frequentemente encontro respostas debochadas como "sente peninha dos animaizinhos?", como se isto fosse um absurdo. Como corolário (decorrência imediata de um teorema, segundo a sempre presente Wikipédia) desta atitude inconsciente, vem outra afirmação: por que devemos nos preocupar com a sorte de animais de corte como vacas e ovelhas, quando há tantos seres humanos passando fome por aí? Talvez seja um equívoco da minha parte pensar que ela é frequentemente dita por aí, porém, não tenho a menor dúvida de que ela é bastante forte no inconsciente coletivo da maior parte da população: por que nos preocuparmos com espécies diferentes das nossas? Temos tantas pessoas por aí sofrendo que é perder o foco nos preocuparmos com criaturas inferiores.

É uma forma lógica de pensar, e eu mesmo consigo perceber seu fundamento: primeiro cuidamos do que está mais próximo, e depois, se necessário, resolvemos o resto. Entretanto, ainda me incomodo com este posicionamento filosófico, por três motivos básicos. O primeiro deles é que é uma atitude inconsciente - dificilmente ela se sustenta depois de uma reflexão cuidadosa e aprofundada. Segundo, é uma crença egocêntrica e hedonista, como o próprio carnivorismo. Quando questionadas por que devemos continuar comendo carne, as respostas mais frequentes são "por que é bom", "por que é nutritivo" e "por que carne de soja é ruim e não nutre". Terceiro, e mais importante, esta crença me incomoda por que ela estimula o egoísmo e comodismo se escondendo atrás de uma fachada de preocupação e altruísmo: deixamos de nos preocupar com o sofrimento de criaturas diferentes de nós, sem com isso aumentar nossa capacidade de nos importarmos com nossos semelhantes. O contrário, entretanto, é verdadeiro: quem se importa com os direitos animais também se importa com os direitos humanos, e, por empatia funcional, quando um aumenta de intensidade, o outro também. Claro que existem anomalias por aí, como por exemplo aqui em Porto Alegre, onde um grupo de defesa dos animais se posicionou contra os carroceiros por que eles maltratam os cavalos que puxam suas carroças, mas, por experiência própria, tendo a acreditar que isto é exceção, e não regra, e quanto mais nós nos interessamos e nos importamos com outras espécies, maior calor e compaixão guardamos para nossos semelhantes.

Sei que este texto deixou muitas pontas soltas, especialmente no que diz respeito à ética vegetariana e minhas críticas ao que chamo de carnivorismo. Detesto ter que deixá-las soltas agora, por que não é realmente adequado escrever a respeito delas aqui. Entretanto, se alguém quiser discutir isso comigo, me espera na saída da escola que eu te encho de porrada, seu mané deixe um comentário aqui no blog que eu respondo.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A Necessidade de Viver por uma Mentira

Ao longo de toda a sua história, a humanidade sempre esteve à beira da destruição. Mesmo assim, continuamos por aqui, vivendo. Então, o que acontece conosco?

Tive essa semana uma discussão com alguns amigos meus sobre o futuro da humanidade, e a conclusão que todos nós chegamos foi de que a humanidade está destinada a sofrer ainda mais no futuro, e as coisas daqui para frente só vão piorar. Talvez por termos acesso a dados recentes de poluição, política e sociedade, podemos argumentar que nossa conclusão é a mais acertada. Também poderia dizer que, por sermos intelectuais, nós tenhamos herdado a tendência da classe de pensar que o mundo é uma grande porcaria, e que essa porcaria só vai aumentar de tamanho com o passar do tempo, e que nossa visão não é mais acurada do que a de qualquer outra pessoa que pare e pense a respeito da própria vida.

Os seres humanos em geral, e intelectuais de maneira acentuada, têm a tendência a ver primeiro o que está acontecendo de errado, o que causa dor, o que destrói, o que foi perdido e o que será. É, para todos os efeitos, "a visão pessimista da vida", que alguns livros de auto-ajuda modernos diagnosticam como sendo o maior entrave para a nossa felicidade. E, confirmando o que eu disse, são exatamente estes livros os que mais são criticados por que são "otimistas demais" - sofrem da "Síndrome de Poliana", aquela personagem que todo mundo acha chata por que vê algo positivo em todas as desgraças que acontecem na vida dela. "Otimismo", para muitas pessoas, especialmente aquelas da parcela "pensante" da população, é um adjetivo de conotações depreciativas. Os personagens que nós mais gostamos em histórias são aqueles com língua afiada, sempre dispostos a apontar os erros dos outros e como o mundo é uma grande palhaçada. Quanto os otimistas, normalmente eles passam por um longo e doloroso processo, onde todas as suas esperanças infantis são destruídas, e eles também viram pessimistas, ou pelo menos deixam de ser otimistas - adquirem "sabedoria". A ciência aparentemente também confirma essa tendência: um estudo realizado na Austrália encontrou como resultado que pessoas com afetos negativos produzem mensagens interpessoais mais persuasivas e de melhor qualidade do que pessoas com afetos positivos (para que eu não seja acusado de inventar estudos, o título do artigo é "When sad is better than happy: Negative affect can improve the quality and effectiveness of persuasive messages and social influence strategies" por Joseph P. Forgas - pode procurar no Google Acadêmico ou me mandar um e-mail que eu envio o arquivo). Mais do que isso, é quase um truísmo (uma afirmação desnecessária por ser óbvia, como "o sol aparece no céu" ou "o Corinthians nunca vai ganhar uma Libertadores") para a psicologia evolucionista dizer que um viés negativo, isto é, ativamente procurar por estímulos perigosos no ambiente, ajudou nossa espécie a sobreviver e moldou a maneira como pensamos e nos comportamos hoje.

Se formos por este caminho lógico, teremos quase certeza de que "pensamento negativo" é praticamente sinônimo de "pensamento realista". Mais ainda: se você for uma pessoa radical como eu, que vai até às conclusões lógicas extremas de uma idéia, vai também concluir que "pensamento positivo" é também quase sinônimo de "babaquice", e que deveria ser abolido da nossa psiquê. Tal conclusão nos leva a outra pergunta: por que é que não foi abolida ainda, então? Sigamos esse fio um pouco mais, e façamos outras perguntas: se "O Segredo" é tão criticado, por que vende tanto? Se "What the bleep do we know?" foi tão avacalhado e execrado, como é que ele virou o sucesso que é hoje? E por que temos tantos livros de auto-ajuda sobre pensamento positivo nas livrarias, nas bibliotecas, nas mãos de donas-de-casa sobrecarregadas e de empresários empreendedores? Por que continuamos com essa bobagem se ela é tão ilógica e imbecil? POR QUE?

Bueno, acontece que não somos tão lógicos quanto desejamos ser. Para ser franco, a idéia da Razão controlar a Emoção é um ideal relativamente recente, do tempo de Descartes, ou talvez um pouco antes, e uma idéia bastante antiquada, considerando o que a neurociência afetiva tem encontrado a respeito da relação inseparável entre sentimentos e pensamentos nos nossos cérebros. Não somos os seres racionais e ponderados que imaginamos ser. Na maior parte do tempo, somos dominados por fortes emoções que jogam nosso ponderamento para o canto, de onde só sai depois de nos acalmarmos. Este poderia ser considerado o principal motivo para não abandonarmos essa coisa ilógica que é o "pensamento positivo". Mas eu acredito que exista outra razão, ainda mais poderosa do que essa: se nós não abandonamos nossos inadequados padrões de pensamento otimista, é por que nós não podemos viver sem eles.

Lenta, mas constantemente, ao longo da história de nossa espécie, o pensamento positivo vem se tornando mais importante e mais proeminente em nossas vidas. Se nossos antepassados primatas de planície precisavam viver em constante terror para sobreviver e procriar, por habitarem um ambiente hostil e com poucos recursos, nós não precisamos: dominamos nosso ambiente, e desenvolvemos técnicas que, se comparadas com o que tínhamos cinco ou seis séculos atrás, são tão miraculosas quanto tirar leite de pedra. Nesse novo contexto em que nos encontramos, podemos nos dar ao luxo de viver, ao invés de meramente continuar existindo, de desfrutar o que há de bom e belo neste mundo. Podemos nos dar ao luxo, e devemos. Uma coisa que escapou a todos os críticos dos livros de auto-ajuda como "O Segredo" é o fenômeno psicológico por trás deles - as pessoas querem e precisam ser felizes, e estão procurando uma maneira de alcançar esta felicidade. Talvez estejam procurando em todos os lugares errados, como é hábito entre nós seres humanos, mas estão procurando e, um dia, eu espero, encontrarão, nem que seja por breves e doces instantes de êxtase.

O ponto mais importante deste texto, e o que mais quero ressaltar, reside numa pequena descoberta da ciência, ou, melhor dizendo, uma mudança em seus valores. Nós, como seres humanos, não temos acesso à realidade pura ao nosso redor, pois ela sempre é filtrada de alguma maneira pelos nossos sentidos e por nosso organismo. Os estímulos que recebemos de fora de nosso corpo vêm como uma enxurrada desorganizada e caótica, que precisa ser filtrada e organizada. Qual é a maneira "correta" de organizar toda esta informação? Qual o jeito mais próximo à realidade? Nossas capacidades cognitivas limitadas não tem acesso à esta resposta. Nos resta apenas criar nossa visão do mundo do modo mais adequado às nossas necessidades psicológicas, ou, em outras palavras, como nós queremos. De um ponto de vista racionalista, isto é o mesmo que viver uma mentira. E, para ser franco, é mesmo - nós precisamos viver uma mentira, uma verdade que esqueceu de acontecer, por que a "realidade objetiva do mundo" não é boa o bastante. Pessoas deprimidas e com afeto negativo são mais eficazes em ver o mundo tal como ele, mas de que adianta, se isso não nos ajuda a transformar o mundo naquilo que ele poderia ser? As utopias de 100 anos atrás hoje são realidade, por que não acreditar que as utopias de hoje em 100 anos também se realizarão?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Tempo e Estrutura

Finalmente, estou de férias. Depois de um longo mês de janeiro trabalhando, algo que nunca antes eu tinha feito, me dei o direito de tirar férias. Logo no primeiro dia de férias, quando constatei que quase todos os meus amigos estavam na praia ou viajando, fui tomado por um sentimento de urgência, de que o tempo está passando e minhas férias escorrendo como areia entre meus dedos. "Você precisa aproveitar o verão" me diz esse sentimento "afinal de contas, é a melhor estação de todas."

Passo na frente de algum outdoor da Coca-Cola, que diz "esse é o verão da sua vida" ou coisa parecida, e o sentimento se acentua. Claramente, não estou acima do condicionamento social e da sugestão das propagandas que se alastram por toda nossa sociedade, e sou tão influenciável quanto qualquer outra pessoa, e caio nessa lenga-lenga que faz todo mundo acreditar que o verão é a coisa mais incrível que existe.

Mas... será que é mesmo enrolação? Será que o verão não é a coisa mais incrível que existe? Segundo Hakim Bey, patrono dos anarquistas pós-modernos (aos quais eu devoto grande simpatia) as férias de verão são quiçá a última Zona Autônoma Sazonal que temos hoje em dia. É o único período do ano em que podemos ser livres de fato, sem restrições de horários ou compromissos marcados, e podemos ser apenas nós mesmos, da maneira que bem queremos. As crianças sabem o que é bom, e eu, que passei mais tempo do que deveria trabalhando demais, também sei: mar, calor e praia, mesmo que no fim das contas eu não tome tanto banho de mar assim, sue feito um porco no espeto e fique igualmente tostado por causa do sol.

Em última análise, nós adoramos as férias por que nelas podemos fazer tudo aquilo que não conseguimos fazer enquanto estamos ocupados (não) estudando ou (não) trabalhando. Aula de violão? Por que não! Ir mais em festas e beber mais em bares na Cidade Baixa? Claro que sim! Buscar aqueles objetivos mais elevados? Oh yeah, isso também dá pra fazer!

O problema é que, quando a gente sai de uma rotina altamente estruturada (como a que eu estava vivendo até pouco tempo atrás) para uma completamente livre (como a que eu estou vivendo agora), nós tendemos a ficar desorganizados psiquicamente e acabamos desperdiçando tempo. Eu sei que hoje meu dia foi um belo desperdício de tempo e energia. De vida, eu diria. Obviamente, eu não queria que fosse assim. Na minha cabeça, eu passaria todos os meus dias lendo, escrevendo e treinando Kung Fu, de maneira equilibrada e sensata, com o bastante de cada coisa para que, no final do dia, eu caia na cama com a gostosa sensação de ter usado toda a minha energia em coisas que eu valorizo. Em alguns dias, eu consigo fazer isso, mas em outros... nem tanto. Hoje, eu caí no "nem tanto".

Nesses casos, você precisa pegar o teu tempo pelas aspas e organizar ele você mesmo. Isso é diferente do tempo "normal", quando a gente trabalha ou estuda, por que durante esse tempo são os eventos externos que determinam onde, como e quando nós vamos investir nossa energia psíquica. Durante as férias, existe a possibilidade de você mesmo escolher o que diabos você vai fazer. Digo "existe a possibilidade", por que deixar com que as coisas aconteçam ao seu redor enquanto você não faz porcaria nenhuma também é deixar a estrutura da sua vida ser determinada por fatores externos. Certa vez, ao ler um livreto anarquista sobre caronas, fiquei muito impressionado com essa idéia de "determinar o próprio tempo". A idéia do livreto é bastante anarquista (ou seja, bastante do meu agrado), e bastante ligada à idéia de viajar pegando carona (também bastante do meu agrado). Nesse livro, @s autor@s falam sobre como você pode, durante uma viagem dessas, viver no seu próprio ritmo, e por algum motivo, isso me fascinou. Já parou para pensar como seria sua vida se não tivesse que imperiosamente estar em um determinado lugar, em determinada hora, e poder passar mais tempo olhando as flores selvagens que crescem na beira da estrada? Em outras palavras, já pensou como seria viver o tempo todo de férias? Eu pensei, e achei fantástico. Senti falta de correr mundo outra vez, de viver de acordo com meus próprios parâmetros, desejei viajar para longe, por muito tempo.

Mas eu não preciso fazer isso. Eu disponho de tempo aqui e agora, não é mesmo? Por que não usá-lo bem? Mesmo quando estou ocupado com o trabalho e os estudos, eu posso fazer isso, ainda que não com a mesma intensidade e abrangência das férias. Se não fazemos isso, acabando vivendo a vida que os outros querem que nós vivamos. Se for isso que você quer, perfeito, continue que está funcionando, mas e se não for (como geralmente é o caso)? Aposto que a mera tarefa de acordar e sair da cama de manhã vai ser bastante sofrida (como estava sendo para mim nos últimos dias antes de sair de férias).

OK. Falei bastante sobre essa coisa de "viver no próprio ritmo", de "pegar o tempo pelas aspas", mas o que quero dizer com isso exatamente? De maineira simplificada, é decidir o que se quer fazer durante o dia, e realmente fazer. Pela minha própria experiência, o que normalmente acaba acontecendo é que nossos dias se passam em meio a boas intenções que nunca se realizam, por que estamos ocupados demais vendo TV (ou, como é meu caso, lendo a última tirinha daquele webcomic engraçado). Então, para que isso não aconteça, é bom se utilizar daquilo que os analistas do comportamento (dos quais eu também sou fã #SkinnerFeelings) chamam de estímulos discriminativos. Tecnicamente falando, um estímulo discriminativo é um acontecimento que precede um comportamento, e que aumenta a probabilidade deste comportamento acontecer. De maneira mais simples, pode ser um lembrete: uma agenda, um calendário, um despertador. Qualquer coisa que entre no meio da seqüência de irrelevâncias que normalmente é seu dia e te lembre que há coisas mais importantes para fazer do que coçar o saco. Eu faço isso. Há dias que funciona, e há dias que não é o bastante. Mas, pelo menos funciona na maior parte do tempo, e isso já vale à pena.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Primeira postagem de 2011

Só pra não dizerem que eu abandonei isso aqui, deixo para vocês, se não um texto completo, pelo menos a promessa de que eu voltarei a escrever coisas legais, divertidas, profundas e/ou todas as alternativas anteriores. Feliz 2011.