domingo, 20 de março de 2011

Utopias (8)

Temos, em nossa sociedade, a idéia bastante entrincherada de que "se todo mundo fizesse o que bem entendesse, tudo ia virar um caos, e todo mundo iria morrer". Com base nessa idéia, votamos em nossos governantes e lhes conferimos poderes para regular nossas vidas, na esperança de que eles nos protejam da desordeme façam os trens saírem da estação na hora. Essa idéia é bastante poderosa, e influencia todos os aspectos de nossas vidas, mas será que ela é necessariamente verdadeira? Será que, se os indivíduos pudessem fazer o que mais desejam, a sociedade seria destruída por dentro?

Não se sabe de nenhum caso no mundo onde isto tenha acontecido em larga escala. Porém, desde a antigüidade, percebe-se a existência de pequenos lugares, no tempo e no espaço, onde as pessoas se reuniram, não seguiram as leis de nenhum governo além do próprio desejo, deixaram todos fazerem o que queriam, e o resultado final não foi um banho de sangue. A este fenômeno, o autor anarquista pós-moderno Hakim Bey deu o nome de "Zona Autônoma Temporária", por serem espaços onde, por um tempo limitado, as leis do governo não se aplicam, e são criadas de forma tácita por aqueles que ali convivem. Existem, ainda, as Zonas Autônomas Permanentes, que costumam durar mais tempo, e as Zonas Autônomas Sazonais, que existem em algumas épocas do ano, como as férias de verão são para as crianças em idade escolar.

A idéia da TAZ (Temporary Autonomous Zone, em inglês), como eu já disse, é uma manifestação do movimento anarquista pós-moderno, que dá enfoque a construção de redes subversivas e pequenos focos de resistência libertária, ao contrário do anarquismo mais tradicional, que visa a revolução anarquista em todos os cantos do mundo. Apesar da TAZ parecer uma idéia mais derrotista do que a Revolução Total, penso que ela é uma meta muito mais realista, e uma maneira muito mais concreta de mudar o mundo. Se buscamos a Revolução Total, qualquer coisa menor do que o mundo inteiro é um fracasso. Além disso, fazer com que todo o planeta adira ao mesmo sistema político me parece ser o exato oposto do ideal de liberdade anarquista, por que não respeita a vontade individual. Em outras palavras, a revolução parece uma coisa muito distante, tanto no tempo, quanto de mim mesmo. O que seria eu no meio de algo tão grande?

A TAZ é o exato oposto disto. Ela pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar onde duas ou mais pessoas assim desejem. Normalmente, ela envolve alguma atividade como criar algo, mas pode ser muito bem apenas uma festa. E por ser tão próxima e envolver tanto o indivíduo, estar e ajudar a constituir uma TAZ normalmente é uma experiência afetiva bastante forte. Independente do que se faça, fazer um ato de criação junto de outras pessoas, seguindo o mesmo ideal e buscando o mesmo objetivo te dá uma sensação de unidade com elas muito grande, tanto que, mesmo muito tempo depois, quando a TAZ já foi reabsorvida pelo sistema e desaparecido, o sentimento de ter vivido algo tão intenso persiste. Baseado nas minhas experiências anteriores, talvez seja incorreto dizer que as Zonas Autônomas sejam temporárias ou que desapareçam, por que este sentimento de que falo não é meramente relembrar passivamente: ele é a marca indelével que a TAZ deixou em você, e que te faz querer sentir aquilo outra vez e em outros lugares. Te faz querer que outras pessoas conheçam essa maravilhosa sensação, e te faz querer criar outra vez uma ilha de liberdade nesse mar de escravidão, nem que seja por apenas uma hora.

Desse modo, a TAZ nunca morre, por que ao fim de cada uma, fica não só a vontade de recriá-la, como o conhecimento de como fazê-lo. Na primeira vez que se participa de uma experiência desse tipo, esse conhecimento é um tanto quanto instável. Porém, conforme se entra e sai em TAZ, ele vai se tornando mais sólido, e vai mudando o indivíduo, que, por sua vez, possibilita a mudança de outras pessoas. A Revolução Total não é atingida, mas, pouco a pouco, o caminho em sua direção é pavimentado, uma TAZ de cada vez.

Um comentário:

gui disse...

Oi,

Cheguei ao teu blog através do blog pessoal do Marcelo e li muitos de teus textos e de tuas reflexões.

Serei curto em meu comentário: parabéns. Parabéns mesmo pelas composições. São sensacionais.

Cordialmente,
Guilherme