sexta-feira, 13 de maio de 2011

"Knulp" - a história de um andarilho

Como meu nom de plume indica, eu tenho uma simpatia especial por andarilhos. Começou com o personagem principal de Samurai X, que se ampliou à minha admiração pela história de "Na Natureza Selvagem", ao meu gosto pelo livro "No Fio da Navalha" e se tornou depois de algum tempo em idealização de toda uma classe de personagens, reais ou imaginários, que tomaram como missão de vida caminhar pelo mundo sem nenhum apego além daquele à própria causa. Como a minha escolha de palavras indica, tem uma boa dose de "wishful thinking" da minha parte em achar que todas as pessoas que vagam o mundo são nobres e dedicadas a um Bem Maior, mas acho que o que importa no final é ideal que o arquétipo do andarilho me inspira do que a maneira como ele se manifesta no mundo.

Então, esse post é para falar de coisas ideais, e de coisas que fracassam em atingir o ideal. "Knulp" também. Esse é o título de um dos livros mais desconhecidos do Nobel de Literatura Herman Hesse - até o momento, só encontrei uma pessoa além de mim que tivesse lido ele em uma mesa de bar. Francamente, não é algo realmente surpreendente, por que, se comparado com suas outras obras mais conhecidas, especialmente "O Lobo da Estepe", "Demian" e "Sidartha", há muito pouco pathos na história. O personagem principal, apesar de compartilhar muitas semelhanças com os personagens principais desses outros livros (que, por sua vez, compartilham muitas semelhanças com o próprio Herman Hesse, que eu imagino que era um andarilho à sua própria maneira), não sofre intensamente. A pergunta filosófica que os outros fazem, "qual o meu lugar neste mundo?", é respondida antes mesmo do começo do livro. Nós acompanhamos Knulp tomar a decisão de não conformar-se em ter uma vida mediana como todas as outras pessoas, e viver vagando de cidade em cidade, de baile em baile, de boa ação em boa ação, mas este momento marcante passa muito rapidamente no livro (pelo menos na minha opinião, e se comparado com outros livros do Hesse), e logo voltamos a ver sua vida em movimento, sem que este conflito tão típico dos contos de Hesse esteja marcadamente presente.

Se, por um lado, não acho surpreendente que a história não seja muito conhecida, por outro, acho uma pena, por que o sofrimento menos intenso do personagem principal faz com que os outros aspectos da vida de um andarilho sejam tratados com maior sensibilidade e atenção. Em vários momentos da história, Knulp encontra velhos amigos, agora casados e estabelecidos como mestres em alguma profissão, que lhe perguntam "e tu, por que não fez o mesmo? Por que tu preferiu essa vida de vagabundo, sempre a andar por aí, sem aprender uma profissão, sem se tornar um cidadão de bem?" Por um lado, estes amigos querem muito o bem de Knulp, que por isso sempre encontra pouso durante os rigorosos meses de inverno, e lhe fazem esta pergunta por que acreditam que esta é a única maneira de ser feliz. Mas, por outro, existe a inveja de estar preso em um único lugar, a único destino. Ao contrário deles, Knulp pode viver livre e como bem entende.

Entretanto, mesmo para o personagem principal o mundo não é preto e branco, e mesmo para ele existe a contradição e o paradoxo. Pode ser que ele sempre consiga responder àquela pergunta, ou evadi-la de maneira engraçada, mas o fato é que nem ele tem certeza de ter feito a coisa certa. Não teria sido melhor permanecer em uma só cidade, casar-se com uma mulher direita, e aprendido uma profissão, como todo mundo ao seu redor fez? Teria ele sido mais feliz? Talvez. Mas, se isto tivesse acontecido, quem teria levado alegria e bondade de um canto a outro, na velocidade de seus pés? No fim, Knulp confronta-se com seus pecados, e os coloca diante de Deus, para que Ele o julgue. E, no fim, é Ele quem o absolve. Knulp pode não ter sido um mestre em nada, contudo, ele foi um razoável tocador de gaita, um bom dançarino e alguém cuja companhia sempre foi agradável, e que, em alguns instantes, fez o mundo de alguém mais feliz. Não seria este seu destino: tornar-se mestre em não ser mestre em coisa alguma? Não sei.

O livro me encantou por vários motivos, alguns dos quais eu já expliquei aqui. Porém, o principal deles é o que me faz gostar de toda a obra de Herman Hesse: ela é mais um chamado à seguir o próprio coração. Batido e clichê, eu sei, mas não serão as coisas mais importantes em nossa vida justamente as mais repetitivas, como amor, amizade, carinho e compaixão? Na minha opinião, Knulp, tanto o livro, quanto o personagem, vivem estes ideais, da forma como eles melhor conseguem vivê-los, e este é seu grande valor, independente de terem feito grandes conquistas no mundo ou não.

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