sexta-feira, 19 de março de 2010

Vida Dura (Parte 27)

Notei que, quando se passa muito tempo viajando pelo exterior, especialmente mochilando, costuma-se perder a noção do que acontece em sua terra natal. Algum leitor mais sarcástico, ao ler esta última frase, provavelmente soltará um sonoro "Bazzinga!" por causa da obviedade de minha afirmação. Claro que, quando se esta viajando em um país estrangeiro, se perde a noção do que acontece em casa, por que, para começo de conversa, não se tem mais acesso aos mesmos meios de comunicação, e se tem, eles custam muito mais caro (tentem ler sua Veja toda semana dormindo todas as noites em uma cidade diferente e viajando por 15 horas em ônibus sem banheiro). Entretanto, quando digo isso, não estou pensando nos escândalos políticos que assolam Brasília, ou nos ensaios de escola de samba onde a Nana Gouveia mostra a calcinha, mas nas coisas mais sutis.

Estou pensando na música.

Pois, vejam bem, quando se viaja, você pode pensar "eu deveria ter trazido meu MP4" ou "eu preferia estar ouvindo Queen ao invés dessa música sobre cereais", mas nunca, NUNCA se pensa "qual será a música que está bombando no carnaval esse ano?" Há um motivo para as coisas serem assim: essas músicas são irrelevantes. Tudo nelas é repetitivo, retardado e fácil de lembrar, e é justamente por isso que elas "bombam" - não há como esquecê-las. Por sorte, quando chega acaba o carnaval e o verão, elas vão para o mesmo lugar que os mosquitos no inverno e somem de nossa memória, para, na próxima temporada de praia, quando pancadões dançantes são tão ou mais necessários do que caipirinha, serem substituídos por outra música igualmente irritante.

Enquanto eu estava na Bolívia, eu esqueci da existência desse fenômeno. Para mim, naqueles dias no altiplano andino, o Brasil era apenas uma terra distante, ainda que fosse a minha terra, e tudo que lembrava dela eram as pessoas que me eram caras. Isto é, até o dia em que eu voltei para Caxias do Sul, e meu pai fez questão de pegar seu celular, dizer "olha a música que tá fazendo o maior sucesso agora" e por Rebolation para tocar. Foi ali que me caiu a ficha e eu pensei: é, tô de volta ao Brasil. Passara os últimos dois meses ouvindo coisas que dificilmente classificaria como "boa música" (vocês sinceramente pensaram que eu inventei a história de "música sobre cereais"?), mas era uma coisa muito, muito diferente do que encontrei por aqui quando voltei. O "cancionário" boliviano e peruano está longe de ser algo de alta qualidade, porém tinha um ar mais honesto, como se realmente fizesse parte da cultura local. "Rebolation", por outro lado, é bem diferente. Primeiro, ela me parece ser o equivalente musical do crack - todo mundo sabe que ele destrói o cérebro e o corpo de quem usa, só que, depois que se provou (ou ouviu) uma vez, a gente já se perdeu no vício e precisa buscar logo a próxima dose. Só hoje, eu ouvi essa música do demo umas três ou quatro vezes.

E mais do que essa qualidade viciante, Rebolation tem algo mais. Eu não sei o que é, só que toda vez que eu ouço a música ou quando eu vejo o clipe, tenho uma estranha sensação de prazer. Não consigo descrevê-la muito bem, exceto que é o tipo de prazer que alguém sentiria de assistir um trem lotado de passageiros desacarrilhar, pegar fogo e explodir em câmera lenta: é algo horrível e que provavelmente vai te deixar traumatizado, mas tu quer perder um segundo sequer da ação. Olhando todas aquelas pessoas dançando no mesmo ritmo alucinado, gritando "rebolation é bom bom bom!" traz à minha consciência imagens ancestrais, dos bacanais e de todos rituais alucinados do passado, e a figura não tão ancestral do terceiro filme de "O Senhor dos Anéis", onde o Regente de Gondor grita para seus súditos que tudo está perdido, com a diferença que, na minha cabeça, ele grita "é a decadência, é a decadência, seus macacos sem livre arbítrio!", e que não há nenhum Gandalf para nocauteá-lo com um tacape branco e botar ordem no chiqueiro outra vez. Sim, é o prazer mórbido de ver tudo reverter à selvageria, querer fugir porém não conseguir, e rir ao invés de chorar por que é mais produtivo.

Algum cético, ao ler isso aqui, provavelmente pensará "meu Deus, tudo isso por causa de uma música ruim?". E ele provavelmente está certo. Eu vou dormir. Pensando que o Rebolation é bom bom bom.

2 comentários:

Vane disse...

Depois que eu li isso aqui: http://www.cracked.com/article_18461_5-creepy-ways-video-games-are-trying-to-get-you-addicted.html

Eu não duvido de mais nada em relação à essas coisas viciantes.

Anônimo disse...

Eu adoro teu humor negro!