sexta-feira, 19 de março de 2010

Histórias que entretêm - Atestado de Insanidade

"Doutor, eu tenho um sério problema. Acho que é alguma coisa de sistema nervoso, o médico lá do postinho até me mandou fazer um elétrico da cabeça, mas não mostrou nada. É assim, doutor, toda vez que eu volto pra casa, quando eu passo pela porta da garage, eu penso que ela vai cair na minha cabeça. É que é assim, doutor. Quando a minha mulher engravidou do meu primeiro filho, eu quis comprar uma casinha e me mudar, mas minha mãe não deixou. Sabe como é, ficou preocupada, me disse que era perigoso, que iam me assaltar, que iam me matar, e de tanto que ela me incomodou, eu fiquei por lá mesmo. Só que não tinha espaço na casa, doutor, então a gente construiu um segundo andar pra casa, pra gente ter um lugarzinho nosso e ainda ficar perto da mãe, que ficou toda babona por causa do neto. Era o primeiro da família, né doutor? Todo mundo fica todo dengoso. Quando o Maicou nasceu, ela até parou de fazer faxina pra poder cuidar dele, ficar fazendo sopinha pra ele, mingau, negrinho... coisa que ela nunca fez pra mim, e olha que eu adoro negrinho, tô sempre pedindo pra ela, mas ela sempre me diz 'onde já se viu homem feito como tu ficar pedindo doce pra mãe?'. Eu fico todo envergonhado, por que ela até que tem razão, só que, bah, quando eu era piá eu pedia pra ela e ela também não fazia! Então, doutor, como eu tava te dizendo, a gente construiu um segundo andar. Fui eu quem fiz quase toda a obra sozinho: comprei os material, misturei o cimento, assentei os tijolo, e, não querendo me gabar, ficou muito bom. Só que teve um probleminha, e a parede do lado da garage ficou meio torta. É a única que ficou assim, doutor, mas ficou assim. Na hora que eu botei os tijolo eu nem notei, só que depois que já tava pronto eu vi. Ah, eu pensei 'nem dá nada', e até agora não deu nada mesmo. Só que, bah doutor! Agora toda vez que eu volto do serviço, eu entro na garage com minha moto, que eu sou motoboy, eu olho de revesgueio praquela parede e fico pensando se ela não desaba em cima de mim quando bem na hora que eu tô entrando, ou em cima dos meus filhos quando eles brincam ali no pátio. Eles tão quase indo pra escola, a mãe deles já leva eles pra uma creche e eles ficam lá o dia todo, por que minha mulher tem que trabalhar também, né? Ela tá trabalhando numa firma de advocacia no centro como secretária, tá ganhando bem, tanto que é ela quem paga a creche das criança. Só a minha mãe que não gosta muito disso, por que sabe como é velha, doutor, ela quer cuidar dos netos, fica dizendo que cuidam mal dos netos dela lá, fica xingando a gente por não confiar nela e tal... Eu até preferia deixar os piá com ela, ia ser mais barato, minha mulher não ia ter que gastar duas passagem de ônibus a mais pra levar e buscar eles, só que, doutor, a gente tá meio ressabiado com a minha mãe. É que é assim, ela diz que quer cuidar dos guris, mas quando a gente deixa eles com ela, eles ficam muito estranho, doutor. O Maicou é tri falador, se ele tivesse aqui ia ficar puxando papo sobre qualquer coisa contigo, e olha que ele nunca te viu na vida! Só que, é só ele ficar um dia com a vó dele que ele fica quieto, se escondendo pelos canto, fazendo cara de desconfiado. Eu pergunto pra ele 'ô Maicou, que tu tem guri? O gato comeu tua língua?', e ele não fala nada. E outra vez, eu vi um roxo no braço da Sara Diésica, a minha do meio, perguntei pra ela de onde saiu aquele machucadão, era enorme, doutor, o senhor tinha que ver pra acreditar, e ela disse que caiu da escada. Fui perguntar pra minha mãe que que tinha acontecido, e ela me disse que ela e o Jonson se pegaram no sopapo e ela ficou com aquele roxão por causa dum suco dele, só que o Jonson é menor que ela! Como que ele ia fazer um negócio daqueles? Não tem como, doutor, não tem como. Mas o pior é esse negócio da parede. Doutor, me fala a verdade, eu tô ficando louco?"

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