segunda-feira, 14 de julho de 2008

Argonautas do Asfalto - Parte II

Lembro-me de pouca coisa significativa do segundo dia. Talvez seja a memória me deixando na mão, apesar do pouco tempo decorrido entre os acontecimentos, ou pode ser que não haja muito que se relatar.

Acordei tarde e perdi os GDVs da parte da manhã. Nenhum me interessava mesmo, então não perdi nada. Almocei pela primeira vez no RU da UFMS. Achei o lugar pequeno para um restaurante universitário que em tese deveria atender milhares de mortos de fome por dia, mas depois fiquei sabendo que aquela parte do campus era meio marginal e isolada. Devem existir outros RUs espalhados pelo campus. Não sei por que estou relatando uma coisa tão sem graça.

Em um dado momento, fui até o mercado mais próximo, o Atacadão, junto com o William e um cara da UFPR, o Fernando, para comprar um chinelo e uma bermuda, já que o William trouxe apenas um coturno e calças jeans para sua estadia na calorenta capital do Mato Grosso do Sul. Lembro-me que, durante quase todo o caminho, fiquei calado. Não me entendam mal, tanto o William quanto o Fernando são pessoas legais, mas eu simplesmente não conseguia me interessar pelo o que diziam. Era como se falassem de coisas que já fizeram sentido anteriormente, mas que agora não passam de assuntos pueris e enfadonhos para mim.

Foi com certo alívio que voltei para o alojamento. Eram aproximadamente duas da tarde, e eu teria que me coçar para fazer algo apenas às quatro e meia, quando eu, Marcelo e Chico ministraríamos uma oficina de Artes Marciais e Estética. Pensei em pegar um livro e ficar lendo, mas acabei procrastinando. Neste ínterim, acabei encontrando as meninas da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), que foram conosco para o show do Nando Reis na noite anterior. Junto com elas, estava uma recém chegada. Não sabia naquele momento a importância de tal encontro.

Tivemos uma oficina fantástica. Começou devagar, apenas comigo, Chico e Carol, mas conforme os minutos se passavam, mais e mais gente veio se juntar a nós e dar sua contribuição, inclusive Marcelo, que estava até então participando de uma outra oficina: Biodança. Desde o Congresso de Direitos Humanos em Buenos Aires, eu jurei que evitaria a qualquer custo qualquer atividade que tivesse “Drama” ou qualquer termo relacionado. “Dança” estaria no topo da lista de coisas a serem evitadas. O Marcelo seguia esta filosofia muito antes de eu entrar para a faculdade, e fiquei surpreso com o fato dele ter gostado de Biodança. Era sinal de que algo estava acontecendo.

À noite, nos preparamos para o TransENEP, a festa mais tradicional do ENEP. Em todo encontro, uma noite é especialmente devotada para o autodeboche dos participantes, que se vestem como representantes do sexo oposto. Considerando que uma mulher pode usar calças compridas sem problemas, enquanto que um homem não pode usar uma saia sem atrair olhares tortos, posso dizer que é uma tarefa desigual, tanto na dificuldade quanto no entusiasmo: os meninos se divertem muito mais colocando vestido e passando batom do que as meninas vestindo bermudão e pagando de mano. Considero todo o ritual de colocar vestido, roupa colada e maquiagem parte essencial do ENEP, e não poderia ficar de fora de toda a baderna (fiquei com cara de china de barranco). Ainda assim, não me sentia disposto a ir para mais uma festa. A noite anterior cobrara um preço alto demais de minha alma, e não estava disposto a passar por tudo aquilo novamente. Fingi que queria ir, e como os demais, fiquei esperando os ônibus chegarem e nos levarem para o local da festa.

Fora estabelecido que três ônibus viriam nos buscar, em três horários diferentes. Mas o primeiro ônibus saiu cedo demais, e muitas pessoas ficaram para trás, esperando o segundo. Eu e Marcelo estávamos entre estas pessoas. Quando ele chegou, meu veterano correu e fez tudo o que pode para conseguir seu lugar. Eu não. Fiquei parado, apenas olhando. “Vou no próximo”, pensei comigo mesmo. Mas não fui. Entrei no alojamento e me deitei, enganando-me que acordaria na hora certa. Despertei muito mais tarde, quando alguns já começavam a voltar da festa e não havia mais motivos para iludir-me que de fato gostaria de ir. Fui deitar-me na minha barraca, mas logo tive que acordar novamente, para me trocar, tirar a maquiagem da cara e pegar meu colchonete (é, eu estava dormindo direto no chão. Pouco saudável, e muito menos confortável). Nessa hora, senti-me pleno. Fora honesto comigo mesmo, ainda que de forma estranha e inconsciente. Dormi pouco, mas em paz comigo mesmo.

Na outra noite, após as vivências na comunidade de Campo Grande e a segunda parte de nossa oficina, aconteceria a terceira festa, o luau. Sabia como seria, e minha decisão já estava tomada: eu ficaria no alojamento lendo. Mas quando uma certa menina de saia amarela passou pelo meu lado, pensei “tenho que ir pra festa”. Não houve dúvida ou hesitação quando fui atrás dela, apenas uma sensação de estar cumprindo meu destino. Essa sensação persiste ainda agora, junto com a certeza de ter feito o que devia ter feito.

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