terça-feira, 6 de maio de 2008

Eu e a Educação

Até 1968, as Faculdades de Filosofia dominavam a produção do conhecimento. Na UFRGS, a Faculdade de Filosofia era responsável por 16 cursos de graduação, desde Química até Letras. E como dizia Foucault, o saber e o poder andam lado a lado (1).

Por isso, em 1968, o governo militar impôs a reforma universitária, que alterou toda a forma como as universidades se estruturaram: substituíram as antigas cátedras pelos departamentos, dividiram os cursos de graduação entre diversas unidades orgânicas (1), e com isso, fizeram da filosofia um instituto qualquer. O objetivo dos generais era enfraquecer um possível núcleo golpista, e para sedimentar seus poderes sobre a Academia, criaram as Faculdades de Educação como novos centros de irradiação de poder.

Não sei se os militares atingiram todos os seus objetivos com esta reforma, mas acredito que pelo menos em parte o fizeram: a FACED tem uma das melhores bibliotecas da universidade, vários alunos de vários cursos de graduação têm aulas lá, e muitos professores de muitas áreas distintas são especialistas em Educação, e estão intimamente ligados com os facedianos. A Psicologia é uma delas.

Sinceramente, sempre tive uma certa birra com educação. Não com a Educação, mas com a educação formal que tive. E eu tive educação formal desde pelo menos os 6 anos de idade, quando entrei na 1ª Série do Ensino Fundamental. Já falei disso antes, quando reclamei de algumas aulas da faculdade, mas falei um tanto quanto superficialmente.

O que me deixa incomodado é a forma passiva como temos que aprender: o professor entra em sala, todos os alunos sentam e permanecem quietos, enquanto que o sábio mestre despeja seu conhecimento sobre nós, pobres ignorantes. Não há espaço para pensamento crítico, por mais que os professores digam que apreciem “livres pensadores” (3). Toda vez que uma voz solitária se levanta e questiona o professor de qualquer maneira, a resposta é rápida e rasteira. A mais clássica de todas é a pergunta “para que preciso aprender isto?”, que muitas vezes fiz durante muitas aulas. Quando fazia essa pergunta para minha professora de Biologia, ela dizia “por que cai no vestibular”; quando perguntava para meu professor de Filosofia, ele respondia “para que tu tenhas pensamento crítico”; quando perguntei para a psicóloga educacional do colégio por que tínhamos que ter aulas de italiano, ela me respondeu “na vida, às vezes temos que fazer coisas que não queremos fazer”.

São respostas válidas, mas que não estão à altura da pergunta feita. Por que alguém que não quer fazer vestibular, alguém que queira ser marceneiro, deve aprender sobre protozoários? Como se cria pensamento crítico aprendendo o que outra pessoa quer que eu aprenda? E eu tive que aprender italiano por que vocês querem? E por que os professores não se sujeitaram a nossa vontade, que não gostávamos e não aproveitávamos as aulas de italiano, e as tiraram do currículo?

Mais uma vez, volto à relação desigual entre professores e alunos. O nome “aluno” já diz muita coisa: vem do latim, e significa “sem luz”, esperando que algum sábio ilumine ou coisa assim. Os professores nunca teriam tirado italiano do currículo por que nós não gostávamos, por que eles sabiam o que era melhor para nós. Afinal de contas, o que pirralhos de 10 anos sabem sobre eles próprios? E como eles, que foram para a faculdade e estudaram poderiam estar errados? É inconcebível! Mesmo as piadas deles são melhores que as nossas. Lembro-me de uma aula de Biologia, em que a professora disse para a coordenadora, de forma nada sutil, que tínhamos espermatozóides na cabeça. Um colega meu retrucou, e deu uma risada cretina, meio mongolóide, para evidenciar quão sem graça a professora fora. A turma riu do gracejo, mas a professora ficou indignada, e o chamou de mal-educado. Ela pode dizer que a gente tem porra na cabeça, mas ai de quem inferir que ela é sem graça.

Na faculdade, esta relação tornou-se mais parelha, mas não muito. Isso fica óbvio já nas eleições para reitor, onde o voto dos estudantes tem peso 1, e dos professores peso 3 (4). Mas há coisas mais sutis – a famigerada chamada. A chamada é a maneira que os professores encontraram para achacar seus aluninhos a ficarem em aula ouvindo suas belas vozes. No Ensino Fundamental e no Ensino Médio elas são consideradas parte do processo de aprendizagem, tanto pelos adultos quanto pelas crianças. Mas no Ensino Superior, não existem crianças dóceis, apenas adultos, que não obedecem tão facilmente o que um indivíduo com giz na mão diz. Para que a lista de presença exerça influência sobre os estudantes, basta apenas o professor dizer no começo do semestre que faz chamada e que roda por falta de freqüência. Claro, dá para pegar a chamada e sair da sala logo em seguida (muito fiz isso), mas o professor pode ser murrinha, e fazer a chamada em horários alternados: às vezes no início da aula, às vezes durante a aula, às vezes no final da aula; ou fazer chamada duas vezes por aula e dar falta para quem pegou só a primeira. Ainda dá para driblar o sistema, mas torna-se muito mais prático (e cômodo) aceitar que a batalha está perdida e assistir as aulas (5).

Não gosto de aulas presenciais. Melhor dizendo, gosto mais de estudar por conta própria. A vantagem de estudar em uma faculdade é ter os professores a disposição para tirarem dúvidas, proporem desafios, darem idéias, e é impossível que tudo isso ocorra sem um tempo de lousa, giz, suor e até os famigerados power points. Mas acho que o equilíbrio se perde quando temos que assistir aulas das 13:30 até às 19:10. Tenho, em média, sete disciplinas obrigatórias por semestre. Com tudo isso, não dá tempo de fazer o que quero. Sim, o que EU quero, e não o que os professores querem. Eu sei o que me agrada, eu sei em que período do dia sou mais produtivo, eu sei como estudo melhor. Se disser isso para algum professor meu, ele provavelmente irá concordar. Entretanto, ele vai dizer que por um motivo ou outro não é possível por isto em prática. Os motivos alegados podem ir de que não estamos preparados, que o instituto não tem estrutura para isso, até que esta pedagogia poderia beneficiar certos professores, mas o que acho que é verdade nunca seria dito: os professores gostam de ter o poderzinho deles. Preferem ficar ouvindo suas belas vozes a orientar as mentes inquietas de seus alunos, como disse William James (meu herói).

Eu mato aulas, muito mais do que imaginava que iria matar no início da faculdade. Faço isso basicamente por princípios. Não vou pregar moral de cuecas, e dizer que nunca faltei aulas por preguiça ou para fazer algo que deveria ter feito antes – pelo contrário. Mas toda vez que não apareci na sala para fazer um trabalho, tinha em mente a quantidade absurda de horas-aula que tenho. E me indigno quando lembro do que um professor me disse quando reclamei da falta de tempo livre, que deveríamos maneirar nossas atividades “extracurriculares”. Nunca as curriculares.

O que eu realmente gostaria que fosse posto em prática, não só na faculdade, mas no Ensino Fundamental e Médio, é o Ensino Centrado no Estudante. Neste spin-off da Abordagem Centrada na Pessoa de Carl Rogers, o estudante é o responsável por sua aprendizagem e crescimento pessoal. Não é mero aluno, é estudante, que estuda ativamente. O professor e a escola estão lá, para apoiar o estudante, fornecer-lhe informação e orientação. Mas tal e qual Morpheus no filme “Matrix”, o professor apenas mostra a porta: quem a abre é o estudante. Me daria muito bem nesse sistema, pois poderia ler mais, discutir mais, escrever mais para o blog sobre o que aprendo por aí, ao invés de ter que perder horas e horas ouvindo o grasnar egocêntrico de muitos professores.

Mas a vida é injusta, então eu tenho que me virar com o que tenho.




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(1) Conhecimento é diferente de saber para Foucault, mas este não é o lugar para falar disso (além do mais, estou com preguiça).

(2) Faculdades, Escolas e Institutos.

(3) Na realidade, eles apreciam os livres pensadores que concordam com eles.

(4) E dos funcionários, peso 2.

(5) Pode-se exercer resistência ainda assim, e ler qualquer porcaria no fundo da sala, conversar, trocar bilhetinhos ou simplesmente dormir.

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