domingo, 31 de outubro de 2010

Utopias (6)

Aventuro-me agora em novos territórios. Ao invés de resenhar um livro sobre uma utopia ficcional, falarei sobre um livro que conta a história de um homem que dedicou sua vida a construir uma: Giuseppe Garibaldi. O livro a que me refiro são suas Memórias, organizadas por Alexandre Dumas, com base em relatos e diários escritos pelo guerrilheiro do século XIX. Por que escrevo sobre Garibaldi nesta série? Bem, preciso admitir que tenho um fraco por heróis de guerra. Talvez isto se deva ao fato de eu ter nascido e crescido em uma sociedade sem guerras, ter aprendido a respeito delas através de meios distantes como livros ou a TV e nunca ter presenciado uma morte. Acho justo que eu seja considerado ingênuo neste assunto por todos estes motivos. Ainda assim, não consigo deixar de admirar pessoas como Garibaldi, que passou quase a vida inteira lutando em nome de um ideal - a liberdade das nações. Por um ideal tão abstrato e distante, ele passou por inúmeras dificuldades e privações: fome, cansaço, perseguição inimiga, marchas forçadas e risco de morte. Terá tudo isso valido à pena todo esse sacrifício?

Penso não só na vida de Garibaldi, mas também nas vidas dos que lutam hoje para construir um mundo melhor. Não lutamos mais guerras, não pegamos mais em armas, mas continuamos a enfrentar muitos desafios, e a fazer muitos sacrifícios, que, apesar de não serem mais os mesmos que Garibaldi encarou, ainda são capazes de nos fazer questionar se não seria melhor abandonar toda esta confusão, nos preocuparmos apenas com a nossa sobrevivência e o nosso bem-estar, e deixar as utopias para os livros e para os idiotas. Lendo suas Memórias, fico imaginando se, em nenhum momento, Garibaldi fraquejou, e pensou em mandar tudo às favas: "dane-se a Itália! Danem-se as repúblicas! Eu vou montar uma rede de supermercados e lavar minhas costas com dinheiro!"

Não sei se ele chegou a pensar algo parecido com isto. Por ele ser humano e, portanto, frágil e imperfeito, imagino que em algum momento ele deva ter cogitado a possibilidade de levar uma vida pacata, levemente egoísta e reacionária. Porém, mesmo que ele tenha pensado, não levou estes planos adiante. Bem pelo contrário por que, até onde sabemos, ele continuou lutando pelo ideal das nações e pela liberdade de uma Itália unida e democrática até o final de sua vida. Pouco do que ele aspirava se concretizou, e não da maneira como ele desejava. Seria isso sinal de que seria melhor ele ter cuidado da própria vida? E nós, que nos metemos a mudar o mundo, não deveríamos aprender com este fracasso e parar de buscar algo inalcançável?

Na noite que passei na Reitoria da UFCSPA, tive uma conversa bastante produtiva com o Marcelo. Foi uma daquelas conversas que, embora se esqueça quase tudo o que foi dito, nunca se esquece o impacto que causou em nossos corações. Lembro, porém, de pelo menos uma coisa que discutimos. De fato, poucas revoluções foram bem sucedidas, e muito poucas mantiveram-se fiéis aos seus ideais. Contudo, nenhuma delas foi em vão, por que trouxe ao mundo uma nova maneira de ver e viver que mudou todo para sempre. A mudança efetiva pode ter sido pequena em extensão, mas inegável em sua existência. O Rei voltou a reinar na França depois da Revolução de 1789; Stalin tornou-se um ditador ainda mais cruel que os tsares; A República Rio-Grandense perdeu a guerra contra o Império e voltou a ser uma província, depois de 10 anos de lutas sangrentas. Agora, por causa disso, o Antigo Regime voltou a vigorar, a idéia do Comunismo perdeu o valor e o sonho de uma sociedade justa e democrática morreu? Não. As coisas mudaram, e para sempre. Talvez não da maneira como gostaríamos, mas mudaram. E é por isso que lutar sempre vale à pena.

Garibaldi não lutou em vão, e nem nós lutamos hoje. Construímos a sociedade do futuro e, mesmo que aos trancos e barrancos, evoluímos. Talvez seja por isso que admire Garibaldi: de certa forma, continuo hoje o trabalho que ele começou tanto tempo atrás, e que na verdade, era também a continuação de um trabalho ainda mais antigo que o dele. Vejo-me como parte de uma antiga e nobre linhagem de guerreiros, poetas e amantes que, malgrado seus insucessos, nunca perde a esperança de construir o Reino de Deus na Terra. Não viverei para ver tal proeza, mas resta-me o consolo de saber que, se isto um dia vier a acontecer, eu não fiquei de braços cruzados, e ajudei, da melhor maneira que pude, a tornar isto realidade.

Ainda na onda de falar sobre utopias que aconteceram de verdade, no próximo texto comentarei o livro "Utopias Piratas", escrito pelo cientista político e anarquista Peter Lamborn Wilson, mais conhecido por seu pseudônimo Hakim Bey. Vou ler o livro este final de semana, ou, no mais tardar, antes que alguém o reserve na biblioteca (por que eu não conheço ninguém que não leria algo sobre utopias e piratas). Depois desse livro, pretendo resenhar "Zona Autônoma Temporária", do mesmo autor, onde ele fala sobre algo parecido. Esse, porém, eu ainda preciso bater em alguém da biblioteca pra reservar e ler, então pode demorar um pouco.

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