quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Para o Infinito e Além

O trampolim estava logo ali, na minha frente, a uns dez ou vinte metros. Para vencer essa distância, apenas uma rápida corrida é necessária. No entanto, se tudo se resumisse à corrida, seria muito mais fácil. Precisava encontrar a velocidade certa - não muito rápido, para não perder o controle, nem muito devagar, para ter energia cinética o suficiente - fazer o tempo certo e a movimentação certa - como fazer para pular no trampolim sem perder o embalo, e como utilizá-lo adequadamente?

Todos estes cálculos passam pela minha cabeça muito rapidamente, em menos de cinco segundos. Claro, para ter pensamentos tão ágeis, ajuda o fato de eu já ter repetido esse processo várias e várias vezes, ainda que várias e várias vezes sem sucesso, em dois aparelhos diferentes. "Ginástica Artística envolve muita cognição, pessoal" disse o professor cinco minutos antes. Essa afirmação me tranquiliza, não sei bem por que. Talvez a palavra "cognição" torne tudo muito mais familiar, fácil de compreender. Tiro da minha memória de longo prazo uma de minhas estratégias metacognitivas e, enquanto espero minha vez para correr até o trampolim e pular no fosso acolchoado, ensaio mentalmente minha performance: me vejo correndo, em velocidade adequada, rumo ao trampolim. Num rápido e suave movimento, faço a transição do solo para o aparelho, e me projeto para o ar. Ainda em minha mente, insiro as correções que o monitor, o professor e os colegas me sugeriram: menos projeção para frente, mais projeção para cima, tomar cuidado com a posição das pernas, pois elas devem ir dobradas, e não estendidas. Por fim, caio nos colchões azuis, e em pé. Pelo menos na minha imaginação, fui bem sucedido. Agora, só restava fazer isso na vida real.

É chegada a hora. A pessoa que estava na minha frente na fila acabara de fazer sua tentativa. Não sei se ele ou ela conseguiu fazer um salto mortal e cair em pé, e naquele momento, pouco importava, pois toda minha energia tinha um único foco, o meu próprio salto mortal. Reviso rapidamente todo o processo - tantas coisas para fazer em menos de cinco segundos! Olho para o professor uma última vez, para ter certeza de que ele está prestando atenção em mim. Espero um sinal, algo que me diga "pode ir", enquanto pensamentos ricocheteiam dentro do meu crânio. Oliva, o professor, olha para mim e balança a cabeça. É a hora. Os pensamentos que antes me incomodavam desaparecem como num passe de mágica. Não há nada acontecendo em meu organismo que não seja o preparo para salto mortal. Minha mente e meu corpo tornaram-se um só através da ação.

Racionalmente, sei que tudo não passou de um breve momento, mas, relembrando todo o processo, parece uma eternidade. Antes de ir, digo "agora vai!", como que em desafio ao Deus do Fracasso que se intrometera em todas as minhas tentativas anteriores. Corro, salto com os dois pés para cima do trampolim e subitamente me vejo no ar. Nos poucos segundos que tenho ali em cima, sou tomado pela certeza de que eu estou voando, ou pelo menos "caindo com estilo". A gravidade faz seu trabalho, e logo começa a me trazer para o solo. Encolho as pernas e projeto meu quadril. Caio sobre os meus dois pés no colchão, e tão rapidamente quanto posso, olho para o professor e perguntou "fiz certo?" Dessa vez, ele diz que sim.

Saio do fosso, e a tarefa do dia está terminada. Acabou. Eu, porém, continuo pensando nela. Eu quero mais, eu quero voar outra vez, ainda mais alto. Para o Infinito e Além!

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