domingo, 30 de agosto de 2009

Vida Dura (Parte 25)

Quando escrevi o primeiro post da série "Vida Dura", ainda no saudoso Roqueiro e Alcoólatra, foi depois de um impulso de escrever alguma coisa muito babaca, mas nunca parei para pensar qual seu verdadeiro intuito. Depois de vários posts no mesmo estilo, isto ficou claro: é fazer tempestade em copo d'água, pegando situações inócuas e transformando-as nos acontecimentos mais catastróficos que já se abateram sobre toda a humanidade. É muito divertido, tanto pra vocês, quanto para mim.

Seguindo essa lógica, hoje eu vou falar para vocês sobre um ônibus: o D43 Universitária, mais conhecido como o "Dê". Em Porto Alegre, existem várias instituições de ensino superior, em diversos pontos geográficos da cidade, o que traz como conseqüência que, todos os dias, milhares de estudantes universitários fiquem andando de lá para cá, pois precisam ir de casa para a faculdade, e da faculdade para casa (quando não precisam trabalhar entre um percurso e outro). Alguns destes estudantes têm carro próprio; outros, pegam carona com amigos ou pais; há também aqueles que vão naquelas vans fretadas, e aqueles felizardos que moram perto o suficiente para irem à pé para as aulas. Porém, há um último grupo, que não mora perto da faculdade, não têm carro, não tem como pedir carona, nem dinheiro para contratar os serviços de uma profissional do sexo van. Para estes, resta um último recurso: o sistema público de transporte. E esses sim, estão fodidos.

Eu moro do lado da faculdade. Não precisaria de ônibus, pois mesmo que eu fosse todos os dias pulando em um pé só e cantando as músicas do RBD, além de ser considerado psicótico, sempre chegaria a tempo para as aulas (pois essas sim, sempre começam com pelo menos 20 minutos de atraso). Se eu fosse mais humilde, e me contentasse em ter aulas só ali na Psicologia, eu me pouparia das muitas incomodações que empresas que a Carris e a Unibus me causam. Mas não! Eu não seria eu mesmo se eu não aranjasse sarna para me coçar, e não arranjasse alguma porra pra fazer no Campus do Vale, o campus mais isolado de toda a UFRGS. Reza a lenda que este campus foi originalmente construído durante a ditadura em cima de um antigo cemitério indígena, em parte para atender a crescente necessidade de espaço da portentosa universidade, em parte para arranjar um lugar onde os cientistas humanos e baderneiros em geral não pudessem encher o saco do governo militar. Ambos os objetivos foram atingidos com honras, por que sobra espaço nesse campus, e organizar passeata daqui até a frente da prefeitura para protestar contra a globalização é simplesmente inviável. OK, é verdade que, com a tecnologia moderna dos tempos contemporâneos de hoje em dia, o Vale não é mais tão inacessível quanto era na década de 1970, quando a atual Avenida Bento Gonçalves era só uma estrada de chão toda esburacada, mas muitos colegas meus se recusam a pegar aulas aqui* pelo campus ficar onde o Judas perdeu as botas.

Eu não sou assim. Sempre fui bastante aventureiro, e a idéia de ter aula no meio do mato me foi bastante atraente desde o primeiro ano de faculdade. Então, desde então, tradicionalmente no segundo semestre (não sei por que nunca no primeiro), me matriculo para alguma aula aqui. Em 2007/02, foi Alemão Instrumental. Em 2008/02, foi Genética para a Psicologia. E agora, em 2009/02, é Introdução ao Pensamento Filosófico. Além disso, desde o início deste ano, eu faço estágio aqui no Ambulatório Proteger, que atende casos de Saúde Mental, comportamento violento e casos casca-grossa em geral. Assim sendo, atualmente, eu tenho que vir para o Vale duas vezes na semana - uma na quinta de noite, e outra na sexta de manhã. Para poupar trabalho, eu já pensei em dormir aqui e poupar duas passagens, mas como eu acho que minha mãe ia ficar preocupada comigo (além de eu ficar sem jantar), acho melhor fazer a viagem duas vezes.

E para a viagem, conto com a ajuda dessa maravilhosa tecnologia moderna que nos ajuda em nossa rotina do dia-a-dia. Eu poderia citar as várias porcarias que fazem da nossa vida mais fácil, como meu chuveiro onde mantenho a higiene, a geladeira que conserva meu Nescau gelado, o próprio Nescau, meus sapatos e o guarda-chuva para os momentos que São Pedro abre as comportas do Céu quando o vapor atmosférico condensa-se em gotas d'água pesadas o suficiente cai o mundo e eu não quero me molhar. Mas a parte mais importante da minha ida e vinda do Campus do Vale é meio de transporte - o ônibus.

Ao contrário do que acontecia durante a ditadura, há hoje em dia diversas linhas de ônibus que fazem o trajeto "Campus do Vale - Civilização", sendo que pelo menos duas dessas atendem a demanda específica da população universitária, o Campus Ipiranga e o já mencionado D43. Ambos seguem um caminho muito similar, passando pelos três campi da UFRGS (menos na ESEF - o pessoal da Educação Física que vá correndo pra casa) e pela PUCRS. A diferença entre esses dois está apenas no tempo - enquanto o Campus Ipiranga para em quase todas as paradas do caminho, o D43 é bem mais direto e leva bem menos tempo. Isso, e o número de pessoas que pegam ele.

Eu sou um cidadão importante, com pouco tempo livre e com muita coisa por fazer (ou pelo menos essa é mentira que espalho por aí). Por isso, tenho pressa de chegar nos lugares onde sou necessário, e quanto mais rápido, melhor. Seguindo está lógica, não há nada mais racional, na minha situação, do que, tendo que atravessar a cidade para chegar no Campus do Cale, pegar o ônibus mais veloz e que faz menos paradas. Genial, não?

Genial, de fato, mas acreditem em mim, existem muito mais pessoas que têm essa mesma idéia diariamente. Muito mais. O suficiente para, toda vez que tenho que pegar o maldito D43, seja o carro do tamanho normal, ou seja um daqueles biarticulados, ele está sempre lotado. E quando digo "lotado", não quero dizer que todos os assentos estão ocupados e eu preciso ficar em pé. Quero dizer quer que até os lugares para ficar em pé estão ocupados, e que vou ter que passar um bom tempo da viagem me esfregando com criaturas desconhecidas e cujo status higiênico me é desconhecido! Todo dia de pegar Dê é mais ou menos igual: saio de casa, vou para a parada da Silva Só, e fico esperando. Quando vejo ele à distância, tento divisar quão atolado de gente ele está, para descobrir apenas no momento que ele passa do meu lado que tem gente se equilibrando no degrau da porta. Fantástico. Subo, tomando o cuidado para não ser atingido na bunda pela porta na hora em que ela se fecha, nem para cair na rua quando ela se abre. E, quando a oportunidade aparece, eu avanço um passo em direção à catraca (geralmente depois do cobrador dar o já tradicional grito de "um passinho pra frente, fazfavor, tem espaço no fundo do ônibus! Vamo liberá a catraca aqui, fazvafor!"). Repito esse processo várias vezes, até conseguir pagar a passagem e passar para o outro lado, com a única diferença que posso sendo encoxado por ainda mais pessoas. E se uma pessoa desde do ônibus, outras quatro vêm tomar o seu lugar.

Se a viagem inteira fosse assim, ela seria francamente insuportável e eu provavelmente teria desenvolvido alguma estratégia para evitar esta situação, como pegar outro ônibus, conseguir carona ou deixar de ser idiota e parar de me matricular em cadeiras no Vale. Contudo, há um ponto no meio do caminho em que as coisas mudam: a parada da PUCRS. Como o nome da linha implica, o D43 Universitária atende a demanda de transporte da população universitária, e as duas maiores universidades de Porto Alegre são UFRGS e PUCRS. De fato, quando o ônibus pára ali, ele magicamente esvazia, liberando metade dos assentos ou mais. Nos piores dias, ninguém que está sentado se levanta, e quem se levanta está longe demais para eu poder sentar, mas pelo menos eu consigo mexer minha bunda até chegarmos no Vale, e só isso me faz rezar o tempo todo para que cheguemos na PUCRS o mais rápido possível, e abençoá-la quando quase todo mundo desce. Claro, no caminho de volta acontece o oposto, e passo a xingar mentalmente todos os estudantes da PUCRS que jamais andaram de D43. Pelo menos daí eu estou bem sentado.





* Pois é gente, parte deste texto foi escrito durante um momento de vadiagem no estágio, durante o tempo ocioso que ordinariamente seria ocupado atendendo pacientes.

Um comentário:

Vane disse...

Tava sentindo falta dessa série! Beijo!