segunda-feira, 17 de março de 2008

Um panorama da minha faculdade

O Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul é uma entidade política e burocrática extremamente complexa por si mesma - isso enche o saco com freqüência, mas tem seus pontos altos.

Primeiro, acho que devo fazer uma breve explicação sobre como o Instituto se estrutura legalmente.

Nossa amada unidade orgânica é composta por três departamentos: o Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e Personalidade, o Departamento de Psicologia Social e Institucional e o Departamento de Psicanálise e Psicopatologia. Cada departamento é estruturado de forma independente, mas estão todos subordinados à diretoria e ao Conselho da Unidade, o famoso CU, entidade deliberativa máxima dentro do Instituto. Tão ou mais importantes que os os departamentos são as Comissões de Graduação (COMGRAD), que deliberam sobre nosso currículo e cuidam da nossa matrícula. Digo comissões no plural por que temos duas COMGRADs em nossa unidade: a COMGRAD da Psicologia, e a COMGRAD da Fonoaudiologia, tendo esta última sido criada no final do ano passado para organizar o novo curso.

Além destas 6 entidades, temos comissões e núcleos de menor importância que compõem o aparato burocrático da unidade, como a Comissão de Estágios e o Núcleo de Avaliação de Unidade (NAU). Pelo lado dos estudantes, temos o Diretório Acadêmico de Psicologia (DAP) e o Projeto de Ensino Tutorial (PET). Futuramente, teremos o Centro Acadêmico da Fonoaudiologia (CAF), mas isso já é pro futuro.

Também são vultos importantes os cursos dentro do Instituto. O curso de graduação em Psicologia está sob responsabilidade da COMGRAD-Psico e dos três departamentos, e o curso de graduação em Fonoaudiologia também está vinculado à Faculdade de Odontologia.

Muito importantes também são os cursos de pós-graduação. Há dois destes dentro da unidade: o Programa de Pós-Graduação em Psicologia, vinculado diretamente ao Departamento de Desenvolvimento, e o Programa de Pós-Graduação em Psicologia, vinculado ao Departamento de Psicologia Social, mas com participação dos professores do Departamento de Psicanálise.

Os cursos de pós-graduação são subdivididos ainda: há neles os cursos de especialização, de mestrado, doutorado e pós-doutorado (em hierarquia crescente). Os cursos de especialização são cursos rápidos e leves, por assim dizer. Seus alunos são geralmente profissionais trabalhando no mercado de trabalho (leia-se "mundo real"), e buscam um aprimoramento em suas técnicas, e estudam e trabalham ao mesmo tempo. Em cada PPG há muitos e muitos cursos de especialização diferentes (pós-graduações latu sensu), desde de Terapias Cognitivas Comportamentais à Psicologia Hospitalar. E quando digo que são leves, digo por que em um semestre eu estudo tudo o que um boçal da especialização estuda em dois anos.

Os mestrados, doutorados e "postdocs", por outro lado, são mais demorados, e mais voltados para o lado acadêmico. Não tem como trabalhar e fazer uma pós-graduação strictu sensu ao mesmo tempo: o trabalho de um pós-graduando é sua tese. Com freqüência, estes pós-graduandos dão aula para nós, chinelões da graduação, e quase sempre sem orientação de um professor titular. Fato muito criticado por 75% dos frequentadores da casa, mas deliberadamente ignorada por todos os professores preguiçosos.

Teoricamente, os departamentos deveriam ser apenas um aspecto secundário da organização interna das unidades orgânicas, mas o fato de eles terem que competir por verbas e atenção da reitoria, do CNPq e da CAPES torna isso muito mais difícil. E para piorar a situação na Psicologia, os departamentos não diferem apenas em assuntos abordados, mas também em linhas teóricas adotadas. Em poucas palavras, é um puta barril de pólvora, e qualquer estudante de graduação sabe disso (os de pós não sei se importam com coisas outras que não sua tese).

Com a promoção do Departamento de Psicologia da UFRGS para Instituto em 1996, os três atuais departamentos foram criados de acordo com as afiliações ideológicas dos professores: os psicanalistas lacanianos foram para o Departamento de Psicanálise, os analistas institucionais e psicólogos sociais foram para o Departamento de Psicologia Social e o resto foi para o Desenvolvimento. Historicamente, o departamento mais forte destes três em termos de verba e pesquisa foi sempre o Desenvolvimento. Isto talvez ocorra por causa da personalidade mais agressiva e "caçadora de tesouro" de seus professores, por suas linhas de pesquisa serem mais alinhadas com o que o resto do mundo e o mercado de trabalho queiram, ou por serem mais diversas e preencherem mais nichos. E apesar disso, ocorre (ou ocorria) um fenômeno social bastante paradoxal com a filiação ideológica dos formandos do curso de graduação. Por causa da antiga estrutura curricular, os graduandos levavam um bombardeio de Psicanálise e Psicologia Social no final do curso, Psicanálise principalmente, e todos (salvo raras e nobres exceções) viravam psicanalistas, ou psicólogos sociais com viés psicanalítico. Como o currículo mudou, e começamos a ver Psicanálise desde o começo do curso, a coisa vai ser bem diferente, mas não dá prever agora.

No CU e na COMGRAD-Psico os professores de todos os departamentos se reunem para discutir questões relevantes para o Instituto e para o curso de graduação. Em outras palavras, são campos de batalha onde se decide quem tem mais poder sobre os estudantes e sobre o Instituto. Não tive muitas oportunidades de ver o pau comendo na COMGRAD, mas já vi - e como! - isso acontecendo no CU (o que torna a coisa muito mais engraçada). A batalha mais violenta que já presenciei foi uma discussão sobre as aulas ministradas para a Fonoaudiologia. Vou passar um breve formulário que os capacitará a entender o porquê da discussão:

Aulas ministradas para a Graduação = Dinheiro
Aulas ministradas para um curso de graduação novo = Mais Dinheiro Ainda
Poder dizer que dá aula para mais de um curso de graduação = Prestígio
Poder dizer que ajudou a fundar um curso novo = Mais Prestígio Ainda

Tendo estas informações em mente, é perfeitamente compreensível o Departamento de Psicanálise ficar fulo da vida por que teve quase todas as cadeiras que tinha planejado para a Fono. Mas a coisa não para por aí, por que um professor do Desenvolvimento perguntou na cara dura "o que vocês tem para oferecer para os alunos da Fono? Só tem lacaniano no departamento de vocês! Que diversidade de idéias vocês podem dar?" (não vou nem apoiar nem contrariar a opinião deste indivíduo. Deixo para vocês deduzirem minhas opiniões). A vice-diretora do instituto e psicanalista ficou louca da vida com essa afirmação, levou tudo para o lado pessoal e ficou falando coisas do tipo "a gente vai embora se não precisam da gente então... eu sei quando sou desprezada". O professor que fez as primeiras reclamações não parou por aí, e escancarou a situação de conchavo entre o Social e a Psicanálise quando ocorriam votações importantes no CU. Os professores destes departamentos mostraram-se indignados, e alguns deles acredito que de forma sincera. Mas é óbvio para qualquer chinelão que participe das reuniões do CU como Representante Discente pode atestar isto como um fato, e não mera teoria da constipação conspiração. Foi necessário que um outro professor trouxesse o bom senso de volta para o recinto, ressaltando que o importante do curso de Fonoaudiologia não era a dominância de uma ou outra teoria da Psicologia, mas que seus conteúdos devem ser sobre Fonoaudiologia!

Os Programas de Pós-Graduação refletem ainda mais o ridículo de nossa situação. Se você se lembra do que eu escrevi sobre eles alguns parágrafos acima, vai lembrar que ambos tem o mesmo nome: PPG Psicologia. Os dois programas têm o mesmo objetivo, de formar profissionais para a área de pesquisa e ensino superior em Psicologia. Apesar das diferenças metodológicas que aparecem em alguns pontos, não é muito diferente. Então por que raio que os parta há dois programas separados? Minha resposta preferida é "frescura", mas a mais acurada é "conflitos pessoais internos". Por causa de brigas internas, um PPG a mais foi criado, e muita verba foi jogada fora. OK, muitas faculdades de sucesso têm vários PPGs com assuntos diferentes. Mas isto acontece por causa dos assuntos diferentes. Não é o caso aqui. Só isso deveria ser motivo o suficiente para reavaliar como os PPGs estão estruturados.

E existe uma outra diferença entre os cursos de graduação e de pós-graduação: a avaliação. Enquanto que nós somos avaliados por uma prova específica do MEC, a pós é avaliada pela CAPES, que adota uma metodologia bem diferente. Não vou ficar especificando quais diferenças existem entre as duas avaliações (por que isso é chato pra caralho), o que importa é que é extremamente difícil uma pós-graduação tirar a nota máxima pelo CAPES (nota 7). O PPG do Desenvolvimento tirou nota 7 na última avaliação. Furaram a parede do lado da entrada do Instituto e penduraram um cartaz dizendo isso com letras enormes, para todo mundo ver. O PPG do Social tirou nota 4 - o que não é uma nota ruim para uma pós que vai só até mestrado, mas não dá pra propagandear por aí também.

Essa história de notas do CAPES tem seu valor, mas não tanto quanto os professores do pós gostam de dizer. Se assim fosse, não teriamos tido aulas tão capengas com doutorandos do Desenvolvimento (e momentos como "Os Soldadinhos da Libido" e "A Foto da Mente" teriam ficado apenas no plano platônico das idéias). E os professores dão a bunda para dar aula para a pós - e nem são aulas tão especiais assim, pois muitos professores passam os mesmos textos para nós e para os pós-graduandos. Por essas e outras, se algum dia eu fizer pós-graduação, não vou fazer na UFRGS.

E no meio dessa bagunça toda, estamos nós, valentes graduandos em Psicologia, representados pelo DAP. Curiosamente, o DAP é a entidade que representa TODOS os estudantes de Psicologia do Instituto, graduandos e pós-graduandos. Só que a última vez que eu vi um mestrando ou doutorando entrar no DAP foi para arranjar mão-de-obra escrava barata para coletar dados pra pesquisa dele. Na prática, os únicos envolvidos no DAP são graduandos. Não posso me esquecer do PET, que é uma fonte de renda para estudantes de graduação dispostos a se prostituírem para a Pró-Reitoria de Graduação por 300 reais todo mês (eu quero vender minha dignidade para a Pró-Reitoria de Extensão). Politicamente, o PET não é grande coisa, mas organiza eventos legais de vez em quando.

Faltou xingar o DAP. Fica meio difícil para um participante desta baderna como eu criticar o DAP, mas acho um tanto quanto óbvio que muitas vezes ficamos só "problematizando" as coisas e não vamos para a parte prática de mudar as coisas. Algumas de nossas reuniões parecem a reunião da Frente Popular da Judéia, no filme "A Vida de Brian", em que eles discutem animadamente que irão fazer tudo o que dizem - tudo devidamente anotado na ata. Por sermos anarquistas, somos também levemente desorganizados, e cada um faz o que quer ou acha importante. Em algumas coisas fomos capazes de nos unir, mas devo dizer que foram situações de exceção.

Bem, me despeço, depois de tão longo post destruíndo todo o Instituto. Talvez algum dia desses eu critique os departamentos individualmente. Até lá, olhem para o lado bom da vida, como cantou Jesus Cristo.

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